FOME E DESNUTRIÇÃO
CODAR
– HS.CFD/CODAR – 22.203
1. Caracterização
A
fome e a desnutrição (ou hiponutrição) são consideradas importantes desastres
que, normalmente, atuam de forma gradual e insidiosa, com tendência para a
cronificação. A intensidade destes desastres é tão importante que, sem
exageros, pode-se afirmar que a fome e a desnutrição flagelam aproximadamente
25% da humanidade.
As
definições apresentadas, no prosseguimento, facilitam o entendimento do
problema.
· Fome
Desastre provocado pela carência de
alimentos, afetando um grande número de pessoas. Normalmente, a fome ocorre
como um desastre secundário, complicando desastres:
- naturais, como secas intensas, inundações com
destruição da safra ainda não colhida ou de alimentos armazenados, pragas de
insetos (por exemplo, gafanhotos);
- humanos, como conflitos sociais e guerras de
desgaste que assolam numerosos países africanos;
- mistos, como a desertificação e a salinização
do solo.
São mais vulneráveis à fome:
- os países e macrorregiões geográficas menos
desenvolvidos;
- os estratos populacionais marginalizados pelo
processo econômico;
- as crianças, os idosos, os enfermos e os
deficientes físicos e mentais (minusválidos).
· Hiponutrição
Estado
patológico, geral ou específico, provocado pela carência na dieta de um ou mais
nutrientes, o qual pode ser diagnosticado, mediante exames clínicos e
laboratoriais.
· Desnutrição Protéico-Calórica
Estado patológico relacionado com a
carência de proteínas e de calorias necessárias ao metabolismo orgânico, o qual
pode ser provocado por:
- carências dietéticas;
- problemas relacionados com a digestão e
absorção dos alimentos pelo aparelho digestivo;
- problemas relacionados com a intensificação do
consumo metabólico (catabolismo) provocados por doenças consumptivas, como o
câncer e a tuberculose terminal, e por doenças metabólicas, como o
hipertireoidismo e a diabetes.
· Alimento
Toda
substância nutritiva, ingerida pelos seres vivos e indispensável à manutenção
de seu metabolismo orgânico.
Recurso
considerado como indispensável ao sustento e à manutenção do processo vital.
· Alimento Protetor
Alimento
de elevado valor nutritivo, utilizado para promover o pleno desenvolvimento
físico e proteger a saúde, por ser rico em nutrientes essenciais. A levedura de
cerveja é considerada como alimento protetor, de extrema importância, por ser
rica em aminoácidos essenciais e em vitaminas do complexo B.
· Alimento Enriquecido
Alimento
ao qual se acrescentam, intencionalmente, princípios nutritivos, com a finalidade
de incrementar seu valor nutritivo, no combate e na prevenção de enfermidades
causadas por carências nutricionais. Os enriquecimentos mais freqüentes são os
relacionados com sal iodado, farinhas enriquecidas com vitaminas do complexo B,
leite enriquecido com sais de ferro e vitaminas.
· Alimento Tradicional (ou
Convencional)
Alimento
obtido através de métodos tradicionais de agricultura, pecuária, pesca, caça ou
coleta e preparado de forma convencional pela comunidade local. Estão excluídos
da definição os alimentos submetidos a processos "não convencionais"
de processamento.
· Alimentação Básica
Alimentação
usual, num determinado país ou comunidade e responsável pelo aporte diário de
calorias e princípios nutritivos. Por já estar adaptada à cultura alimentar da
população, deve ser preferencialmente distribuída em circunstâncias de
desastre.
No
Brasil, a alimentação básica é constituída por arroz, feijão, carne, milho e
outros cereais, raízes e tubérculos, farinha de mandioca e de milho, frutas e
verduras, leite e laticínios, café, pães, massas e gorduras animais e vegetais.
· Alimentação Artificial
A
alimentação artificial, especialmente do recém-nascido, até os 6 (seis) meses
de idade, com outro alimento diferente do leite materno, deve ser sistematicamente
desencorajada.
A
alimentação artificial só se justifica em casos excepcionais e mediante
prescrição médica.
· Nutriente
Qualquer
um dos compostos orgânicos ou minerais contidos nos alimentos e que desempenha
um papel importante no metabolismo geral dos organismos, cumprindo um papel
especifico na nutrição. Compreende as proteínas, os hidratos de carbono, as
gorduras ou lipídios, as vitaminas e os sais minerais.
· Nutrição
Compreende
a fisiologia do aparelho digestivo e a digestão, assimilação e metabolismo dos
princípios nutritivos ou alimentares necessários ao desenvolvimento orgânico e
à manutenção das funções vitais dos seres vivos.
Ciência
biomédica que estuda as interações entre os alimentos e a saúde ou a doença,
bem como a prevenção e o tratamento das enfermidades carenciais.
