III - Araneísmo
1. Introdução
No Brasil, existem três gêneros de aranhas de
importância médica: Phoneutria, Loxosceles
e Latrodectus.
Os acidentes causados por Lycosa
(aranha-de-grama), bastante
freqüentes e pelas caranguejeiras, muito temidas, são destituídos de maior importância.
2. Epidemiologia
Desde a implantação do Sistema de Notificação dos
acidentes araneídicos, vem-se observando um incremento da notificação de casos
no país, notadamente nos estados do Sul.
Todos os atendimentos decorrentes de acidentes com
aranhas, mesmo quando não haja utilização de soroterapia, deveriam ser notificados. Tal procedimento
possibilitaria um melhor dimensionamento deste tipo de agravo, nas diversas regiões
do país.
Segundo os dados do Ministério da Saúde, o coeficiente
de incidência dos acidentes araneídicos situa-se em torno de 1,5 casos por
100.000 habitantes, com registro de 18 óbitos no período de 1990-1993. A
maioria das notificações provem das regiões Sul e Sudeste (tabela 5).
3. As aranhas de importância médica
As aranhas são animais carnívoros, alimentando-se principalmente de insetos, como grilos e baratas. Muitas têm hábitos domiciliares e peridomiciliares. Apresentam o corpo dividido em cefalotórax e abdome. No cefalotórax articulam-se os quatro pares de pernas, um par de pedipalpos e um par de quelíceras. Nas quelíceras estão os ferrões utilizados para inoculação do veneno (fig. 37).
3.1. Phoneutria
São conhecidas popularmente como aranhas armadeiras,
em razão do fato de, ao assumirem comportamento de defesa, apóiam-se nas pernas
traseiras, erguem as dianteiras e os palpos, abrem as quelíceras, tomando bem
visíveis os ferrões, e procuram picar (figs. 38 e 39). Podem atingir de 3 cm a
4 cm de corpo e até 15 cm de envergadura de pernas.
Não constroem teia geométrica, sendo animais errantes
que caçam principalmente à noite. Os acidentes ocorrem freqüentemente dentro das residências e nas suas
proximidades, ao se manusearem material de construção, entulhos, lenha ou
calçando sapatos.
As espécies descritas para o Brasil são: P. fera, P. keyserfingi, P. nigriventer e P.
reidyi.
3.1.1. Distribuição
geográfica das espécies do gênero Phoneutria
a) P.
fera e P. reidyi - região Amazônica;
b) P.
nigriventer - Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina;
c) P.
keyserfingi - Espírito Santo, Minas Gerais,
Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa
Catarina.
3.2. Loxosceles
Conhecidas popularmente como aranhas-marrons,
constroem teias irregulares em fendas de barrancos, sob cascas de árvores,
telhas e tijolos empilhados, atrás de quadros e móveis, cantos de parede,
sempre ao abrigo da luz direta. Podem atingir 1 cm de corpo e até 3 cm de
envergadura de pernas (fig. 40).
Não são aranhas agressivas, picando apenas quando
comprimidas contra o corpo. No interior de domicílios, ao se
refugiar em vestimentas, acabam provocando acidentes.
Várias são as espécies descritas para o Brasil. As
principais causadoras de acidentes são: L.
intermedia, L. laeta e L. gaucho.
3.2.1. Distribuição
geográfica das espécies do gênero Loxosceles
a) L.
intermedia - predomina nos estados do sul do
país;
b) L.
laeta - ocorre em focos isolados em várias
regiões do país, principalmente no estado de Santa Catarina;
c) L.
gaucho - predomina no estado de São Paulo.
3.3. Latrodectus
São conhecidas popularmente como viúvas-negras.
As fêmeas são pequenas e de abdome globular, apresentando
no ventre um desenho característico em forma de
ampulheta. Constroem teias irregulares entre vegetações arbustivas e gramíneas,
podendo também apresentar hábitos domiciliares e peridomiciliares.
