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10 junho 2022

Ocorrências - Reunião Científica GRAU São Paulo 26/04 - Redesign da Viatura de Suporte Avançado do Utilizada pelo Grupo de Resgate e Atenção às Urgências - GRAU

 

Reunião Científica GRAU São Paulo 26/04


Amputação de Membro no Pré Hospitalar.

 

Apresentadores:

Dra. Fabiana Maria Ajjar - Capitão Médica da Polícia Militar do Estado de São Paulo

Dr. Raphael Caggiano - Médico GRAU Resgate

Enf. Rangel Biscaro Valera - Enfermeiro GRAU Resgate

 

A Reunião teve como pauta principal a ocorrência atendida pela equipe do GRAU composta pelo médico Raphael Caggiano e o enfermeiro Rangel Biscaro, na região de Mairiporã, na noite do dia 10 de março de 2016. Os relatos são narrados pelos três apresentadores em questão.

 

“Por volta das 20h o Posto de Bombeiros da Casa Verde recebeu um chamado de ocorrência de um desmoronamento no Parque Náutico, em Mairiporã. O local distava cerca de 40km da base do Corpo de Bombeiros, e a chuva era torrencial.

 

Fomos na viatura USA (Unidade de Suporte Avançado, uma Pajero Sport que o GRAU utiliza em ocorrências). O deslocamento foi complicado desde a saída da base, pois com a chuva o trânsito já era caótico, o rio Tietê ameaçava transbordar a qualquer momento e a pista estava com pontos de alagamento. O trajeto todo foi marcado pela forte chuva, porém na estrada local já em Mairiporã que levava ao destino o quadro se agravou,os pontos de alagamento ficaram maiores, e para garantir que a viatura passaria pelas partes alagadas nós desciamos da viatura e tateávamos com uma vara para sentir a profundidade, se a água estivesse até a altura da cintura, a USA passava, além de precisarmos tirar pedras, árvores e até mesmo carros do caminho. Assim que chegamos, nos informaram que haviam 8 óbitos no local, porém havia um casal de idosos que ainda estavam vivos, porém soterrados.

 

Estavam conscientes, e faltava pouco para retirá-los da terra. Foi então que o apito do bombeiro que cuida da segurança da cena foi soado, e fomos obrigados a evacuar o local imediatamente, um novo deslizamento do barranco era iminente, segundos depois o deslizamento acabou por levar o barraco que o casal estava preso. Infelizmente dois óbitos adicionais à conta.

 

Neste dia foram mais de 150 ocorrências simultâneas causadas pelas fortes chuvas, não haviam equipes suficientes para atender todas, a central dos bombeiros 193 estava totalmente abarrotada de ligações, por isso assim que foi constatado o óbito dos idosos que estávamos resgatando, o sistema ja constava que nossa equipe estava disponível e operacional para atender mais ocorrências.

 

A meia-noite recebemos um segundo chamado, também um deslizamento de terra, na região de Franco da Rocha, uma criança estava presa embaixo de uma casa. A distância era pequena, mas demoramos mais de uma hora para chegarmos ao local. Faltando cerca de 1,5km para chegar ao local, a água estava muito profunda, então decidimos pegar as bolsas com equipamentos e medicação e ir andando até o local. No caminho encontramos um ASE (Auto Salvamento e Extinção) dos Bombeiros, que estava se deslocando para a mesma ocorrência, subimos nele e prosseguimos vencendo as zonas alagadas. No ponto mais crítico a agua batia na altura da janela do caminhão que estávamos, por sorte a viatura conseguiu vencer as águas.

 

O caminhão parou o mais próximo possível da região da ocorrência, que era um cenário de caos absoluto, o percurso final fomos obrigados a seguir apé pois haviam muitos obstáculos para o ASE transpor.

 

A cidade estava literalmente submersa, a rua próximo ao local do deslizamento estava muito alagada, seguimos apé novamente, com a agua na altura do peito.

