VII - Ictismo
1. Introdução
Acidentes humanos provocados por peixes marinhos ou
fluviais são denominados de ictismo. Algumas espécies provocam acidentes por
ingestão (acidente passivo), enquanto outras por ferroadas ou mordeduras
(acidente ativo). Os acidentes ativos ocorrem quando a vítima invade o meio
ambiente destes animais ou no seu manuseio.
Na Amazônia existem ainda peixes que produzem descarga
elétrica e outros que penetram em orifícios naturais dos banhistas.
2. Ações do veneno
Pouco se conhece sobre os órgãos produtores e os
venenos dos peixes brasileiros.
Os acidentes acantotóxicos
(arraias, por exemplo) são de
caráter necrosante e a dor é o sintoma proeminente.
O veneno das arraias é composto de polipeptídeos de
alto peso molecular. Em sua composição já foram identificadas a serotonina, a
fosfodiesterase e a 5-nucleotidase. É um veneno termolábil que ocorre na
maioria desse grupo.
Os acidentes sarcotóxicos
ocorrem por ingestão de peixes e
frutos do mar. Os baiacus (Tetrodontidae) produzem tetrodontoxina, potente bloqueador
neuromuscular que pode conduzir a vítima à paralisia consciente e óbito por
falência respiratória. Peixes que se
alimentam do dinoflagelado Gambierdiscus
toxicus podem ter acúmulo progressivo de ciguatoxina
nos tecidos, provocando o quadro denominado ciguatera
(neurotoxicidade).
Acidentes escombróticos acontecem quando bactérias
provocam descarboxilação da histidina na carne de peixes malconservados,
produzindo a toxina saurina, capaz de liberar histamina em seres humanos.
Acúmulo de metil-mercúrio em peixes pescados em águas
contaminadas podem produzir quadros neurológicos em humanos, quando houver
ingestão crônica.
3. Formas de ictismo
Os acidentes por peixes podem se apresentar de acordo
com a tabela 7.
Os peixes acantotóxicos possuem espinhos ou ferrões pontiagudos
e retrosserrilhados (fig. 68), envolvidos por bainha de tegumento sob a qual
estão as glândulas de veneno existentes nas nadadeiras dorsais, peitorais ou na
cauda, com exceção do niquim, cujas glândulas estão na base dos ferrões.
Os peixes venenosos ou sarcotóxicos são todos aqueles
que, uma vez ingeridos, causam acidentes por conter toxinas na pele, músculos,
vísceras e gônadas. As intoxicações mais encontradas são: tetrodontóxico,
ciguatóxico e escombrótico. As suas toxinas são termoestáveis.
O acidente tetrodontóxico é causado por peixes da
família Tetraodontidae, popularmente conhecidos por baiacus (Colomesus psittacus, Lagocephalus laevigatus,
Diodon hystrix, etc.). Algumas espécies de
baiacu são usadas na alimentação mas o seu preparo deve ser feito por pessoa
habilitada com a retirada das partes tóxicas.
Os acidentes ciguatóxicos, também chamados de ciguatera,
ocorrem principalmente no Oceano Pacífico e são
causados por peixes comestíveis como: garoupa (Cephalopholis argus), barracuda (Sphyraena
barracuda), bicuda (Sphyraena picudilla), etc., contaminados pela ciguatoxina.
A ingestão de peixes contaminados por metil-mercúrio
leva à doença denominada de Minamata. Peixes inadequadamente conservados podem causar o quadro denominado acidente escombrótico.
Os acidentes traumáticos ou vulnerantes são causados
por dentes, rostros e acúleos sem ligação com glândulas de veneno, determinando
na superfície do corpo humano soluções de continuidade, de extensão e
profundidade variáveis.
Entre eles, temos: espadarte (Xiphias gladius),
piranhas (fam. Serrasalmidae) e tubarões. Os candirus (Vandellia cirrhosa) são peixes pequenos e que podem penetrar em qualquer
orifício natural de banhistas nos rios da Amazônia, produzindo acidente
traumático.
Os acidentes por descarga elétrica são provocados por
contato com peixes que possuem órgãos capazes de produzir eletricidade. Entre
eles, estão o poraquê (Electrophorus
electricus) e a arraia treme-treme (Narcine brasiliensis).