Os acidentes ocorrem normalmente quando são comprimidas
contra o corpo. As fêmeas apresentam o corpo
com aproximadamente 1 cm, de comprimento e 3 cm de
envergadura de pernas (fig. 41). Os machos são muito menores, em média 3 mm de
comprimento, não sendo causadores de acidentes.
No Brasil, é registrada a ocorrência das espécies L. curacaviensis e L.
gemetricus principalmente na região Nordeste.
3.3.1. Distribuição
geográfica das espécies do gênero Latrodectus
a) L.
curacaviensis - Ceará, Bahia, Espírito Santo, Rio
de Janeiro, Rio Grande do Norte e São Paulo;
b) L.
geometricus - encontrada praticamente em todo o
país.
3.4. Aranhas da família Lycosidae
São conhecidas como aranha-de-grama
ou aranha-de-jardim. Os
acidentes, apesar de freqüentes, não constituem problema de saúde pública. São
aranhas errantes, não constroem teia e freqüentemente são encontradas em gramados
e jardins. Podem variar de tamanho, sendo que as maiores atingem até 3 cm de
corpo por 5 cm de envergadura de pernas. (fig. 42). Há um grande número de
espécies descritas para todo o Brasil.
3.5. Aranhas caranguejeiras
Apresentam uma grande variedade de colorido e de tamanho, desde alguns milímetros até 20 cm de envergadura de pernas. Algumas são muito pilosas. Os acidentes são destituídos de importância médica, sendo conhecida a irritação ocasionada na pele e mucosas por causa dos pêlos urticantes que algumas espécies liberam como forma de defesa.
Acidentes por Phoneutria
1. Introdução
As aranhas do gênero Phoneutria
são popularmente conhecidas como aranhas armadeiras.
Embora provoquem acidentes com freqüência, estes raramente levam a um quadro
grave.
O foneutrismo representa 42,2% dos casos de araneísmo
notificados no Brasil, predominantemente nos estados do Sul e Sudeste. Os
acidentes ocorrem em áreas urbanas, no intra e peridomicílio, atingindo
principalmente os adultos de ambos os sexos. As picadas ocorrem
preferencialmente em mãos e pés.
2. Ações do veneno
Estudos experimentais demonstram que o veneno bruto e a
fração purificada PhTx2 da peçonha de P.
nigriventer causam ativação e retardo da
inativação dos canais neuronais de sódio. Este efeito pode provocar
despolarização das fibras musculares e terminações nervosas sensitivas, motoras
e do sistema nervoso autônomo, favorecendo a liberação de neurotransmissores, principalmente
acetilcolina e catecolaminas. Recentemente, também foram isolados peptídeos do
veneno de P. nigriventer que podem induzir tanto a contração da musculatura lisa
vascular quanto o aumento da permeabilidade vascular, por ativação do sistema
calicreína-cininas e de óxido nítrico, independentemente da ação dos canais de
sódio.
O conhecimento destas ações pode auxiliar na
compreensão da fisiopatologia do envenenamento, principalmente em relação à
presença da dor local, priapismo, choque e edema pulmonar.
3. Quadro clínico
Predominam as manifestações locais. A dor imediata é o
sintoma mais freqüente, em apenas 1% dos casos os pacientes se apresentam
assintomáticos após a picada. Sua intensidade é variável, podendo se irradiar
até a raiz do membro acometido. Outras manifestações são: edema, eritema,
parestesia e sudorese no local da picada (fig. 44), onde podem ser visualizadas
as marcas de dois pontos de inoculação.
Os
acidentes são classificados em:
a) Leves: são
os mais freqüentes, correspondendo a cerca de 91% dos casos. Os pacientes
apresentam predominantemente sintomatologia local. A taquicardia e agitação,
eventualmente presentes, podem ser secundárias à dor.
b) Moderados: ocorrem
em aproximadamente 7,5% do total de acidentes por Phoneutria.