2. Ocorrência
A
fome é um desastre de âmbito global, atingindo todos os continentes e
flagelando aproximadamente 25% da humanidade, o que corresponde a
aproximadamente um bilhão e quinhentas mil pessoas.
O
problema é mais grave nos países menos desenvolvidos e mais populosos da Ásia e
da África, especialmente na condição de desastre secundário, por ocasião de
secas intensas e inundações catastróficas.
Em
menores proporções, a fome atinge áreas da Oceania, do Caribe, da América do
Sul e da América Central. Mesmo os países desenvolvidos da América do Norte e
da Europa Ocidental não são totalmente imunes ao problema.
No
Brasil, existe carência alimentar e, algumas vezes, crises de fome epidêmica,
especialmente no Semi-Árido Nordestino, por ocasião das secas e nos bolsões de
pobreza que se desenvolveram em numerosas áreas urbanas, como conseqüência do
desemprego.
3. Danos
A
fome e a desnutrição contribuem para agravar os índices de mortalidade e
morbilidade geral e, em especial, da morbilidade e mortalidade infantil.
De uma forma mais específica, a
desnutrição ou hiponutrição contribui para a redução da:
- resistência imunitária, aumentando os índices
de mortalidade relacionados com as doenças infecto-contagiosas;
- pressão osmótica e oncótica, as quais são
influenciadas pelos sais minerais e pelas proteínas existentes no plasma. A
queda das pressões osmótica e oncótica precipita os desequilíbrios
hidroeletrolíticos e o aumento da mortalidade por desidratação;
- estatura e massa muscular, especialmente
quando atua cronicamente;
- capacidade intelectual, algumas vezes de forma
irreversível, quando ocorre na primeira infância;
- capacidade laborativa e produtiva dos estratos
populacionais mais afetados.
É
fato notório que deficiências na ingestão de calorias, na refeição matinal,
além de reduzirem a capacidade produtiva dos operários, concorrem para
incrementar os acidentes de serviço.
Esta
condição tende a se agravar com a ingestão dos chamados alimentos de poupança,
como o álcool, a cola e as bebidas ricas em xantinas que estimulam o sistema
nervoso, dando ao organismo uma energia momentânea.
4. Monitorização, Alerta e Alarme
A
avaliação quantitativa e qualitativa da situação alimentar ou nutricional de
uma população, numa circunstância determinada, é realizada através de
indicadores nutricionais.
Os indicadores nutricionais podem ser:
- indicadores de alimentos disponíveis;
- indicadores de estado nutricional.
Os
indicadores de alimentos disponíveis procuram avaliar a oferta per capita de
alimentos, para um determinado grupo social, numa determinada circunstância e
durante um período definido. O estudo permite estimar a oferta por categoria de
alimentos e avaliar o ingresso diário em calorias.
Os
indicadores de estado nutricional procuram, mediante o estudo de amostras
estatísticas, definir as repercussões clínicas de uma determinada situação
alimentar sobre grupos populacionais definidos.
No
Brasil, as informações sobre a situação alimentar são muito pouco precisas e
isto prejudica a caracterização e o dimensionamento preciso do problema
alimentar, dificultando o planejamento das medidas de controle e de redução do
desastre.
Um
dos problemas que dificultam o estudo dos alimentos disponíveis é que o mesmo
se baseia em dados oficiais de produção e de consumo e não considera a chamada
economia informal e a deficiência do sistema de certificação.
A
clássica anedota do "boi de dois couros" permite esclarecer o
problema. O consumo anual de carne bovina, definido a partir do abate oficial e
certificado, é de aproximadamente 22 kg per capita (1999). No entanto, os
curtumes adquirem no mercado interno uma quantidade de couro duas vezes maior
que a consignada no abate oficial.
A conclusão óbvia é que aqueles que
continuam a calcular o consumo per capita, de acordo com os dados do abate
oficial e certificado, aceitam automaticamente que o boi brasileiro tem dois
couros.
Ao refletir sobre esta triste anedota,
somos forçados a concluir que:
- a margem de erro é tão grande que praticamente
invalida a avaliação dos alimentos disponíveis;
- é necessário que sejam desenvolvidos
mecanismos que permitam a gradual incorporação da economia informal à economia
formal do País;
- mais da metade da produção de carne bovina não
vem sendo inspecionada e certificada, com grandes riscos para o consumidor
brasileiro.
Situação
semelhante ocorre no consumo de carne de suínos e, no que diz respeito ao
consumo de carnes de caprinos e de ovinos, a situação é ainda mais grave.
Outro
problema sério é que a estimativa de alimentos disponíveis não foi adaptada à
realidade alimentar brasileira. Por este motivo, o consumo de produtos como a
mandioca, a batata-doce, a farinha de mandioca, a rapadura e as frutas
tropicais não é devidamente considerado.
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