05 agosto 2022

XI - A Tortura da Carne

 

XI

 

Eugénio passava a maior parte do tempo junto da mulher. Tratava-a, conversava com ela, lia-lhe qualquer coisa e até suportava, sem enfado, Bárbara Alexievna, chegando mesmo a gracejar com ela. Mas não podia estar sempre em casa. Lisa mandava-o embora, receando que a sua permanência ali o aborrecesse, e ainda porque a propriedade necessitava constantemente da sua presença. Não podia estar sempre em casa. E Eugénio lá partiu, percorrendo os campos, o bosque, o jardim, o pomar; por toda a parte o perseguia a lembrança e a imagem de Stepanida; só raramente conseguia esquecê-la. Mas isso era o menos, porque talvez pudesse vencer esse sentimento: o pior é que dantes passava meses sem a ver e agora encontrava-a a cada passo. Stepanida compreendera, sem dúvida, que ele desejava reatar as antigas relações e procurava atravessar-se-lhe no caminho. Mas, como nada tinham combinado, não havia entrevistas.

Fazia apenas o possível para se encontrar com ele, como que por acaso.

O melhor lugar para tal era o bosque, onde as mulheres iam buscar sacos de erva para as vacas. Eugénio sabia disto e todos os dias passava por esses sítios. E todos os dias resolvia não voltar lá. Mas não passava um dia sem lá ir. Quando ouvia vozes, parava, com o coração a palpitar. Escondia-se atrás de uma moita, para ver se era Stepanida... Se fosse ela, ainda que estivesse só, não iria ao seu encontro, pensava ele. - Não, fugir-lhe-ia, mas tinha

necessidade de a ver. Sim, tinha.

Uma vez encontrou-a. Ia a entrar no bosque quando ela saía com outras mulheres, levando um grande saco de erva às costas. Se tivesse vindo um instante mais cedo, talvez a tivesse encontrado no bosque; agora, porém, diante das outras mulheres, não poderia ir ter com ela.

Apesar disso, correndo o risco de chamar a atenção das companheiras, Eugénio conservou-se atrás dum massiço de aveleiras. Como era natural, ela não apareceu e ele ali ficou por muito tempo. Meu Deus! com que atrativos ele a revia na sua imaginação! E não era uma vez, eram muitas, muitas vezes, cada vez mais viva e real... Nunca lhe parecera tão sedutora e nunca a possuira tão completamente.

Sentia que já não era bem senhor de si; aquilo enlouquecia-o. No entanto, não deixava de ser severo consigo próprio; compreendia a monstruosidade dos seus desejos e até dos seus atos. Sabia que, se a encontrasse em qualquer parte, num lugar escuro, bastaria tocar-lhe para que a sua paixão o empolgasse. Sabia que só se continha por vergonha dos outros, dela e talvez de si. E sabia que procurava forma de ocultar essa vergonha e pensava num lugar escuro ou num contato que viesse saciar-lhe a paixão.

Considerava-se, assim, um miserável, um criminoso, desprezava-se e abominava-se, indignado. E detestava-se por não ter cedido. Rogava a Deus diariamente que o fortalecesse, que o livrasse da perdição. Resolvia diariamente não dar mais um passo, nunca mais a fitar, esquecê-la; imaginava diariamente todos os meios de se libertar dessa obsessão e punha-os em prática. Mas tudo era em vão.

Um dos meios consistia em ocupar o seu espírito com qualquer outra ideia: outro era o trabalho físico e o jejum; um terceiro, a reflexão da vergonha que sobre ele cairia quando toda a gente, a mulher e a sogra viessem a saber. Fazia tudo isto e supunha dominar-se, mas, quando chegava ao meio-dia, a hora das antigas entrevistas, a hora em que costumava encontrá-la com o saco da erva, corria para o bosque só para a ver.

Assim passaram cinco penosos dias. Só a via de longe; nunca se aproximava dela.

 

Barros Vital

Nenhum comentário:

Postar um comentário