4. Quadro clínico
4.1. Acantotóxico
No acidente por peixe peçonhento ou acantotóxico pode
haver um ferimento puntiforme ou lacerante acompanhado
por dor imediata e intensa no início, durando horas ou
dias. O eritema e edema são regionais, em alguns casos acomete
todo o membro atingido (fig. 69). Nos casos graves
segue-se linfangite, reação ganglionar, abscedação e necrose dos
tecidos no local do ferimento (fig. 70). As lesões,
quando não tratadas, podem apresentar infeção bacteriana secundária, levando
semanas para curar e deixando cicatrizes indeléveis. Podem ocorrer
manifestações gerais como: fraqueza, sudorese, náuseas, vômitos, vertigens,
hipotensão, choque e até óbito.
4.2. Vulnerante ou traumatogênico
É o acidente causado por ferroadas ou mordeduras de
peixes não peçonhentos. O sintoma principal é dor no local
do ferimento, que pode ser puntiforme ou lacerante,
acompanhados por sangramento local. Dependendo do local e extensão do trauma,
pode ocorrer óbito.
4.3. Sarcotóxicos
Os acidentes denominados de ciguatera e o
tetrodontóxico produzem manifestações neurológicas e gastrintestinais.
A sintomatologia neurológica é a primeira a aparecer.
Em poucas horas o paciente queixa-se de sensação de formigamento da face,
lábios, dedos das mãos e pés, fraqueza muscular, mialgias, vertigens, insônia,
dificuldade de marcha e distúrbios visuais. Com o agravamento das manifestações
nervosas, aparecem convulsões, dispnéia, parada respiratória e morte, que pode ocorrer nas
primeiras 24 horas.
A sintomatologia gastrintestinal instala-se em seguida
ao início das manifestações neurológicas e é caracterizada por náuseas,
vômitos, dores abdominais e diarréia.
A recuperação clínica do envenenamento por peixes pode
se estender de semanas a meses.
4.4. Escombróticos
Nos acidentes escombróticos, a sintomatologia
assemelha-se muito à intoxicação causada pela histamina. Nesse caso, estão
presentes cefaléia, náuseas, vômitos, urticária, rubor facial, prurido e edema
de lábios.
4.5. Intoxicação mercurial
A ingestão continuada de peixes contaminados por
metil-mercúrio pode levar à doença de Minamata, de alterações principalmente
neurotóxicas, com distúrbios sensoriais das extremidades e periorais,
incoordenação motora, disartrias,
tremores, diminuição do campo visual e auditivo,
salivação, etc.
5. Complicações
Nos acidentes traumatogênicos e acantotóxicos, as
complicações são: abscessos, úlceras de difícil cicatrização,
infecções bacterianas secundárias, inclusive gangrena
gasosa e tétano. Podem provocar amputações de segmentos do corpo.
6. Exames complementares
Não existem exames específicos para os acidentes
causados por peixes.
7. Tratamento
No Brasil, não existe antiveneno para o tratamento dos
acidentes causados por peixes.
Acidente traumatogênico ou acantotóxico: o tratamento deve objetivar o alívio da dor, o
combate dos efeitos do veneno e a prevenção de infecção secundária.
O ferimento deve ser prontamente lavado com água ou
solução fisiológica. Em seguida, imergir em água quente (temperatura suportável
entre 30 a 45 graus) ou colocar sobre a parte ferida compressa morna durante 30
ou 60 minutos. Esta tem por finalidade produzir o alívio da dor e neutralizar o
veneno que é termolábil. Fazer o bloqueio local
com lidocaína a 2% sem vasoconstritor visando não só tratar a dor como a
remoção de epitélio do peixe e outros corpos estranhos. Deve-se deixar dreno e
indicar corretamente a profilaxia do tétano, antibióticos e analgésicos, quando
necessário.
Acidente por ingestão de peixes tóxicos: o tratamento é de suporte. Podem ser indicadas, como
medidas imediatas, lavagem gástrica e laxante. Insuficiência respiratória e o
choque devem ser tratados com medidas convencionais.
Nos acidentes escombróticos está indicado o uso de
anti-histamínico.
8. Prognóstico
Nos acidentes acantotóxicos e traumatogênicos o
prognóstico, de um modo geral, é favorável, mesmo nos casos com demora da
cicatrização, com exceção dos acidentes provocados por arraias e peixes
escorpião, cujo prognóstico pode ser desfavorável. Nos acidentes tetrodontóxico
e ciguatóxico o prognóstico é reservado e a taxa de letalidade pode ultrapassar
50% e 12%, respectivamente. Nos acidentes escombróticos o prognóstico é bom.
Fonte: FUNASA.
Bombeiroswaldo...
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