05 agosto 2022

Bonança - Murilo Araújo

 

Bonança - Murilo Araújo

 

Manhã. -Raios do dia,

em meus hinos brilhai

com o tom celeste da alegria!

Oh risos, soai!

Risos, voltai como volta a ave à calmaria!

Pelo ar - cetins, no mar - cristais na luz...

E na vida - alegria!

A Alegria erra a flux

do mar, com rastros de ouro e fantasmagoria!

Oh! Olhar nas ondas movediças florações!

Cheirar o iodo e o sal das acres virações!

Escutar, em tom brando, os ventos, pelo olimpo,

como um trêmolo de violões...

ou, junto ao cais,

o marulho da vaga em notas musicais!

E eu impo de entusiasmo! impo de sonhos! impo!

Espelha - oh coração - espelha, como o olhar,

o remanso da terra, o descanso do mar

e do céu limpo!

Oh Vida, Vida - és uma jóia

às vezes! De teu mal às vezes eu me vingo,

ficando alegre como um rosal ou um domingo,

se o céu traz grande gala e a manhã no alto bóia,

se tenho, como agora, a fazer-me sorrir,

a me desentediar - a fazer-me florir -

meu bom amigo - o Sol, ou meu amigo - o Atlântico!

Que manhã de alegria!

Encobrindo-me o spleen

sinto hoje uma esperança em mim, verde e sem fim

como esse verde mar de alegoria e cântico!

Meio dia. Tremula e ondula na água a lã

da manada marinha - a espumarada vã.

Saio a vogar. Desprendo um bote e largo a amarra.

E sigo além, sem rumo - ou antes - rumo além!

Sou menino outra vez neste berço ao vai-vem

do vento e das marés, que me impelem à barra.

O sol beija-me a fronte, o mar beija-me os pés,

e eu brinco entre água e sol ao sabor das marés!

Gozo a paisagem - gozo-a com os nervos e com a vista!

Remo. Luz cada pingo em que o remo passou.

No bote a água borbulha: o respingo o molhou.

Mas olhai para a praia e o que nela se avista!

É o banho. Nadam longe uns corpos de mulher

tão lindos, que até o mar sente um tremor qualquer

à carícia auroral daquelas formas cheias!

Surgem louras no fundo azul! louras assim

como algas a enflorar o oceânico jardim!

- São banhistas, dizeis: eu digo: são sereias.

Agora olhai mais longe, acima do debrum

do horizonte: lá vão pássaros, um por um.

Como as gaivotas no ar, leves-leves revoam,

tão alvinhas ao léo!

Alvas, da água a partir,

parecem quase espuma em flocos a subir

com o vento, em flocos alvos, para o céu!

Revoam!

Inversamente - o mar se irisa de liriais,

e a espumarada lembra aves brancas e ideais

que andam nele e o coroam.

A gambiarra do sol banha-me a fronte e o mar banha-me os pés...

E o bote se desgarra, ao sabor das marés,

ao sabor das marés, que o impelem à barra!

Noite. O céu é outro mar coalhado de faróis,

e o mar, que fosforesce é um céu cheio de sóis:

A água viva é um rebanho argênteo de lampíreos.

Noite. Lá vão, lá vêm ao largo os pescadores,

rudes heróis!

Do mar regressam vencedores,

e o mar flore onde vão fosforecentes lírios.

Noite.

Pesa o sono do mundo. Mais soturno,

escuto o coração no silêncio noturno

ansiar, se o vento cai,

ou se o mar solta um ai...!

...Mas no horizonte... lá... qualquer coisa esplendora

no espelho d'água! Olhai!

É um rosto louro? (Cora...)

É uma nau de ouro? (Alvóra)

Ah é a lua: ah sonhai!

Ei-la: Pousa no céu como um claro besouro!

Ei-la: Tudo é melhor!

Mar - oh mar-sorvedouro -

ao manso plenilúnio louro

és o decor

apenas de visões, de ilusões, de legendas,

mar - cenário onde o luar é a cortina de rendas!

Meu mestre Mar, que tens tantas rimas de cor!

Mestre cantor da lua!-

A minha história é a tua,

oh meu irmão!

Que mau destino te recua,

e afunda para sempre uma flórea região

e forma além uma ilha nua,

oh meu irmão?

E que destino afunda a minha alta ambição

para formar o abrolho da desilusão?!

... Mas, oh! crer-se feliz - eis a felicidade:

e hei de ser feliz, hei!

Vai-te embora, Saudade!

Vai-te embora, Amargura - eu já te abandonei:

Hoje, ao sol, eu sorri... Hoje é tão doce tudo!

Sei que sonhos perdi: Com esses não me iludo...

mas com um outro maior talvez me iludirei!

Sus! Findo qualquer sonho inda fica a Esperança

verde e quieta sem fim como, ao sol, a bonança -

como hoje o verde mar de canto e alegoria,

como hoje o quieto mar de rendas e legendas!

Sus! Oxalá que todo dia

em mim resplendas

como hoje resplendeste, Alegria!

Alegria!

 

Murilo Araújo

 

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