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02 abril 2022

EVOLUÇÃO DA SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO E PÂNICO - Sistema de Gestão da Segurança contra Incêndio e Pânico nas Edificações

 

2.1 EVOLUÇÃO DA SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO E PÂNICO

 

Estão expressos na história mundial em vasta literatura, uma série de grandes incêndios que causaram descomunais destruições e mortes, tidos como embriões da segurança contra incêndio nas edificações, como em Roma no ano de 64 d.C. durante o império de Nero, Londres em 1666, no terremoto seguido de incêndio em Lisboa durante o ano de 1755 e na cidade de Chicago em 1871 (SILVA, 2014). Todos influenciaram a adoção de medidas preventivas como a criação de guardas de combate ao fogo, orientações de construção e utilização de materiais menos suscetíveis ao fogo, maior disponibilidade de água e recursos de socorro (VIEGAS, 2006).

 

Em Portugal, por exemplo, é relatado que a primeira iniciativa para a criação de um serviço de prevenção de incêndios foi no ano de 1395, quando D. João I assinou uma Carta Régia com medidas a serem tomadas neste âmbito. Porém, a história formal sobre a regulamentação portuguesa de SCIE é contemporânea, sendo as exigências quanto à segurança contra incêndio expressas primeiramente no ano de 1951 com a publicação do Decreto-Lei nº 38/1951, que estabelecia o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (REGEU) (VICÊNCIO, 2011).

 

 

A Carta Régia, mostrada na Figura 2, publicada por D. João I, dizia (ABRANTES; CASTRO,2009):

 

[...] Acordaste que era bem que os pregoeiros dessa cidade pelas freguesias em cada noite, [...], andem pela dita cidade apregoando que cada um guarde e ponha guarda ao fogo em suas casas. E que no caso que se algum fogo levantasse, o que Deus não queira, que todos os carpinteiros e calafates venham aquele lugar, cada um com o seu machado, para haverem de atalhar o dito fogo. E que outrossim, todas as mulheres que ao dito fogo acudirem, tragam cada uma o seu Cântaro ou pote para acarretar água para apagarem o dito fogo [...]

  

Figura 2 – Carta Régia publicada por D. João I no ano de 1395 (Site Bombeiros Portugal)

 


Segundo Rodrigues et al. (2009), além do REGEU, até 1988 mais 30 artigos constantes no Regulamento das Condições Técnicas e Divertimentos Públicos atendiam a matéria, porém insuficientemente. Contudo, muitos instrumentos de regulamentação foram alavancados somente após 1988, devido ao incêndio no centro histórico do Chiado, em Lisboa, onde 18 edificações, muitas do século XVIII com escritórios e lojas, foram destruídas, como mostra a foto da Figura 3 (CUNHA, 2010).

 

Então, naquele país passaram a ser publicados um conjunto de medidas e regulamentos específicos de segurança contra incêndio para diversas atividades, tornando-os dispersos em Decretos-Lei, Portarias, um Decreto Regulamentar e uma Resolução do Conselho de Ministros (BRÁS, 2010).

  

Figura 3 – Vista aérea durante o Incêndio do Chiado em Lisboa, em Portugal, que atingiu 18 edifícios em 1988 (CUNHA, 2010)

 


Portugal que possui população semelhante ao Estado do Rio Grande do Sul (10 milhões de habitantes) entrou na União Européia em janeiro de 1986, e diversas exigências relativas ao Espaço Econômico Europeu eram impostas à concorrência do mercado, evidenciando a necessidade de padronização dos materiais e técnicas de construção.

 

Paralelamente, muitas divergências técnicas constituíam uma barreira à livre circulação dos produtos. Para mitigar estes entraves, muitas disposições foram emanadas para facilitar o trânsito dos produtos comum bom nível de qualidade, de forma padronizada entre todos os países-membros através de uma harmonização normativa e de procedimentos para avaliação da conformidade.

 

As principais disposições são a Diretriz do Conselho 83/189/CEE, que estabeleceu princípios gerais para harmonização das normas técnicas, e a atual Decisão do Conselho da Comunidade Européia 93/465/CEE, que definiu procedimentos para a marcação CE, revogando a Diretriz 90/683/CEE.

  

Voltado à construção civil, tornou-se público em 21 de dezembro de 1988 o mais importante e específico documento, a Directiva do Conselho relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros no que respeita aos produtos de construção, Directiva 89/106/CEE, também conhecida como Directiva dos Produtos de Construção (DPC), transposta para o ordenamento jurídico português através do Decreto-Lei nº 113/1993, alterado pelo Decreto-Lei nº 4/2007.

 

Estedocumento possui seis exigências essenciais para a marcação CE de conformidade aos produtos de construção, sendo uma delas a segurança contra incêndio. Tal Directiva e suas exigências são descritas minuciosamente e interpretadas por meio da Comunicação das Comunidades Européias 94/C62/2001 de 28 de fevereiro de 1994.

