V - Acidentes por Lepidópteros
1. Introdução
Os acidentes causados por insetos pertencentes à ordem Lepidóptera,
tanto na forma larvária como na adulta, dividem-se em:
1.1. Dermatite urticante
a) causada por contato com lagartas urticantes de
vários gêneros de lepidópteros;
b) provocada pelo contato com cerdas da mariposa Hylesia sp.
1.2. Periartrite falangeana por pararama
1.3. Síndrome hemorrágica por Lonomia sp
2. Epidemiologia
Os acidentes por lepidópteros têm sido, de modo geral, subnotificados,
o que dificulta seu real dimensionamento.
Em virtude das particularidades apresentadas pelos três
tipos de agravo, alguns aspectos epidemiológicos serão abordados nos tópicos
específicos.
3. Lepidópteros de importância médica
A Ordem Lepidóptera
conta com mais de 150.000
espécies, sendo que somente algumas são de interesse médico no Brasil.
3.1. Morfologia
Formas larvárias
A quase totalidade dos acidentes com lepidópteros
decorre do contato com lagartas, recebendo esse tipo de acidente a denominação
de erucismo (erucae
= larva), onde a lagarta é também conhecida por taturana ou
tatarana, denominação tupi que significa semelhante a fogo (tata =
fogo, rana = semelhante).
As principais famílias de lepidópteros causadoras de
erucismo são Megalopygidae, Saturniidae e
Arctiidae.
Família megalopygidae
Os megalopigídeos são popularmente conhecidos por sauí, lagarta-de-fogo, chapéu-armado, taturanagatinho, taturana-de-flanela (fig. 53).
Apresentam dois tipos de cerdas: as verdadeiras, que são
pontiagudas contendo as glândulas basais de veneno; e cerdas mais longas, coloridas e inofensivas.
As lagartas de saturnídeos apresentam “espinhos” ramificados e pontiagudos de aspecto arbóreo, com glândulas de veneno nos ápices. Apresentam tonalidades esverdeadas, exibindo no dorso e laterais, manchas e listras, características de gêneros e espécies (fig. 54). Muitas vezes mimetizam as plantas que habitam.
Nesta família se incluem as lagartas do gênero Lonomia sp (fig. 55 e 56), causadoras de síndrome hemorrágica. São popularmente conhecidas por orugas ou rugas (Sul do Brasil), beijus-de-tapuru-de-seringueira (norte do Brasil).
Família arctiidae
Nesta família se incluem as lagartas Premolis semirufa (fig. 57), causadoras da pararamose.
Formas adultas (mariposas-da-coceira)
Somente as fêmeas adultas do gênero Hylesia sp (Saturniidae) (fig. 58) apresentam cerdas no abdome que, em contato com a pele, causam dermatite papulopruriginosa.
3.2. Biologia
O ciclo biológico dos lepidópteros apresenta quatro
fases distintas: ovo, larva, pupa e adulto.
Em Lonomia
sp foram observados os seguintes
períodos:
a) ovo - 30 dias de período embrionário;
b) larva - encontrada nos troncos das árvores, alimentando-se de
folhas, esta estapa dura 59 dias;
c) pupa - permanece em dormência no solo por períodos de 45
dias;
d) adultos - vive cerca de 15 dias. Após o acasalamento ocorre a
oviposição.
As lagartas alimentam-se de folhas, principalmente de
árvores e arbustos. Os megalopigídeos são solitários, enquanto os
saturnídeos apresentam hábitos gregários.
Dermatite urticante causada por contato com lagartas de
vários gêneros
1. Introdução
Acidente extremamente comum em todo o Brasil, resulta
do contato da pele com lagartas urticantes sendo, em geral, de curso agudo e
evolução benigna. Fazem exceção os acidentes com Lonomia sp.
Dados das regiões Sul e Sudeste indicam que existe uma
sazonalidade na ocorrência desses acidentes, que se expressa mais nos meses quentes, relacionada
possivelmente ao ciclo biológico do agente.
2. Ações do veneno
Não se conhece exatamente como agem os venenos das
lagartas. Atribui-se ação aos líquidos da hemolinfa e da secreção das
espículas, tendo a histamina como principal componente estudado até o momento.
3. Quadro clínico
As manifestações são predominantemente do tipo
dermatológico, dependendo da intensidade e extensão do contato.
