VI
Durante o primeiro ano de casado, Eugénio teve de
vencer inúmeras dificuldades económicas. Primeiro, viu-se obrigado a vender uma
parte da propriedade a fim de satisfazer alguns compromissos mais urgentes; e
depois outros surgiram e ele ficou quase sem dinheiro. A propriedade ia dando
bom rendimento, mas era preciso mandar uma parte ao irmão e isso impedia-o de
continuar com a laboração da refinaria. O único meio de sair de tal embaraço
era lançar mão dos bens de sua esposa. Lisa, compreendendo a situação do
marido, exigiu que ele fizesse uso do seu dote; Eugénio concordou, desde que
metade da herdade ficasse registada em seu nome. Assim se fez, não por vontade
da mulher, mas para que fosse dada uma satisfação a sua mãe.
Depois, sete meses após o casamento, Lisa sofreu um
desastre. Saíra de carro ao encontro do marido que regressava da cidade. O
cavalo, apesar de ser manso, espantou-se. Lisa, cheia de medo, atirou-se do
carro abaixo. A queda não foi grande mas, como estava grávida, abortou.
A perda do filho tão desejado, a doença da mulher e as
dificuldades financeiras, tudo acrescido da presença da sogra, que acorreu a
tratar da filha, contribuíram para que esse primeiro ano de casado fosse
extremamente difícil para Eugénio.
Contudo essas dificuldades não o fizeram desanimar,
pois verificava que o sistema do avô, por ele adoptado, ia dando resultado.
Então, felizmente, já não existia o perigo de se ver obrigado a vender toda a
propriedade para pagar as dívidas. A parte principal, agora em nome da mulher,
estava salva e com uma excelente colheita de beterraba, vendida a bom preço,
estaria assegurada a situação do ano seguinte.
Além disso encontrara na mulher aquilo que nunca
esperara. Com efeito, Lisa ultrapassara toda a sua expectativa. Não se tratava
da sua ternura, do seu entusiasmo amoroso. Mais do que tudo isso, Lisa
convencera-se, logo a seguir ao casamento, de que, de todos os homens
existentes no universo, o melhor era Eugénio Irtenieff. O melhor e o mais
inteligente, o mais puro e o mais nobre.
Por conseguinte, o dever de todos era fazerem o
possível para lhe serem agradáveis; como, todavia, não podia obrigar os
estranhos a cumprir tal dever, a ela se impunha a necessidade de dirigir nesse
sentido todas as suas forças. Assim foi. Aplicou toda a sua boa vontade em lhe
adivinhar os gostos e os desejos, procurando satisfazê-los por mais
dificuldades que para tal encontrasse. Graças ao seu amor pelo marido, sabia
ler-lhe na alma. Compreendia, talvez, melhor do que ele o seu espírito e
tratava de agir em conformidade com os sentimentos que ele traduzia, procurando
adoçar-lhe desagradáveis impressões. Quase lhe adivinhava os próprios
pensamentos. As coisas até então mais estranhas para ele, como os trabalhos
agrícolas, a refinaria, a apreciação das pessoas, tornavam-se para ela, de
repente, acessíveis e transformara-se numa companheira útil, insubstituível.
Amava a mãe, mas, percebendo que a sua intromissão na vida do casal era
desagradável a Eugénio, tomou logo o partido do marido, e tão resolutamente que
ele se viu na necessidade de lhe recomendar moderação.
Possuía ainda, em grande dose, o bom gosto, o tacto
administrativo e era dócil. A tudo imprimia um cunho de elegância, e de ordem.
Lisa compreendera qual era o ideal do marido e esforçava-se por atingi-lo.
Só um desgosto escurecia a sua felicidade conjugal:
não tinham filhos. No inverno, porém, foram a S. Petersburgo consultar um
especialista, que lhes afirmou ter Lisa muito boa saúde e ser possível verem,
dentro em pouco, os seus desejos realizados.
Com efeito, no fim do ano, Lisa estava grávida
novamente.
Barros Vital
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