05 agosto 2022

A sessão começou - A MORENINHA - Joaquim Manuel de Macedo

 

A sessão começou

 

Longo fora enumerar tudo o que se passou em duas horas muito agradáveis e por isso muito breves, também. Toda a companhia veio tomar parte naquele divertimento improvisado e até, quem o diria?!, os dois velhos deixaram o tabuleiro do gamão! Resuma-se alguma coisa. As testemunhas foram D. Gabriela e uma outra, que deram provas de bastante espírito. O interrogatório de D. Carolina fez rir a quantos o ouviram. O debate dos advogados esteve curioso. Leopoldo acusou a ré, demonstrando que tinha havido a circunstância agravante da premeditação e que o crime se tornava ainda mais feio, por ser causado pelo ciúme; procurou provar que D. Carolina, cônscia de seus encantos e beleza, queria ser senhora absoluta de todos os corações e até de todos os seres, que ela se enchera de zelos supondo, com razão, que Augusto desse subido valor à rosa, por lhe ser dada por uma moça bela como a autora e, enfim, que o ciúme da ré era tão excessivo, que já na tarde antecedente jurara a perda daquela flor, por desconfiar que o zéfiro brincava mais com ela do que com seus olhos. Filipe não se deixou ficar atrás. Argumentou dizendo que era impossível decidir que mão tinha dado a morte à bela cativa, que não houvera premeditação, porque a ré não quisera matar mas, sim libertar; que, se havia crime, só o cometera a autora, por prender uma inocente flor; e que, por último, ainda quando fosse a ré que desfolhara a rosa e mesmo dando-se o propósito de o fazer, dever-se-ia atribuir tal ação à piedade, pois que D. Quinquina a estava matando pouco a pouco com o veneno da inveja, colocando-a tão perto de suas faces, que tanto a venciam em rubor e viço.

 

As juradas recolheram-se à toilette e cinco minutos depois voltaram com a sentença, que foi lida por D. Clementina. O júri declarou D. Carolina criminosa e a condenou a indenizar o dono da rosa com um beijo.

- Para fazer tal, disse a ré, não carecia eu de sentença do júri; tome um beijo, minha prima...

- Não é a mim que o deve dar, respondeu a autora; o dono da rosa é o Sr. Augusto.

De rosa fez-se então o rosto de D. Carolina.

- O beijo! o beijo! gritaram as juradas. Você deu sua palavra!

Ela hesitou alguns momentos... depois, aproximou-se de Augusto e, com seu sorriso feiticeiro e irresistível nos lábios, disse:

- O senhor me perdoa?...

- Não! Não! Não! - clamaram de todos os lados.

Mas a menina parecia contar com o poder de seus lábios, porque, sorrindo-se ainda do mesmo modo, tornou a perguntar com meiguice e ternura:

- Me perdoa?...

- Não! não!

- Porém, como resistir ao seu sorriso?... como dizer que não a quem pede como ela?... exclamou Augusto, entusiasmado.

D. Carolina estava, pois, perdoada.

- Agradecida! disse ela com vivo acento de gratidão e estendeu sua destra para Augusto que, não podendo ceder tudo com tão criminoso desinteresse, tomou entre as suas aquela mãozinha de querubim e fez estalar sobre ela o beijo mais gostoso que tinham até então dado seus lábios.

A manhã deste dia foi assim passada; e á tarde voltou-se aos preparativos do sarau.

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