Inicialmente, há dor local intensa, edema, eritema e,
eventualmente, prurido local (fig. 59). Existe infartamento ganglionar regional
característico e doloroso. Nas primeiras 24 horas, a lesão pode evoluir com
vesiculação e, mais raramente, com formação de bolhas e necrose na área do
contato.
4. Complicações
O quadro local apresenta boa evolução, regredindo no
máximo em dois-três dias sem maiores complicações ou seqüelas.
5. Tratamento
• lavagem da região com água fria;
• infiltração local com anestésico tipo lidocaína a 2%;
• compressas frias;
• elevação do membro acometido;
• corticosteróides tópicos;
• anti-histamínico oral.
Por causa da possibilidade de se tratar de acidente
hemorrágico por Lonomia sp, todo o paciente que não trouxer a lagarta para
identificação deve ser orientado para retorno, no caso de apresentar
sangramentos até 48 horas
após o contato.
Dermatite urticante provocada por contato com mariposa Hylesia sp
1. Introdução
Fêmeas de mariposas de Hylesia sp têm
causado surtos de dermatite papulopruriginosa. As mariposas, atraídas pela luz,
invadem os domicílios e, ao se debaterem, liberam no ambiente as espículas que,
atingindo a superfície cutânea, podem causar quadros de dermatite aguda.
O contato com cerdas tóxicas de mariposas do gênero Hylesia ocasionou
surtos de dermatite urticante inicialmente descritos no estado do Amapá. A
partir da década de 1980, relatos ocasionais vêm sendo feitos em Minas Gerais,
São Paulo e Paraná.
2. Ações do veneno
Além do trauma mecânico provocado pela introdução das
espículas, postula-se a presença de fatores tóxicos que, até agora,
praticamente não foram estudados.
3. Quadro clínico
Lesões papulopruriginosas acometendo áreas expostas da
pele são observadas cerca de poucas horas após o contato com as cerdas (fig.
60). Acompanhadas de intenso prurido, as lesões evoluem para cura em períodos
variáveis de sete a 14 dias após o início dos primeiros sintomas.
4. Tratamento
O uso de anti-histamínicos, por via oral, está indicado
para o controle do prurido, além de tratamento tópico com compressas frias,
banhos de amido e, eventualmente, cremes à base de corticosteróides.
Periartrite falangeana por contato com pararama
1. Introdução
A pararamose ou reumatismo dos seringueiros é uma forma
de erucismo que ocorre em seringais cultivados. É causada pela larva da
mariposa Premolis semirufa, vulgarmente chamada pararama.
Os acidentes com a pararama, até o presente, parecem restritos à Amazônia, mais particularmente
aos seringais cultivados no estado do Pará. Ocorrem durante todo o ano, com
discreta redução nos meses de novembro a janeiro, época menos favorável à
extração do látex.
As vítimas, em quase sua totalidade, são homens que se
acidentam durante o trabalho de coleta da seiva das seringueiras. Mais de 90%
dos acidentes comprometem as mãos, sendo a direita a mais atingida. O dedo
médio é o mais lesado e a terceira articulação interfalangeana a mais
comprometida.
Diferindo do modelo usual de acidente agudo e
transitório, a pararama determina, em alguns indivíduos, lesões crônicas que
comprometem as articulações falangeanas, levando a deformidades com
incapacidade funcional.
2. Ações do veneno
A reação granulomatosa e conseqüente fibrose do tecido
cartilaginoso e bainhas do periósteo têm sido relacionadas,
em modelos experimentais, à ação mecânica das cerdas
nestes tecidos e/ou à existência de secreções protéicas no
interior dessas cerdas.
3. Quadro clínico
Os sintomas imediatos caracterizam-se por prurido, dor
e sensação de queimadura, seguidos de rubor e tumefação.
Este quadro poderá perdurar por horas ou poucos dias,
regredindo no curso de uma semana, na maioria dos casos.
Para alguns acidentados, persiste o edema na área
lesada, habitualmente a face dorsal dos dedos, que progride a ponto de provocar
tumefação das articulações interfalangeanas. Há limitação transitória dos
movimentos articulares dos dedos comprometidos, com incapacitação funcional
temporária na maioria dos acidentados. Nesse limitado grupo de indivíduos, ao
edema crônico segue-se fibrose periarticular que imobiliza progressivamente a
articulação atingida, levando ao quadro final de anquilose, com deformações que
simulam a artrite reumatóide (fig. 61).
