TÍTULO
V
MALÁRIA
CODAR
- HB.VMA/CODAR 23.105
1.
Caracterização
Existem quatro formas de
Malária humana, que apresentam sinais e sintomas semelhantes e cujos
diagnósticos diferenciais são, obrigatoriamente, realizados com o apoio do
laboratório.
Genericamente, os quadros
clínicos de malária caracterizam-se pelos acessos febris, que se iniciam com
calafrios intensos e terminam com sudorese profusa.
Os paroxismos febris
caracterizam -se pela rápida elevação da temperatura corporal que, muitas
vezes, ultrapassa 40 (quarenta) graus centígrados.
A fase de rápida elevação
da temperatura acompanha-se de calafrios intensos e de tremores.
Atingido o pico febril, os
tremores e calafrios são substituídos pela sensação de calor intenso e de
desconforto, acompanhados por forte dor de cabeça (cefaléia) com náuseas e
vômitos, podendo ocorrer fenômenos alucinatórios.
Passado o paroxismo
febril, a temperatura corporal cai rapidamente, em lise, acompanhada de
sudorese profusa e de muita sede, que compulsa o paciente a ingerir grandes
quantidades de água, para corrigir a desidratação provocada pelo acesso febril.
Após o acesso febril, o
paciente sente-se relativamente bem, e a única queixa é uma dor localizada na
região do baço - esplenalgia - que corresponde ao processo de esplenocontração,
que tem por objetivo repor o volume de glóbulos vermelhos circulantes.
Com o
decorrer do tempo, verifica-se um adensamento do baço, esplenomegalia,
facilmente percebido pela palpação.
Como durante os acessos
febris ocorre uma grande destruição dos glóbulos vermelhos (hemólise), os
exames de sangue revelam anemia secundária e, em muitos casos, elevação da
bilirrubina indireta, caracterizando uma síndrome de icterícia pré-hepática.
De acordo com a espécie de
plasmódio infectante e com o número de gerações parasitantes, que estão
evoluindo no organismo, os paroxismos febris podem ocorrer a intervalos de 72,
48 ou 24 horas.
A sucessão de acessos
paroxísticos febris intercalados caracterizam um "ataque febril".
Normalmente o primeiro ataque febril, na ausência de tratamento, dura no máximo
30 (trinta) dias, podendo ressurgir, sob a forma de recaídas, após um intervalo
de tempo variável.
As malárias humanas causadas por Plasmodium vivax e por P.
ovale são as mais propensas a recaídas.
A
forma mais grave de malária humana é a chamada terçã maligna, provocada pelo
Plasmodium falciparum que, além dos paroxismos febris, pode apresentar as
seguintes complicações:
¨ icterícia intensa, de padrão pré-hepático,
caracterizada pelo amarelecimento das conjuntivas oculares e da pele, e pelo aumento
da bilirrubina indireta, nos exames de sangue;
¨ insuficiência renal, com redução da
quantidade de urina excretada (oligúria) e, em casos extremos, a diminuição ou
supressão da urina (anúria);
¨ insuficiência hepática, que pode evoluir para
o coma hepático e morte;
¨ alterações dos mecanismos de coagulação, com
hemorragias e coagulação intravascular;
¨ quadros de choque, por redução do volume de
sangue circulante (hipovolemia), o qual se caracteriza por queda da pressão
arterial, aumento da freqüência cardíaca, pulso filiforme, suor frio e
arrocheamento (cianose) das extremidades;
¨ são mais comuns os quadros de encefalite
aguda, com hipertensão cerebral, que podem evoluir para o coma e para a morte,
conhecido como malária cerebral.
Há que recordar que
algumas cepas do P. falciparum são resistentes ao tratamento e que, nos casos
não tratados ou tratados de forma ineficiente, a mortalidade provocada pelo P.
falciparum pode ultrapassar 10%.
As outras formas de
malária humana, provocadas pelos P. malariae, P. vivax e P.
ovale são mais benignas e,
normalmente, não ameaçam a vida, exceto em pacientes muito idosos, muito jovens
ou no caso de pessoas debilitadas por enfermidades associadas.
Nas áreas endêmicas, podem
ocorrer quadros febris atípicos, que só são diagnosticados por intermédio de
exame laboratorial e que ocorrem em função da variação do nível de imunidade ou
da realização de tratamentos incompletos e insuficientes.
A confirmação do
diagnóstico e a caracterização da espécie de plasmódio infectante são feitas
por identificação microscópica do parasita causador da malária, por intermédio
do método da gota espessa que, sem dúvida, é mais efetivo que o do esfregaço.