 

O local da ocorrência era um cenário de guerra, a casa estava completamente soterrada, e existia um risco constante de ocorrer um segundo deslizamento e matar a todos nós. Estávamos completamente ilhados, sem recursos e sem comunicação, as viaturas com rádios estavam distantes e nenhum celular tinha sinal la, por se tratar de um vale, os poucos celulares com sinal eram dos moradores, os quais pegávamos emprestado para tentar ligar para os bombeiros, informando as outras equipes, e os médicos reguladores do COBOM sobre a situação da ocorrência.

 

Mesmo assim prosseguimos com o salvamento. Subimos o morro até a parte em que a casa se encontrava, e começamos a cavar com as próprias mãos e assim encontramos Ana Clara, uma menininha

de 5 anos que estava com seu pé preso entre duas colunas. Estava consciente, sem dores, apenas dizia que queria ir para a escola e que estávamos sujando seu cabelo de terra.

 

Após algum tempo cavando com as mãos, chegaram outras equipes dos bombeiros para auxiliar, usamos todas as ferramentas e métodos disponíveis para liberar eu pé, aríetes hidráulicos, almofadas pneumáticas, marteletes, alargadores, alavancas, tudo que podíamos pensar, usamos. E ainda assim não conseguiamos liberar um milímetro sequer. O acesso ao pé dela era bem limitado, era um buraco de cerca de 25 cm de diâmetro e não podíamos usar ferramentas grandes pelo risco de desabar de novo.

 

Por cerca de dez horas, nós do GRAU e os bombeiros, tentamos exaustivamente encontrar alguma maneira de tirar a Ana de lá. Nesse tempo mantinhamos ela aquecida e hidratada com soro aquecido que injetávamos nela. Mesmo assim no começo da manhã, ela começou a entrar em processo de hipotermia, apresentando baixa nos níveis de consciência, letargia e baixa na pressão arterial.

 

Nessa hora, após esgotarmos as possibilidades de técnicas para retirar o pé dela debaixo das colunas, conversamos com os médicos reguladores da central dos bombeiros (COBOM), com outras equipes do GRAU e com a médica do Grupamento de Radiopatrulha Aérea do Águia, e a decisão foi tomada. Era preciso amputar a perna dela, ou ela iria morrer e ainda estávamos sob o risco de um segundo deslizamento. Mesmo após termos decidido amputar, ainda tentamos por mais 15 minutos retirá-la, 15 minutos que se transformaram em 1 hora. Não queríamos amputar, por mais que fosse a última opção e já não haviam outras possibilidades, relutávamos em aceitar.

 

O helicóptero Águia chegou pela manhã com a Dra. Fabiana Ajjar, que chegou decida a realizar o procedimento, ela teve uma visão aérea da área que nós sequer imaginávamos.

 

Toda a cena estava sob um grande risco, não havia mais tempo a perder. Sedamos Ana Clara, e aplicamos um garrote em sua perna, como o acesso era muito apertado, usamos uma serra Gigli, que quebrou na primeira tentativa, causando um corte em sua perna.

 

Na segunda tentativa conseguimos amputar sua perna um palmo abaixo do joelho, e a retiramos daquele buraco. O procedimento todo levou cerca de 2 minutos. Neste momento ela já apresentava sintomas moderados de hipotermia, com 34,3°C.

 

Estávamos absolutamente exaustos e sujos, mas a única coisa que focamos era em tirar Ana Clara de lá. O helicóptero estava pousado a cerca de 1,5km de lá, em um campo de futebol, e o único jeito de chegar até lá era andando. Colocamos Ana na prancha, imobilizamos e iniciamos o transporte, no caminho um dos bombeiros foi eletrocutado por um cabo da rede elétrica que havia caído na água, mas não sofreu danos maiores. De lá, o Águia levou a garota para o Hospital das Clínicas onde foi para a UTI.

 

Embora ela tenha saído do buraco viva e estável, nosso sentimento foi de frustração, ficamos encarando a missão como fracasada. Mas nossa missão é salvar vidas, a qualquer custo, e foi o que fizemos.

 

 


 

 

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