4. Exames complementares
Exames radiológicos comprovam as alterações clínicas
referidas, porém não oferecem características específicas ou diagnósticos
diferenciais.
5. Tratamento
Não há conduta terapêutica específica.
No pós-contato imediato o tratamento segue o descrito
para dermatite por contato com larvas urticantes.
As formas crônicas, com artropatia, deverão ter
acompanhamento especializado.
Síndrome hemorrágica por contato com Lonomia
1. Introdução
O contato com lagartas do gênero Lonomia sp pode
desencadear síndrome hemorrágica que, nos últimos anos,
vem adquirindo significativa importância médica em
virtude da gravidade e da expansão dos casos, principalmente na região Sul.
Os acidentes com manifestações hemorrágicas foram
inicialmente descritos na década de 1960 nas florestas tropicais da Venezuela.
A partir de 1983, alguns casos provocados por contato com lagarta do gênero Lonomia foram
observados nos estados do Amapá e Pará, com alta letalidade. Mais recentemente,
a partir de 1989, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, acidentes hemorrágicos
vêm sendo descritos com incidência crescente, atingindo principalmente trabalhadores
rurais. Além desses estados, foram registrados acidentes no Paraná, São Paulo,
Goiás e Pará.
Verifica-se na região Sul uma maior freqüência de
acidentes nos meses de novembro a abril.
2. Ações do veneno
O mecanismo pelo qual a toxina da Lonomia sp induz
à síndrome hemorrágica não está esclarecido.
Algumas frações do veneno foram isoladas, tais como
fosfolipase, substância caseinolítica e ativadora de complemento, não se
conhecendo exatamente o seu papel no envenenamento humano.
Verifica-se hipofibrinogenemia atribuída a uma
atividade fibrinolítica intensa e persistente, associada a uma ação pró-coagulante
moderada. A ação do veneno parece também estar associada à diminuição dos
níveis de fator XIII, responsável pela estabilização da fibrina e controle da
fibrinólise.
Não se observa alteração nas plaquetas.
3. Quadro clínico
Constitui a forma mais grave do erucismo.
Além do quadro local de dermatite urticante, presente
imediatamente após o contato, manifestações gerais e inespecíficas podem surgir mais tardiamente,
tais como: cefaléia holocraniana, mal-estar geral, náuseas e vômitos, ansiedade,
mialgias e, em menor freqüência, dores abdominais, hipotermia, hipotensão.
Após um período que pode variar de uma até 48 horas,
instala-se um quadro de discrasia sangüínea, acompanhado
ou não de manifestações hemorrágicas que costumam
aparecer oito a 72 horas após o contato. Equimoses podem ser encontradas
podendo chegar a sufusões hemorrágicas extensas (fig. 62), hematomas de
aparecimento espontâneo ou provocados por trauma ou em lesões cicatrizadas,
hemorragias de cavidades mucosas (gengivorragia, epistaxe, hematêmese, enterorragia),
hematúria macroscópica (fig. 63), sangramentos em feridas recentes, hemorragias
intra-articulares, abdominais (intra e extraperitoniais), pulmonares,
glandulares (tireóide, glândulas salivares) e hemorragia intraparenquimatosa
cerebral.
De acordo com a intensidade dos distúrbios
hemostáticos, o acidente pode ser classificado em:
a) Leve: paciente com envenenamento local e sem alteração da
coagulação ou sangramentos até 48 horas após o acidente, confirmado com a
identificação do agente;
b) Moderado: paciente com envenenamento local, alteração da
coagulação somente ou manifestações hemorrágicas na pele e/ou em mucosas
(gengivorragia, equimose, hematoma), hematúria e sem alteração hemodinâmica
(hipotensão, taquicardia ou choque);
c) Grave: paciente com alteração da coagulação, manifestações
hemorrágicas em vísceras (hematêmese, hipermenorragia, sangramento pulmonar,
hemorragia intracraniana), e com alterações hemodinâmicas e/ou falência de
múltiplos órgãos ou sistemas.