 

A partir desta necessidade de decisão e harmonização, em 1993 foi criado o Fire Regulators Group, composto por representantes dos Estados-Membros com competência legal na área de regulamentação de segurança contra incêndio. Este grupo foi substituído pelo Expert Groupon FireRelated Issues (EGF), o qual apoia a Comissão na elaboração de diversas Decisões da Comissão das Comunidades Européias relativas ao tema, determinando ensaios, procedimentos e parâmetros a serem tomados para a classificação e funcionalidade padronizada dos produtos, sendo as mais referenciadas relacionadas com a reação ao fogo (Decisões 2000/147/CE e 2003/632/CE) e com a resistência ao fogo dos materiais e elementos construtivos (2000/367/CE e 2003/629/CE) (SANTOS, 2011).

 

No Brasil, a preocupação com a potencial destruição causada pela ação descontrolada do fogo já desencadeava ações preventivas desde a época imperial, no entanto, o corpo legal e normativo como se apresenta hoje foi delineado sempre fundamentado em experiências passadas de cada Estado, existindo registros dispersos pelas diversas regiões do país.

 

Certamente, todas as Unidades da Federação possuem sua respectiva evolução normativa da segurança contra incêndio ao longo da história, no entanto, poucos registros públicos são encontrados disponíveis com facilidade para a compilação nacional em um trabalho memorável.

 

Alguns desses acontecimentos mais recentes mencionados remontam ao século XIX, onde o incêndio na Rua do Rosário, na cidade de São Paulo do ano de 1851, provocou a apresentação de projeto de lei à Assembléia, prevendo um Código de Prevenção e Extinção de Incêndios, o qual definia o auxílio da população. Já em 1880, um incêndio na biblioteca e arquivo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, fez com que no ano seguinte fosse inaugurado o serviço de águas da capital, sendo realizada a implantação de hidrantes pela cidade (ARAÚJO, 2008).

 

Como afirmam Gill e Negrisolo (2008 apud ARAÚJO, 2008), sempre houve preocupação das "autoridades do passado" com a prevenção dos incêndios, manifestados na legislação como em 1886, onde o então Novo Código de Posturas da cidade de São Paulo obrigava as pessoas à franquia dos poços para fins de combate aos incêndios por parte dos aguadeiros com suas pipas, e a limpeza periódica das chaminés, entre outras determinações. Ao transpormos para o século XX, o Decreto paulista nº 1.714 de 18 de março de 1918 passou a regulamentar a prevenção nos locais de diversão pública, enfatizando a previsão de controle de incêndio e dos meios de fuga.

 

Ainda, conforme Araújo (2008), consta nos registros históricos do Estado do Rio de Janeiro, que no início da década de 20 foram enviados relatórios ao Ministério da Justiça e para diversas autoridades, durante o Comando do Coronel João Lopes de Oliveira Lyrio, expondo a necessidade de prevenção nos grandes edifícios.

 

Isto resultou a inserção do tema no regulamento de construção, bem como em 1923 foi implantada o que seria a Diretoria de Serviços Técnicos do Corpo de Bombeiros. Resultados concretos foram vistos a partir de 1926 com a construção do primeiro prédio no Estado com esquema de segurança previsto.

 

Decorre ainda que em 1937 foi sancionado o Decreto nº 6.000, o qual exigia "canalização preventiva" nas edificações a partir de quatro pavimentos, e no ano de 1963, a Lei nº 374 determinava condições obrigatórias para construção e atribuía ao Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro a competência para fiscalização preventiva.

 

Enquanto isso no sul do Brasil, a cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná, introduziuno Código de Posturas e Obras de 1953, artigos que previam a intervenção do Corpo deBombeiros com a vistoria de projetos para o licenciamento das edificações.

 

Como exemplo, no Estado do Rio Grande do Sul muitos diplomas estaduais ao longo dos anos ratificaram a atribuição de gerir a segurança contra incêndios através do Corpo de Bombeiros, como o Decreto nº 19.676/1969, Lei nº 6.019/1970 e o Decreto nº 20.637/1970, o qual estabeleceu normas de fiscalização e licenciamento dos locais de diversão pública, mas os bombeiros forneceram na época apenas 194 certificados (MELLO, 2006).

 

A prevenção de incêndios a cargo do Corpo de Bombeiros sempre teve seu alicerce nas Constituições do Estado, o que permanece até hoje, e a segurança contra incêndio aos moldes atuais começou a ser formatada em paralelo com as movimentações realizadas a nível nacional devido aos grandes sinistros dos anos 70, incluindo os que ocorreram nas Lojas Americanas e Lojas Renner na cidade de Porto Alegre.

 

O então Prefeito da capital gaúcha Porto Alegre, engenheiro Thompson Flores, realizou em 1974 a primeira reunião da Comissão de Alto Nível para assessoramento em prevenção de incêndios, criada no ano anterior.

