VII
Acabou-se o Evangelho, e eu tenho acabado o sermão.
Mas vejo que me estão caluniando e arguindo, porque não provei o que prometi.
Prometi fazer neste sermão um juízo dos anos que vêm, e eu não fiz mais que referir
os sucessos dos anos passados.
Mostrei a razão das profecias, as dilações da
esperança, e oportunidade do tempo o acerto dos decretos, a propriedade e
merecimento do nome, e tudo isto é história do que foi, e não prognóstico do
que há-de ser. Ora, ainda que o não pareça, eu me tenho desempenhado do que
prometi, e todo este discurso foi um prognóstico certo e um juízo infalível dos
anos que vêm Tudo o que disse, ou foram profecias cumpridas, ou benefícios
manifestos da mão de Deus: e em profecias e benefícios começados, o mesmo é
referir o passado, que prognosticar e segurar o futuro.
Partiu Cristo desterrado a Egipto, e diz o Evangelista
S. Mateus: Ut impleretur, quod dictum est per prophetam:
exAegyptovocaviFiliummeum: que aqui «se cumpriu a profecia do profeta Oseas, em
que dizia Deus, que havia de chamar e tirar do Egipto a seu Filho».
Dificultoso lugar! Argumento assim: as profecias não
se cumprem, senão quando sucedem as cousas profetizadas: Cristo não voltou do
Egipto senão daí a sete anos; logo, não se cumpriu então, nem se podia cumprir
esta profecia de Oseas. Se dissera o Evangelista, que se cumpria a profecia de
Isaías: Ecce Dominus ascendetsupernubem levem et ingredieturAegyptum, claro
estava; mas dizer, quando entrou no Egipto, que então se cumpriu a profecia de
quando saiu, que não foi senão daí a tantos anos, como
pode ser? Reparo foi este de Ruperto Abade, o qual
satisfaz à dú vida com uma razão mística; mas a literal, e que nos serve é
esta: Como as profecias, quanto à evidência, se qualificam pelos efeitos, e na
execução do que prometem têm a canonização de sua verdade; é consequência tão
infalível cumpridas as primeiras profecias haverem-se de cumprir as segundas,
que quando se mostra o cumprimento de umas, logo se podem dar por cumpridas as
outras. Por isso o Evangelista, ainda discursando humanamente, quando viu que
se cumpria a profecia de Cristo entrar no Egipto, deu logo por cumprida também
a profecia de haver de voltar para a pátria; e assim disse: Ut impleretur quod
dictum est per prophetam: que então se cumpriu o que tinha profetizado Oseas,
não quanto à execução, senão quanto à evidência; porque o cumprimento da
profecia passada, era nova e certa profecia de se cumprir a futura; que se numa
parte não faltou o efeito, como poderia faltar na outra? Muitas felicidades tem
logo que ver Portugal nos anos seguintes e muitas lhe tenho eu prognosticado
neste sermão; porque, como as mesmas profecias que prometeram o que vemos
cumprido, prometem ainda outros maiores aumentos a este Reino ou a este
Império, como elas dizem, o mesmo foi referir o desempenho felicíssimo das
profecias passadas, que prognosticar, antes segurar com firmeza o cumprimento
infalível das que estão por vir. Se as nossas profecias na parte mais dificultosa
foram profecias, na parte mais fácil, que resta, porque o não serão?
Sete cousas
profetizou o Anjo embaixador à Virgem Maria: Ecce concipies in utero,
etpariesFilium, et vocabis nomen ejusJesum. Hic eritmagnus,
etFiliusAltissimivocabitur, et dabitilli Dominus Deus sedem David Patrisejus et
regnabit in domo Jacob in aeternum, et regniejus non erit finis:
-que «conceberia; que pariria um filho;
- que lhe poria por nome Jesus;
- que seria grande;
- que se chamaria Filho de Deus;
- que Deus lhe daria o trono de David seu Pai;
- que reinaria na casa de Jacob para sempre;
- que seu Reino não teria .fim .
E destas sete profecias, vendo cumprida Santa Isabel
só a primeira, pelos efeitos dela julgou que se haviam de cumprir todas as
mais: Quoniampreficienturea, quaedicta sunt tibi a Domino. O mesmo discurso fiz
eu, e o devemos fazer todos os Portugueses, se não queremos ser hereges da boa
razão e de uma fé mais que humana, dando todos c parabém a Portugal e
chamando-lhe mil vezes feliz: Quoniamperficientur et, quaedicta sunt tibi a
Domino. Por que como se começaram a cumprir as profecias em sua restauração,
assim ás levará Deus por diante e lhes dará o
cumprimento gloriosíssimo que elas prometam. Até agora
era necessária pia afeição para dar fé às nossa; profecias mas já hoje basta o
discurso e boa razão, por que os efeitos presentes das passadas são nova
profecia dos futuros; bem assim como (para que até aqui nos não falte o
Evangelho) a imposição do nome de Jesus que hoje chamaram a Cristo – Vocatum
est nomen ejus Jesus – foi cumprimento do que estava profetizado e profecia do
que estava por cumprir. Foi cumprimento do que estava profetizado, porque
profetizado estava que se chamaria Jesus o Filho da Virgem:
PariesFiliumetvocabis nomen ejusJesum. Foi profecia do que estava por cumprir,
porque o nome de Jesus, que quer dizer Salvador, era profecia que havia de
salvar Cristo e remir o género humano: Vocabitur nomen ejus Jesus: ipse
enimsalvumfacietpopulumsuum a peccatiseorum.
Pe. Antonio Vieira
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