4. Complicações
A principal complicação é a insuficiência renal aguda
que pode ocorrer em até 5% dos casos, sendo mais freqüente em pacientes acima
de 45 anos e naqueles com sangramento intenso. A fisiopatologia é
multifatorial, podendo estar relacionada a hipotensão, seqüestro de sangue e
ação direta do veneno.
5. Exames complementares
Não existem exames específicos. Podem ser observados:
- alteração do Tempo de Coagulação;
- prolongamento do Tempo de
Protrombina (TP) e Tempo de Tromboplastina Parcial Ativado (TTPA), observados no
coagulograma;
- diminuição acentuada do
fibrinogênio plasmático;
- elevação de Produtos de Degradação
do Fibrinogênio (PDF) e dos Produtos de Degradação da Fibrina (PDFib);
- número de plaquetas normal.
6. Diagnóstico
Não existem métodos diagnósticos específicos.
O diagnóstico diferencial com as dermatites urticantes provocadas
por outros lepidópteros deve ser feito pela
história clínica, identificação do agente e presença de distúrbios
hemostáticos.
a) Caso a
lagarta seja capturada, deve-se
fazer a sua identificação para estabelecer o diagnóstico diferencial com outros
gêneros de lepidópteros. Sendo a lagarta identificada como Lonomia,
deve-se verificar a presença de hemorragias e alteração na coagulação. Se o TC estiver normal e não houver sangramentos, o paciente deve ser
acompanhado por 48 horas, com avaliação do TC a cada 12 horas. Se o TC estiver
alterado ou houver evidências de sangramento, é confirmado o diagnóstico de
síndrome hemorrágica.
b) Caso a
lagarta não seja identificada,
deve-se fazer o TC e, se este mostrar-se normal, o acompanhamento por 48 horas deve seguir as mesmas orientações acima.
7. Tratamento
O tratamento do quadro local segue as mesmas
orientações para a dermatite urticante provocada por outros lepidópteros.
Nos acidentes com manifestações hemorrágicas, o
paciente deve ser mantido em repouso, evitando-se traumas mecânicos.
Agentes antifibrinolíticos têm sido utilizados, como:
- ácido épsilon-aminocapróico
(Ipsilon, ampola de 1g e 4g) 30 mg/kg de peso como dose inicial por via IV, seguida
de 15 mg/kg a cada quatro horas até a normalização da coagulação;
- aprotinina (Trasylol), utilizada
na Venezuela, porém não diponível no nosso meio.
A correção da anemia deve ser instituída por meio da
administração de concentrado de hemácias. Sangue
total ou plasma fresco são contra-indicados pois podem
acentuar o quadro de coagulação intravascular.
O soro antilonômico (SALon) começa a ser produzido em
pequena escala, estando em fase de ensaios clínicos, de utilização restrita. As doses utilizadas no momento,
de acordo com a gravidade, estão contidas no quadro IX.
8. Prognóstico
Tornam o prognóstico mais reservado:
- acidentes com elevado número de lagartas e contato intenso com as larvas;
- acidentes em idosos;
- patologias prévias do tipo hipertensão arterial e úlcera péptica, entre outras, e traumatismos mecânicos pós-contato.
Fonte: FUNASA.
Bombeiroswaldo...
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ResponderExcluirrTive sexta 18/4/14 contato com um megalopygydae parecido com o da figura 53. coloquei o chapéu na cabeça e imediatamente senti como uma queimadura, imediatamente tirei o chapéu e ela caiu. sou calvo e logo além do ardor moderado, começou
ResponderExcluiruma dormência na região como se tivesse anestesiado, uma hora depois passaram todos os sintomas. Já faz 36 horas e tudo OK. será se terá ainda alguma reação?. Recolhi o animal.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCláudio, Boa tarde e Feliz Páscoa à você e sua Família.
ResponderExcluirEm relação ao incidente, pode ficar despreocupado, pois o tempo de ação do veneno já passou, apenas higienize a cabeça com cuidado, sem friccionar, pois pode haver cerdas encravadas no couro de sua cabeça, o resto a mãe natureza faz, isso quer dizer que nosso organismo se autodefende e expulsará os micro-organismo invasores de sua pele. Despreocupe-se e curta o feriadão. Abração e obrigado pela visita...
Meu corpo fico roxo oque faço tirar
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