XI
Eugénio passava a maior parte do tempo junto da
mulher. Tratava-a, conversava com ela, lia-lhe qualquer coisa e até suportava,
sem enfado, Bárbara Alexievna, chegando mesmo a gracejar com ela. Mas não podia
estar sempre em casa. Lisa mandava-o embora, receando que a sua permanência ali
o aborrecesse, e ainda porque a propriedade necessitava constantemente da sua
presença. Não podia estar sempre em casa. E Eugénio lá partiu, percorrendo os
campos, o bosque, o jardim, o pomar; por toda a parte o perseguia a lembrança e
a imagem de Stepanida; só raramente conseguia esquecê-la. Mas isso era o menos,
porque talvez pudesse vencer esse sentimento: o pior é que dantes passava meses
sem a ver e agora encontrava-a a cada passo. Stepanida compreendera, sem
dúvida, que ele desejava reatar as antigas relações e procurava
atravessar-se-lhe no caminho. Mas, como nada tinham combinado, não havia
entrevistas.
Fazia apenas o possível para se encontrar com ele,
como que por acaso.
O melhor lugar para tal era o bosque, onde as mulheres
iam buscar sacos de erva para as vacas. Eugénio sabia disto e todos os dias
passava por esses sítios. E todos os dias resolvia não voltar lá. Mas não
passava um dia sem lá ir. Quando ouvia vozes, parava, com o coração a palpitar.
Escondia-se atrás de uma moita, para ver se era Stepanida... Se fosse ela,
ainda que estivesse só, não iria ao seu encontro, pensava ele. - Não,
fugir-lhe-ia, mas tinha
necessidade de a ver. Sim, tinha.
Uma vez encontrou-a. Ia a entrar no bosque quando ela
saía com outras mulheres, levando um grande saco de erva às costas. Se tivesse
vindo um instante mais cedo, talvez a tivesse encontrado no bosque; agora,
porém, diante das outras mulheres, não poderia ir ter com ela.
Apesar disso, correndo o risco de chamar a atenção das
companheiras, Eugénio conservou-se atrás dum massiço de aveleiras. Como era
natural, ela não apareceu e ele ali ficou por muito tempo. Meu Deus! com que
atrativos ele a revia na sua imaginação! E não era uma vez, eram muitas, muitas
vezes, cada vez mais viva e real... Nunca lhe parecera tão sedutora e nunca a
possuira tão completamente.
Sentia que já não era bem senhor de si; aquilo
enlouquecia-o. No entanto, não deixava de ser severo consigo próprio;
compreendia a monstruosidade dos seus desejos e até dos seus atos. Sabia que,
se a encontrasse em qualquer parte, num lugar escuro, bastaria tocar-lhe para
que a sua paixão o empolgasse. Sabia que só se continha por vergonha dos
outros, dela e talvez de si. E sabia que procurava forma de ocultar essa
vergonha e pensava num lugar escuro ou num contato que viesse saciar-lhe a
paixão.
Considerava-se, assim, um miserável, um criminoso,
desprezava-se e abominava-se, indignado. E detestava-se por não ter cedido.
Rogava a Deus diariamente que o fortalecesse, que o livrasse da perdição.
Resolvia diariamente não dar mais um passo, nunca mais a fitar, esquecê-la;
imaginava diariamente todos os meios de se libertar dessa obsessão e punha-os
em prática. Mas tudo era em vão.
Um dos meios consistia em ocupar o seu espírito com
qualquer outra ideia: outro era o trabalho físico e o jejum; um terceiro, a
reflexão da vergonha que sobre ele cairia quando toda a gente, a mulher e a
sogra viessem a saber. Fazia tudo isto e supunha dominar-se, mas, quando
chegava ao meio-dia, a hora das antigas entrevistas, a hora em que costumava
encontrá-la com o saco da erva, corria para o bosque só para a ver.
Assim passaram cinco penosos dias. Só a via de longe;
nunca se aproximava dela.
Barros Vital
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