A partir da segunda
semana, surgem os anticorpos que podem ser caracterizados por técnicas de
imunofluorescência e se mantêm na circulação por prazos prolongados.
2.
Dados Epidemiológicos
a.
Agentes Infecciosos
Os agentes infecciosos
causadores da malária são protozoários do gênero Plamodium pertencentes à
classe Sporozoa, cujos esporos se formam ao fim do período de multiplicação
sexuada, que ocorre no organismo do mosquito (telosporídeos) e cuja forma
adulta é unicelular, amebóide e parasita o sangue do animal vertebrado
(hemosporídeos).
As quatro espécies que
parasitam seres humanos são os Plamodium malariae, P. falciparum, P. vivax e P.
ovale, sendo que este último ocorre apenas na África Oriental.
As seis espécies que
infectam macacos são os P. brasilianum, P. simium, P. inui, P. cynomolgi, P.
kno-elsi e P. sch-etzi. Outras espécies infectam aves e répteis.
Embora existam registros
de homens infectados, experimentalmente e em ambiente de laboratório por
plasmódios que só parasitam macacos, e na África existam registros de macacos
superiores , como os gorilas e os chipanzés, infectados P. malariae, para fins
práticos, é bom considerar o homem como o reservatório exclusivo da malária
humana e a malária dos macacos como específica daquelas espécies.
b.
Estudo do Ciclo Vital dos Parasitas
O
parasita da malária evolui em dois ciclos distintos:
¨ esporogônico ou sexuado, que ocorre no
interior do mosquito;
¨ esquizogônico ou assexuado, que ocorre no
fígado e no sangue do homem.
Depois de introduzido no
organismo humano, durante a picada da fêmea do mosquito, sob a forma de
esporozoítos, os parasitas circulam por, aproximadamente, 30 (trinta) minutos e
se fixam nas células hepáticas (hepatócitos), onde dão início ao ciclo
esquizogônico, na fase exaeritrocitaria (fora do sangue).
Na medida em que se
multiplicam no interior dos hepatócitos, evoluem de merozoítos, para
trofozoítos e esquizontes e aumentam gradualmente o número de hepatócitos
infectados.
Os esquizontes hepáticos
maduros se rompem e liberam os trofozoítos na corrente sangüínea.
Com a continuidade da
esquizogonia, o número de parasitas no sangue se eleva e se inicia a
multiplicação no interior dos glóbulos vermelhos e, ao fim de 12 a 15 dias, os
parasitos já podem ser encontrados nos exames de sangue, surgem os primeiros
sintomas da enfermidade e ocorrem os paroxismos febris.
No prosseguimento do
processo de multiplicação, começam a surgir, no sangue, elementos diferenciados
- os gametócitos, os quais só atingem a plena maturidade, quando são sugados
pelas fêmeas dos mosquitos.
A fecundação dos
macrogametócitos pelos microgametócitos ocorre no estomâgo da fêmea e os
trofozoítos resultantes do processo fixam-se nas paredes do órgão e daí migram
para as glândulas salivares, sob a forma de esporozoítos, onde ficam em
condições de provocar uma nova infecção humana, ao serem introduzidos pela
picada.
No caso específico do P.
vivax, algumas formas de trofozoítos podem permanecer inativadas, por muito
tempo, no interior das células hepáticas e, ao serem reativadas, podem provocar
recaídas.
c.
Desenvolvimento do Processo Imunitário
A duração do "ataque
febril" é regulada pelo desenvolvimento do estado de imunidade do
organismo infectado.
Durante a fase
eritrocitária do ciclo esquizogônico, gera-se um estado de equilíbrio relativo,
que gira em torno de 100.000 parasitos por milímetro cúbico de sangue e,
durante esta fase, ocorrem as crises intercaladas de paroxismos febris.
A partir da segunda
semana, o organismo começa a desenvolver um estado de imunidade relativa,
contra a cepa do plasmódio infectante e, em conseqüência do aumento dos
anticorpos circulantes, ocorre uma progressiva redução da parasitemia e aumenta
o intervalo entre os episódios febris, até que o ataque febril seja controlado.
d.
Estudo dos Transmissores
Os vetores biológicos da
malária são as fêmeas dos mosquitos do gênero Anopheles, que se alimentam ao
entardecer e durante as primeiras horas da noite.
Estes insetos dípteros da
família dos Culicídeos depositam seus ovos em coleções de água corrente. As
larvas respiram por intermédio de sifões, enquanto mantêm o corpo em sentido
paralelo à superfície da água.
