Bonança - Murilo
Araújo
Manhã. -Raios do dia,
em meus hinos brilhai
com o tom celeste da alegria!
Oh risos, soai!
Risos, voltai como volta a ave à calmaria!
Pelo ar - cetins, no mar - cristais na luz...
E na vida - alegria!
A Alegria erra a flux
do mar, com rastros de ouro e fantasmagoria!
Oh! Olhar nas ondas movediças florações!
Cheirar o iodo e o sal das acres virações!
Escutar, em tom brando, os ventos, pelo olimpo,
como um trêmolo de violões...
ou, junto ao cais,
o marulho da vaga em notas musicais!
E eu impo de entusiasmo! impo de sonhos! impo!
Espelha - oh coração - espelha, como o olhar,
o remanso da terra, o descanso do mar
e do céu limpo!
Oh Vida, Vida - és uma jóia
às vezes! De teu mal às vezes eu me vingo,
ficando alegre como um rosal ou um domingo,
se o céu traz grande gala e a manhã no alto bóia,
se tenho, como agora, a fazer-me sorrir,
a me desentediar - a fazer-me florir -
meu bom amigo - o Sol, ou meu amigo - o Atlântico!
Que manhã de alegria!
Encobrindo-me o spleen
sinto hoje uma esperança em mim, verde e sem fim
como esse verde mar de alegoria e cântico!
Meio dia. Tremula e ondula na água a lã
da manada marinha - a espumarada vã.
Saio a vogar. Desprendo um bote e largo a amarra.
E sigo além, sem rumo - ou antes - rumo além!
Sou menino outra vez neste berço ao vai-vem
do vento e das marés, que me impelem à barra.
O sol beija-me a fronte, o mar beija-me os pés,
e eu brinco entre água e sol ao sabor das marés!
Gozo a paisagem - gozo-a com os nervos e com a vista!
Remo. Luz cada pingo em que o remo passou.
No bote a água borbulha: o respingo o molhou.
Mas olhai para a praia e o que nela se avista!
É o banho. Nadam longe uns corpos de mulher
tão lindos, que até o mar sente um tremor qualquer
à carícia auroral daquelas formas cheias!
Surgem louras no fundo azul! louras assim
como algas a enflorar o oceânico jardim!
- São banhistas, dizeis: eu digo: são sereias.
Agora olhai mais longe, acima do debrum
do horizonte: lá vão pássaros, um por um.
Como as gaivotas no ar, leves-leves revoam,
tão alvinhas ao léo!
Alvas, da água a partir,
parecem quase espuma em flocos a subir
com o vento, em flocos alvos, para o céu!
Revoam!
Inversamente - o mar se irisa de liriais,
e a espumarada lembra aves brancas e ideais
que andam nele e o coroam.
A gambiarra do sol banha-me a fronte e o mar banha-me
os pés...
E o bote se desgarra, ao sabor das marés,
ao sabor das marés, que o impelem à barra!
Noite. O céu é outro mar coalhado de faróis,
e o mar, que fosforesce é um céu cheio de sóis:
A água viva é um rebanho argênteo de lampíreos.
Noite. Lá vão, lá vêm ao largo os pescadores,
rudes heróis!
Do mar regressam vencedores,
e o mar flore onde vão fosforecentes lírios.
Noite.
Pesa o sono do mundo. Mais soturno,
escuto o coração no silêncio noturno
ansiar, se o vento cai,
ou se o mar solta um ai...!
...Mas no horizonte... lá... qualquer coisa esplendora
no espelho d'água! Olhai!
É um rosto louro? (Cora...)
É uma nau de ouro? (Alvóra)
Ah é a lua: ah sonhai!
Ei-la: Pousa no céu como um claro besouro!
Ei-la: Tudo é melhor!
Mar - oh mar-sorvedouro -
ao manso plenilúnio louro
és o decor
apenas de visões, de ilusões, de legendas,
mar - cenário onde o luar é a cortina de rendas!
Meu mestre Mar, que tens tantas rimas de cor!
Mestre cantor da lua!-
A minha história é a tua,
oh meu irmão!
Que mau destino te recua,
e afunda para sempre uma flórea região
e forma além uma ilha nua,
oh meu irmão?
E que destino afunda a minha alta ambição
para formar o abrolho da desilusão?!
... Mas, oh! crer-se feliz - eis a felicidade:
e hei de ser feliz, hei!
Vai-te embora, Saudade!
Vai-te embora, Amargura - eu já te abandonei:
Hoje, ao sol, eu sorri... Hoje é tão doce tudo!
Sei que sonhos perdi: Com esses não me iludo...
mas com um outro maior talvez me iludirei!
Sus! Findo qualquer sonho inda fica a Esperança
verde e quieta sem fim como, ao sol, a bonança -
como hoje o verde mar de canto e alegoria,
como hoje o quieto mar de rendas e legendas!
Sus! Oxalá que todo dia
em mim resplendas
como hoje resplendeste, Alegria!
Alegria!
Murilo Araújo
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