I
Eugénio Irtenieff tinha razões para aspirar a uma
carreira brilhante. Para tal nada lhe faltava, a sua educação fora muito
cuidada; terminara com brilho os estudos na Faculdade de Direito de S.
Petersburgo e, por intermédio do pai, falecido havia pouco, conseguira as melhores
relações na alta sociedade. Basta dizer-se que entrara para o Ministério pela
mão do próprio Ministro. Possuía também uma avultada fortuna, embora esta já
estivesse comprometida. O pai vivera no estrangeiro e em S. Petersburgo e dava
a cada um dos seus filhos, Eugénio e André, uma pensão anual de seis mil
rublos, e ele e a mulher de nada se privavam, gastavam à larga. No verão,
passava dois meses no campo, mas não administrava diretamente as suas
propriedades, confiando tal encargo a um encarregado que por sua vez, embora
este fosse pessoa da sua inteira confiança, deixava andar tudo ao Deus dará.
Por morte do pai, quando os dois irmãos resolveram
liquidar a herança, apareceram tantas dívidas que o advogado aconselhou-os a
ficarem apenas com uma propriedade da avó, que fora avaliada em cem mil rublos,
e desistirem do restante. Mas um vizinho da herdade, igualmente proprietário,
que tivera negócios com o velho Irtenieff, veio a S. Petersburgo
propositadamente para apresentar uma letra aceite por este - e fez-lhes saber
que, apesar das grandes dívidas, poderiam chegar a acordo com ele e ainda
refariam grande parte da fortuna. Para tal, bastava que vendessem a madeira,
alguns bocados de terreno bravio e conservassem o melhor, isto é, a propriedade
de Semionovskoié, uma verdadeira mina de oiro, com as suas quatro mil geiras de
terra, duzentas das quais de belos pastos, e a refinaria. Afirmou ainda que,
para tal se arranjar, era indispensável que uma pessoa enérgica se entregasse
de corpo e alma a essa tarefa instalando-se no campo para administrar a herdade
inteligente e economizante.
O pai morrera na altura da quaresma e na primavera,
Eugénio, foi à propriedade; depois duma inspecção minuciosa, resolveu pedir a
sua demissão de oficial do exército e fixar lá residência com a mãe, a fim de
dar execução às sugestões do vizinho. Mas antes disso, contratou o seguinte com
o irmão: pagar-lhe anualmente quatro mil rublos, ou entregar-lhe duma vez só
oitenta mil, com o que ficariam saldadas as suas contas.
Eugénio, logo que se instalou com a mãe na velha casa,
atirou-se com coragem e prudência à revalorização das terras. Pensa-se, em
geral, que os velhos são conservadores impenitentes e que, pelo contrário, os
novos tendem mais para as modificações. Mas não é bem assim! Às vezes, mais
conservadores são os novos que desejam viver e não têm tempo de pensar na
maneira como devem fazê-lo, por isso se entregam à vida tal como ela é.
Contudo não era este o caso de Eugénio. Agora, que
vivia no campo, o seu sonho, o seu ideal máximo, era restabelecer, não o modo
de vida do pai, que fora um mau administrador, mas sim as medidas adoptadas
pelo avô. Em casa, no jardim, em toda a parte, procurava ressuscitar o método
de então, para sentir em redor a alegria de todos, o bem-estar e a ordem. Em
casa, no jardim, em toda a parte. Era preciso ir de encontro às exigências dos
credores e dos bancos e, para tal, procurava vender terras e adiar
pagamentos... Depois, era forçoso arranjar dinheiro para as culturas, por
administração direta servindo-se dos próprios criados no amanho da imensa
propriedade de Semionovskoié, com as suas quatrocentas geiras de terreno de
cultivo e a sua refinaria. Impunha-se que a casa e o parque não tivessem o
aspecto de abandono e ruína. A tarefa parecia exaustiva mas a Eugénio não
faltava força de vontade. Tinha vinte e seis anos, era de estatura mediana,
robusto e sanguíneo, tinha os músculos desenvolvidos pelo exercício, as faces
rosadas, os dentes fortes, os cabelos anelados apesar de pouco espessos. O seu
único defeito era a miopia, agravada pelo uso dos óculos, que não podia deixar.
Era uma destas pessoas que, quanto mais as conhecemos,
mais delas gostamos. A mãe sempre manifestara por ele uma exagerada preferência
e, depois da morte do marido, sentiu que aumentava a sua ternura pelo filho,
como se nele encontrasse toda a sua vida. E não era só a mãe que o amava.
Também os companheiros do liceu e da universidade lhe dedicavam uma grande
estima. O mesmo acontecia com os estranhos. Ninguém tinha coragem de pôr
em dúvida uma afirmação sua, ninguém o supunha capaz
de mentir, tão sincera era a sua expressão, tão francos eram os seus olhos.
A sua figura em muito o ajudava nos negócios. Os
credores tinham confiança nele e concediam-lhe, muitas vezes, aquilo que negavam
a outros. Um camponês ou um staroste, capazes de cometer a maior vilania, não
ousavam enganá-lo, porque lhes era agradável entabular relações com um homem
tão bondoso e, sobretudo, tão franco, tão leal.
Era nos fins de Maio. Bem ou mal, Eugénio conseguira
resgatar as hipotecas das suas terras incultas, que foram vendidas a um
negociante, que ainda por cima, lhe emprestou dinheiro para comprar o gado e as
alfaias agrícolas de que necessitava. Havia já trabalhadores nas dependências
da quinta e comprara oitenta carros de adubo. No entanto, reconhecia que,
apesar de toda a prudência e boa vontade, qualquer descuido poderia
desmoronar-lhe o pouco sólido castelo da vida
Barros Vital
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