Os mosquitos adultos têm as asas cobertas de
escamas e pousam com o corpo inclinado, com relação à superfície da parede. Por
este motivo, são conhecidos como "mosquitos-pregos".
Para
que uma determinada espécie de anofelino seja considerada como um bom vetor da
malária humana, é necessário que a mesma:
¨ seja infectável pelos plasmódios da malária
humana;
¨ possua hábitos de domesticidade que facilitem
o contato com seres humanos.
Das
mais de 50 (cinqüenta) espécies de anofelinos existentes no Brasil, apenas 6
(seis) são consideradas epidemiologicamente importantes na transmissão da
malária humana:
Anopheles (Nyssornhynchus)
darlingi, A. (N) aquasalis, A. (N) albitarsis, A. (N) nuñestovari, A. Kertesia)
cruzi e A. (K) bellator.
e.
Períodos de Incubação e de Transmissibilidade
O intervalo entre a picada
do mosquito e o aparecimento dos primeiros sinais e sintomas é, em média, de 12
dias para o P. falciparum , de 14 dias para o P. vivax e P. ovale e de 30 dias
para o P. malariae. Nas regiões de clima temperado, o ataque do P. vivax pode
ser protelado por um período de latência de 8 a 10 meses.
Quando a infecção é
causada por transfusão ou por compartilhamento de seringas por dependentes de
drogas, o período de incubação pode ser mais curto e depende da dose inoculada
de microorganismos.
O período de
transmissibilidade do homem para o mosquito varia em função da espécie do
parasita e da efetividade do tratamento.
Nos casos não tratados ou submetidos a
tratamentos ineficientes, a transmissibilidade pode ser de: 3 anos, para o P.
malariae; de 1 a 3 anos, para o P. vivax e de menos de 1 ano, para o P.
falciparum.
O mosquito permanece
infectante por toda a vida e a transmissão, por transfusão, ocorre enquanto
formas assexuadas permanecem no sangue e, no caso do P. malariae, há registro
de transmissão após 40 anos.
O sangue armazenado
permanece infectante por 16 dias.
f.
Suscetibilidade e Resistência
Adultos em comunidades
endêmicas, com contínua exposição a anofelinos infectantes, acabam por
desenvolver resistência relativa às cepas prevalentes na região.
A maior parte dos negros
africanos apresenta resistência natural ao P. vivax.
Pessoas com hemácias
(glóbulos vermelhos) falciformes apresentam baixas parasitemias, quando
infectadas por P. falciparum. Nos demais casos a suscetibilidade é geral.
g.
Distribuição
Dentre todas as doenças
febris transmissíveis, a malária humana é a que apresenta a maior dispersão
geográfica, ocorrendo com maior prelavência nas áreas quentes e úmidas dos
cinco continentes.
Nestas condições, a
malária continua ocorrendo na África, na Ásia Sul-Ocidental, nas áreas quentes
e úmidas do Continente Americano e da Europa Sul-Oriental e em Ilhas da
Oceania.
A malária por Plasmodium
ovale é encontrada apenas na África Ocidental. As malárias causadas por P.
vivax e P. falciparum são encontradas na maioria das áreas endêmicas e, em
muitas destas áreas, são encontradas cepas de P. falciparum resistentes ao
tratamento. Por isso, toda e qualquer infecção por P. falciparum deve ser
motivo de tratamento especial.
No Brasil, a malária se
comporta como um imenso desastre humano de natureza biológica, tanto que, em
1999, foram confirmados 630.747 casos, dos quais 93,6% ocorreram na Região
Amazônica. Os garimpeiros são, dentre os estratos sociais, os mais vulneráveis
à malária.
3.
Monitorização, Alerta e Alarme
A monitorização das áreas
endêmicas, desencadeada pela vigilância epidemiológica, permite estudar as
características do cenário, com relação às espécies de plasmódios infectantes,
aos vetores e aos estratos sociais mais vulneráveis à doença.
Os inquéritos hemoscópicos
permitem estabelecer os índices de parasitemia de uma determinada população,
localizada em uma área endêmica.
Os levantamentos
epidemiológicos dos casos de malária diagnosticados permitem caracterizar a
intensidade do desastre.
Os estudos dos anofelinos
presentes na área e dos anofelinos infectados permitem caracterizar a magnitude
dos riscos de transmissão.
Os levantamentos dos
níveis de suscetibilidade dos mosquitos aos diferentes inseticidas de ação
residual facilitam o planejamento das campanhas.