 

Dos trabalhos surgiram diversos projetos de lei que foram arquivados pela Câmara de Vereadores da época, porém reavaliados após o incêndio das Lojas Renner em 1976, resultando disto a publicação das Leis Complementares Municipais nº 20/1976, 28/1976, 30/1976 e 32/1977 que tratavam sobre prevenção e proteção contra incêndio nas edificações.

 

Para ilustrar a condição do Estado nesta área, Santos (1983) destacou o periódico de notícias do Estado denominado Zero Hora do dia 28 de abril de 1976, que dizia:

 

[...] na época em que ocorreu o incêndio nas Lojas Americanas, as estatísticas demonstravam que 95% dos prédios comerciais da Capital não possuíam qualquer proteção contra incêndio, 50% não trocavam a carga dos extintores em épocas certas, e 90% dos prédios residenciais não possuíam nenhuma proteção. O Município não tinha nenhuma legislação quanto à regularização desses prédios. [...]

 

Então a partir do ano de 1976, além das leis complementares municipais de Porto Alegre, outras iniciativas normativas foram tomadas. A própria Lei Municipal nº 28/1976 foi o  primeiro diploma a tornar obrigatória nas edificações daquela cidade, a utilização da NormaBrasileira (NB) 208 -"Saídas de emergência em prédios altos" (MAZZONI, 2010).

 

Já no final da década, em 1979, foi editado o primeiro Código Municipal de Prevenção e Proteção contra Incêndio na cidade de Rio Grande através da Lei Municipal nº 3.382/1979. E logo em 1980 ocorreu a primeira reunião da Comissão de Estudos sobre saídas de emergência na sede Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), embrião da atual Norma Brasileira (NBR) 9077 -"Saídas de emergência para edifícios".

 

Os fatos narrados acima corroboram com Cuoghi (2006) de que a mobilização social e a gestão pública alavancaram diversos avanços no campo da segurança contra incêndio mediante o "espírito de catástrofe", motivados a partir de grandes sinistros que causaram comoção pública quer seja em âmbito regional ou nacional. E não foi diferente no ano de 2013, onde um incêndio em uma casa noturna na cidade de Santa Maria, região central do Estado do Rio Grande do Sul, vitimou fatalmente 242 pessoas e feriu outras centenas de frequentadores daquele estabelecimento com aproximadamente 640 metros quadrados (m2) de área construída.

 

Segundo Mozzicafredo (2003 apud FERNANDES, 2009), com o desenvolvimento das cidades e sua consequente verticalização, maior instalação de equipamentos à rede elétrica, e maior aplicação de materiais sintéticos (espumas e resinas) ao mobiliário, a possibilidade de grandes prejuízos concentrados em menores áreas construídas foi elevada, e os meios de comunicação cada vez mais rápidos e mais abrangentes impactaram sobremaneira na percepção de risco da população.

 

A maior visibilidade dos grandes desastres como os incêndios aumentou as expectativas dos cidadãos em relação à segurança, tornou também evidente que as exigências formais por novas técnicas construtivas e equipamentos que trariam maior segurança aos usuários dos estabelecimentos não estavam sendo atualizados à mesma velocidade com que aumentavamos reais perigos de incêndio.

 

As Tabela 1 e Tabela 2 mostram respectivamente alguns grandes sinistros ocorridos e as principais movimentações no sentido de sanar as lacunas existentes na prevenção contra os incêndios, bem como a Figura 4 ilustra alguns destes infortúnios.

  

Figura 4 – Imagens respectivamente dos incêndios no edifício Joelma (São Paulo -1974) e nas Lojas Renner (Rio Grande do Sul -1976)

 


 

 

Tabela 1 – Grandes sinistros ocorridos no Brasil

 


 

Tabela 2 – Movimentações decorrentes dos grandes sinistros

 


 

Realmente, há uma forte correlação entre os grandes sinistros ocorridos a partir dos anos 70, com o surgimento de novas regulamentações, fóruns técnico-científicos ou mudança de procedimentos.

 

A Tabela 3 mostra o ano de publicação das legislações de SCIE nos Estados do Brasil, evidenciando o cenário geral e discrepante das épocas e motivações para as mudanças.

 

Está notório o lapso temporal de 41 anos entre a legislação mais antiga e a mais atual. Isto certamente reflete na falta de padronização e dificuldade de execução de instalações em conformidade com ditames defasados, sem a atualização paralela com a evolução tecnológica.

 

O comportamento reativo das regulamentações vigentes fica mais claro no momento em que 6 (seis) Estados modificaram inteiramente seus corpos normativos logo após a tragédia na Boate Kiss, na cidade de Santa Maria no Estado do Rio Grande do Sul, em27 de janeiro de 2013.

 

Tabela 3 – Ano de vigência das legislações de SCIE nos Estados brasileiros

 


 

Ainda, outros 10 (dez) Estados não alteraram por inteiro os diplomas técnicos, mas realizaram adaptações também motivados pela tragédia recente, a partir de 2013, permanecendo na Tabela 3 o ano de publicação dos textos originais.




 

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