Associadas às manifestações locais, aparecem alterações sistêmicas, como
taquicardia, hipertensão arterial, sudorese discreta, agitação psicomotora,
visão “turva” e vômitos ocasionais.
c) Graves: são
raros, aparecendo em tomo de 0,5% do total, sendo praticamente restritos às
crianças. Além das alterações citadas nas fornias leves e moderadas, há a
presença de uma ou mais das seguintes manifestações clínicas: sudorese profusa,
sialorréia, vômitos freqüentes, diarréia, priapismo, hipertonia muscular,
hipotensão arterial, choque e edema pulmonar agudo.
4. Exames complementares
Em acidentes graves envolvendo crianças, verificaram-se
leucocitose com neutrofilia, hiperglicemia, acidose metabólica e taquicardia
sinusal. Todavia, não existem estudos clínicos controlados visando avaliar o
tempo necessário para normalização desses exames. É aconselhável a
monitorização das condições cardiorrespiratórias nos acidentes graves.
5. Tratamento
a) Sintomático: a
dor local deve ser tratada com infiltração anestésica local ou troncular à base
de lidocaína a 2% sem vasoconstritor (3 ml - 4 ml em adultos e de 1 ml - 2 ml em crianças).
Havendo recorrência da dor, pode ser necessário aplicar nova infiltração, em
geral em intervalos de 60 a 90 minutos. Caso sejam necessárias mais de duas
infiltrações, e desde que não existam sintomas de depressão do sistema nervoso
central, recomenda-se o uso cuidadoso da meperidina (Dolantina®), nas
seguintes doses: crianças - 1,0 mg/kg via intramuscular e adultos 50 mg -100 mg
via intramuscular. A dor local pode também ser tratada com um analgésico
sistêmico, tipo dipirona. Outro procedimento auxiliar, útil no controle da dor,
é a imersão do local em água morna ou o uso de compressas quentes.
b) Específico: a soroterapia tem sido formalmente
indicada nos casos com manifestações sistêmicas em crianças e em todos os
acidentes graves. Nestas situações, o paciente
deve ser internado para melhor controle dos dados vitais, parâmetros
hemodinâmicos e tratamento de suporte das complicações associadas.
No quadro VI estão resumidas as manifestações clínicas
e as medidas terapêuticas recomendadas.
Observação: Deve
ser evitado o uso de algumas drogas anti-histamínicas, principalmente a
prometazina (Fenergan®),
em crianças e idosos. Os efeitos tóxicos ou idiossinerásicos destes
medicamentos podem determinar manifestações como sonolência, agitação
psicomotora, alterações pupilares e taquicardia, que podem ser confundidas com
as do envenenamento sistêmico.
6. Prognóstico
O prognóstico é bom. Lactentes e pré-escolares, bem
como os idosos, devem sempre ser mantidos em observação pelo menos por seis
horas. Os óbitos são muito raros, havendo relatos de 14 mortes na literatura
nacional de 1926 a 1996.
Acidentes por Loxosceles
1. Introdução
O loxoscelismo tem sido descrito em vários continentes.
Corresponde à forma mais grave de araneísmo no Brasil.
A maioria dos acidentes por Loxosceles notificados
se concentra nos estados do Sul, particularmente no Paraná e
Santa Catarina. O acidente atinge mais comumente
adultos, com discreto predomínio em mulheres, ocorrendo no intradomicílio.
Observa-se uma distribuição centrípeta das picadas, acometendo coxa, tronco ou
braço.
2. Ações do veneno
Há indicações de que o componente mais importante do
veneno loxoscélico é a enzima esfingomielinase-D que, por ação direta ou
indireta, atua sobre os constituintes das membranas das células, principalmente
do endotélio vascular e hemácias. Em virtude desta ação, são ativadas as
cascatas do sistema complemento, da coagulação e das plaquetas, desencadeando
intenso processo inflamatório no local da picada, acompanhado de obstrução de
pequenos vasos, edema, hemorragia e necrose focal. Admite-se, também, que a
ativação desses sistemas participa da patogênese da hemólise intravascular
observada nas formas mais graves de envenenamento.
