XIII
Antes disso, Lisa foi ter com ele, dissimulando tanto
quanto pôde a sua tristeza. Informou-o de que pretendiam levá-la para Moscovo,
antes do parto; mas que ela, receando que esse projeto desagradasse a Eugénio,
resolvera ficar e que, por nada sua alma, tinha Eugénio tanta lama, tanta fraqueza
- um amedrontava por temer não dar à luz uma criança fisicamente bem
constituída, e por isso enterneceu-o a facilidade com que ela se prestava a
sacrificar tudo ao seu amor. Na sua casa achava que tudo era bom, alegre, puro
e, no entanto, na coisa. «Mas é impossível!» dizia ele passeando no quarto, um
horror! Durante o serão pensou que, apesar da sua sincera repugnância pela
fraqueza que o subjugava e apesar da decidida intenção de lhe escapar, no dia
seguinte aconteceria a mesma coisa. «Não, é impossível» dizia ele passeando no
quarto, dum lado para o outro. «Deve existir qualquer solução para esta
miséria. Meu Deus, que devo eu fazer?»
Alguém bateu à porta duma maneira especial. Percebeu
que era o tio.
- Entre! - disse secamente.
O tio vinha como emissário, mas espontaneamente,
falar-lhe de Lisa.
- Tenho ultimamente observado em ti uma certa mudança
e compreendo que certamente isso há-de afligir a tua mulher. É certo que te
será aborrecido teres de abandonar a empresa em que te meteste, mas hás-de ter
paciência. Eu penso que deverias sair daqui com ela.
Ambos ficariam mais sossegados. Não achava mal que
fossem até à Crimeia: o clima é esplêndido, há lá um afamado parteiro e vocês
chegariam justamente na época das chuvas.
- Tio - disse emocionado Eugénio - posso confiar-lhe
um segredo, um segredo horrível, vergonhoso mesmo?
- Então desconfias de teu tio?
- O tio pode auxiliar-me! E não apenas isso, mas
salvar-me até - disse Eugénio. E a ideia de se abrir com o parente, que aliás
não estimava, o pensamento de se lhe apresentar sob o aspecto mais miserável
agradava-lhe. Reconhecia-se fraco, culpado, e queria, portanto, castigar-se,
punir-se de todos os seus pecados.
- Podes falar, Eugénio: bem sabes como sou teu amigo -
segredou-lhe visivelmente
lisonjeado por descobrir um segredo, um segredo
escandaloso de que seria confidente, além de que poderia ser útil ao sobrinho.
- Antes de mais nada, quero dizer-lhe que sou um
canalha.
- Que estás para aí a dizer?
- Que estás para aí a dizer?
- Como é que não hei-de considerar-me um criminoso, se
eu, marido de Lisa, cuja pureza e cuja afeição por mim são indiscutíveis, se eu
quero enganá-la com uma camponesa?
- Que dizes? Por enquanto, queres... Mas ainda não a
atraiçoaste? Não é assim?
- Para o caso, é a mesma coisa. Se a não atraiçoei,
não foi porque não fizesse esforços nesse sentido. As circunstâncias é que o
proporcionaram.
- Mas, vamos lá a saber do que se trata.
- Oiça: quando solteiro, caí na asneira de manter
relações com uma mulher cá da terra.
Encontravamo-nos no bosque...
- E que tal? Era bonita? - perguntou o tio.
A essa pergunta, Eugénio franziu as sobrancelhas, mas
fingindo não ouvir, continuou nervosamente.
- Realmente, eu pensei que daí nenhum mal resultaria
para mim; que, depois de a deixar, tudo estava terminado. E, assim, cortei
relações com ela antes do meu casamento, e
durante, quase um ano não a vi, nem nela tornei a
pensar. Mas, de súbito, não sei como nem por quê, voltei a vê-la e senti-me
novamente preso dos seus encantos. Chego a revoltar-me contra mim próprio,
compreendo todo o horror do meu procedimento, quero dizer, do ato que estou
pronto a praticar na primeira ocasião, e, apesar de reconhecer tudo isso,
continuo a procurar essa ocasião, e até ao presente só Deus me tem livrado de
assim proceder. Ontem ia encontrar-me com ela quando Lisa me chamou.
- Com aquela chuva?
- Sim... Estou cansado, tio, e resolvi confessar-lhe
tudo e pedir-lhe que me ajude. O tio pode ajudar-me.
- Efetivamente, aqui reparam muito nessas coisas. Mais
dia menos dia saberão tudo, se o não, sabem já. Compreendo que Lisa, fraca como
é, precisa de ser poupada...
Eugénio simulou mais uma vez não o ouvir, para chegar
ao fi da sua narrativa.
- Peço-lhe que me ajude. Hoje foi o acaso que me
impediu de cair, mas agora também ela sabe... Não me deixe só.
- Está bem, disse o tio. Mas estás assim tão
apaixonado?
- Oh! Não é bem isso. É uma força qualquer que me
prende, me domina. Não sei o que heide fazer. É possível que quando me sentir
com mais coragem...
- Bem, a única ajuda que posso dar-te é esta: irmos
todos para a Crimeia! Que te parece?
- É uma solução que me agrada - respondeu Eugénio, -
mas não vamos já, por hora ficarei aqui com o tio a conversar um pouco.
Barros Vital
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