XVI
Cobriu o revólver com um jornal, apressadamente.
- Então continuas na mesma? - perguntou Lisa
sobressaltada, fitando-o.
- Que queres dizer com isso?
- Vejo no teu olhar a mesma expressão que tinhas
outrora, quando nada querias dizer-me...
Dize-me meu querido, o que te aflige... Tenho a
certeza de que sofres. Desabafa comigo, isso aliviar-te-á. Qualquer que seja a
causa dos teus sofrimentos, encontraremos um remédio para eles.
- Acreditas nisso?
- Fala, fala, não te deixarei sem que me digas o que
tens.
Eugénio esboçou um sorriso doloroso.
- Falar? É impossível. Aliás, nada tenho para te
dizer.
Podia ser, no entanto, que acabasse por lhe dizer
tudo; mas nessa altura entrou a ama e perguntou-lhe se podia ir dar uma volta.
Lisa saiu para cuidar da filha.
- Hás-de dizer-me o que tens, eu venho já.
- Sim, talvez...
Ela nunca pôde esquecer o sorriso magoado com que o
marido disse estas palavras. Saiu.
Apressadamente, como se fosse praticar um delito,
Eugénio pegou no revólver e examinou-o.
«Estará carregado? Sim, e desde há muito... Já foi até
disparado uma vez... Bem, aconteça o que acontecer...
Encostou o revólver ao parietal direito, hesitou um
momento mas, lembrando-se de Stepanida e da decisão tomada de não a tornar a
ver, da luta que nos últimos tempos travara consigo próprio, da tentação, da
queda, tremeu horrorizado. «Não, antes isto». E deu ao gatilho...
Quando Lisa acorreu ao quarto, mal tivera tempo de
descer a varanda, viu-o deitado de bruços, no chão, e o sangue negro e espesso
corria da ferida.
Procedeu-se a investigações, mas ninguém pôde atinar
com a causa do suicídio. O tio nem por sombras podia admitir que o
acontecimento tivesse qualquer relação com as confidências que dois meses antes
Eugénio lhe fizera.
Bárbara Alexievna afirmava que sempre tinha previsto
aquele desfecho. «Via-se logo, quando se punha a discutir».
Nem Lisa nem Maria Pavlovna compreendiam como aquilo
sucedera, e nem tão pouco se podiam conformar com a opinião dos médicos, que
classificaram Eugénio de psicópata, de semi-louco. Não podiam admitir tal
hipótese, estavam convencidos de que ele era mais ajuizado do que a maioria dos
homens.
Se Eugénio Irtenieff era um anormal, um doente,
ter-se-ia de concluir que todos os homens o eram e, ainda mais, que doentes
serão todos os que nos outros vêem sintomas de loucura quando não têm um
espelho em que possam ver o que lhes vai dentro da alma.
Barros Vital
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