Evidências experimentais indicam diferença de atividade
dos venenos das várias espécies de Loxosceles
de importância médica no Brasil.
Assim, o veneno de L. laeta tem-se mostrado mais ativo no desencadeamento de
hemólise experimental quando comparado aos venenos de L. gaucho ou
L. intermedia.
3. Quadro clínico
A picada quase sempre é imperceptível e o quadro
clínico decorrente do envenenamento se apresenta sob dois aspectos
fundamentais:
3.1. Forma cutânea
Varia de 87% a 98% dos casos, conforme a região
geográfica. De instalação lenta e progressiva, é caracterizada por dor, edema
endurado e eritema no local da picada que são pouco valorizados pelo paciente.
Os sintomas locais se acentuam nas primeiras 24 a 72
horas após o acidente, podendo variar sua apresentação desde:
a) Lesão incaracterística: bolha de conteúdo seroso,
edema, calor e rubor, com ou sem dor em queimação;
b) Lesão sugestiva: enduração, bolha, equimoses e dor
em queimação até;
c) Lesão característica: dor em queimação, lesões
hemorrágicas focais, mescladas com áreas pálidas de isquemia (placa marmórea) e
necrose (fig. 45). Geralmente o diagnóstico é feito nesta oportunidade.
As picadas em tecido frouxo, como na face, podem
apresentar edema e eritema exuberantes.
A lesão cutânea pode evoluir para necrose seca (escara), em cerca de 7 a 12 dias (fig. 46), que, ao se destacar em 3 a 4 semanas, deixa uma úlcera de difícil cicatrização.
astenia, febre alta nas primeiras 24 horas, cefaléia,
exantema morbiliforme, prurido generalizado, petéquias, mialgia, náusea,
vômito, visão turva, diarréia, sonolência, obnubilação, irritabilidade, coma.
3.2. Forma cutâneo-visceral (hemolítica)
Além do comprometimento cutâneo, observam-se
manifestações clínicas em virtude de hemólise intravascular
como anemia, icterícia e hemoglobinúria que se instalam
geralmente nas primeiras 24 horas. Este quadro pode ser acompanhado de
petéquias e equimoses, relacionadas à coagulação intravascular disseminada
(CIVD). Esta forma é
descrita com freqüência variável de 1% a 13% dos casos,
dependendo da região e da espécie da aranha envolvida, sendo mais comum nos
acidentes por L. laeta.
Os casos graves podem evoluir para insuficiência renal
aguda, de etiologia multifatorial (diminuição da perfusão renal, hemoglobinúria
e CIVD), principal causa de óbito no loxoscelismo.
Com base nas alterações clínico-laboratorais e
identificação do agente causal, o acidente loxoscélico pode ser classificado
em:
a) Leve: observa-se lesão incaracterística sem alterações clínicas
ou laboratoriais e com a identificação da aranha causadora do acidente. O
paciente deve ser acompanhado durante pelo menos 72 horas, uma vez que mudanças
nas características da lesão ou presença de manifestações sistêmicas exige
reclassificação de gravidade;
b) Moderado: o critério fundamental baseia-se na presença de lesão
sugestiva ou característica, mesmo sem a identificação do agente causal,
podendo ou não haver alterações sistêmicas do tipo rash cutâneo,
cefaléia e mal-estar;
c) Grave: caracteriza-se pela presença de lesão característica e
alterações clínico-laboratoriais de hemólise
intravascular.
4. Complicações
4.1. Locais - infecção
secundária, perda tecidual, cicatrizes desfigurantes.
4.2. Sistêmicas - a principal
complicação é a insuficiência renal aguda.