A definição das cepas de
plasmódios refratários ao tratamento, por determinadas drogas, facilita o planejamento
do tratamento das pessoas infectadas.
4.
Medidas de Prevenção e de Controle
a.
Medidas Preventivas
1) Aplicação de
inseticidas de ação residual, comprovadamente eficazes, nas paredes internas de
todas as unidades habitacionais da área endêmica e em outras superfícies onde
os anofelinos costumam pousar. Essa aplicação é repetida, no mínimo, duas vezes
por ano e durante alguns anos, até ser comprovada a erradicação da doença.
2) No caso dos
garimpeiros, que habitam em telheiros sem paredes, compensa instalar “paredes
com tecidos resistentes”, para permitir a impregnação com inseticidas.
3) A proteção das casas e
dos alojamentos das áreas endêmicas, com telas metálicas nas portas e janelas,
a proteção das pessoas com mosquiteiros e o uso de “redes de selva” dotadas de
telheiro e de cortinas de malha fina, pelas pessoas que são obrigadas a
pernoitar no relento, permitem reduzir os riscos de picaduras pelos mosquitos.
4) O espargimento, todas
as noites, de inseticidas à base de piretro, sob a forma atomizada, nas áreas
de dormitórios e nos demais aposentos da habitação, é útil para reduzir os
riscos de infecção.
5) O uso de repelentes só
é útil quando os mesmos são constantemente renovados.
6) Nas áreas endêmicas, os
doadores de sangue devem ser submetidos à triagem clínica e laboratorial, que
comprove que os mesmos não estão infectados por plasmódios.
7) Nos treinamentos de
militares nas selvas, os banhos de rio, nos horários vespertinos e noturnos,
devem ser proibidos, nas áreas endêmicas.
8) O tratamento
preventivo, mediante a ingestão de doses periódicas de antimaláricos, de
comprovada eficácia para os plasmódios prevalentes nas áreas endêmicas, reduz a
ocorrência da doença entre viajantes e nas unidades de selva, que são obrigadas
a manobrar em áreas de malária endêmica.
9) O tratamento
supressivo, desde que precoce, radical e eficaz dos casos de malária agudos e
crônicos, suspeitados e confirmados, permite o controle da malária, pela não
infecção das fêmeas de mosquitos.
10) As medidas de
saneamento desencadeadas com o objetivo de eliminar os focos larvários de
anofelinos devem ser estimuladas. Estas medidas variam entre aterros, drenagem
de águas represadas, emprego de larvicidas e controle biológico com peixes
larvófagos e com bactérias patogênicas.
11) O controle das larvas
dos mosquitos vetores, por intermédio de bioinseticidas bacterianos, como o
Bacillus thuringensis var. israelensis e Bacillus sphaericus está crescendo de
importância e se firmando como um método de muito futuro, não só para os
mosquitos do gênero Anopheles, como também dos gêneros Aedes e Culex.
Já existe tecnologia
disponível no Brasil para a aplicação deste método, que apresenta como
principais vantagens a total inocuidade para outras formas de vida como peixes,
aves e mamíferos e a ausência total de riscos de poluição da natureza.
b.
Medidas de Controle do Paciente, dos Contatos e do Meio Ambiente
1) A notificação do caso à
autoridade sanitária local é obrigatória.
2) A investigação dos
contatos é extremamente útil, especialmente nas etapas avançadas de
erradicação. Deve-se investigar a fonte de infecção de cada caso descoberto,
através de exames de sangue de todas as pessoas da vizinhança e iniciar o
tratamento dos casos febris, mesmo antes de conhecer o resultado do exame
laboratorial. No caso de dependentes de droga, todo o grupo deve ser
investigado e, no caso de contaminados por transfusões, há que investigar e
tratar os doadores.
3) O tratamento específico
para a espécie de plasmódio infectante deve ser completo e eficaz, e os
pacientes devem ser alertados para que completem o tratamento, antes de
retornarem às suas atividades.
c.
Atuação da Defesa Civil
Compete à Defesa Civil
apoiar os órgãos de saúde pública e mobilizar voluntários da comunidade para
que participem das campanhas de prevenção e de combate à malária.
A promoção de campanhas
educativas, a partir do envolvimento dos NUDEC e das COMDEC é de capital
importância para a solução definitiva do problema.
É importante caracterizar
que, no momento atual, os estratos sociais mais vulneráveis à malária são
constituídos pelos garimpeiros, os quais precisam ser convencidos a se
protegerem e a completar o tratamento supressivo antes de retornar aos
garimpos.
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