5. Exames complementares
Não existe exame diagnóstico específico. Alterações
laboratoriais dependem da forma clínica do envenenamento, podendo ser
observados:
5.1. Na forma cutânea - hemograma com leucocitose e neutrofilia
5.2. Na forma cutâneo-visceral - anemia
aguda, plaquetopenia, reticulocitose, hiperbilirrubinemia indireta, queda dos
níveis séricos de haptoglobina, elevação dos séricos de potássio, creatinina e
uréia e coagulograma alterado.
No exame anatomopatológico observa-se intensa vasculite
no local da picada, seguida de obstrução de pequenos vasos, infiltração de
polimorfonucleares e agregação plaquetária com o desencadeamento de edema,
hemorragia e necrose focal. Nos casos de hemólise, há lesão de membranas eritrocitárias
por ativação do sistema complemento e provavelmente por ação direta do veneno,
não sendo afastada a interferência de fatores genéticos do paciente (déficit de
G-6-P-D).
6. Tratamento
A indicação do antiveneno é controvertida na
literatura. Dados experimentais revelaram que a eficácia da soroterapia é
reduzida após 36 horas da inoculação do veneno. A freqüência de utilização do
antiveneno tem variado conforme as experiências regionais, como se verifica, na
tabela 6.
6.1. Específico
Soroterapia: as recomendações para utilização do
antiveneno dependem da classificação de gravidade e estão
contidas no quadro VII.
6.1.1. Outros
a) Corticoterapia: embora
não existam estudos controlados, tem sido utilizada a prednisona por via oral
na
dose de 40 mg/dia para adultos e em crianças 1
mg/kg/dia durante, pelo menos, cinco dias.
b) Dapsone (DDS): tem
sido testada, em associação com a soroterapia, como modulador da resposta
inflamatória para redução do quadro local, na dose de 50 a 100 mg/dia via oral
por duas semanas aproximadamente. Embora pouco freqüente, em face de risco
potencial da Dapsone em desencadear surtos de metemoglobinemia, o paciente deve
ser acompanhado do ponto de vista clínico-laboratorial durante o período de
administração dessa droga.
6.1.2. Suporte
a) Para as
manifestações locais:
- Analgésicos, como dipirona (7 a 10
mg/kg/dose);
- Aplicação de compressas frias
auxiliam no alívio da dor local;
- Antisséptico local e limpeza
periódica da ferida são fundamentais para que haja uma rápida cicatrização;
- A úlcera deverá ser lavada cinco a seis vezes por dia
com sabão neutro, e compressas de KMn04 - 1:40.000 (um comprimido em quatro
litros de água) ou água boricada 10% aplicados por cinco a dez minutos duas vezes
ao dia;
- Antibiótico sistêmico (visando à
cobertura para patógenos de pele), havendo infecção secundária;
- Remoção da escara deverá ser
realizada após estar delimitada a área de necrose, que ocorre, em geral, após
uma semana do acidente;
- Tratamento cirúrgico pode ser
necessário no manejo das úlceras e correção de cicatrizes.
b) Para as
manifestações sistêmicas:
- Transfusão de sangue ou
concentrado de hemácias nos casos de anemia intensa;
- Manejo da insuficiência renal
aguda, de acordo com as rotinas referidas no Capítulo X.
7. Prognóstico
Na maioria dos casos, é bom.
Nos casos de ulceração cutânea, de difícil
cicatrização, podem ocorrer complicações no retorno do paciente às atividades
rotineiras.
A hemólise intravascular, quando presente, pode levar a
quadros graves e neste grupo estão incluídos os raros óbitos.
Acidentes por Latrodectus
1. Introdução
Os acidentes por Latrodectus
têm sido relatados na região
Nordeste (Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe), causados principalmente
pela espécie L. curacaviensis. Ocorrem principalmente em pacientes do sexo masculino
na faixa etária de 10 a 30 anos.
2. Ações do veneno
A alpha-latrotoxina é o principal componente tóxico da
peçonha da Latrodectus. Atua sobre terminações nervosas
sensitivas provocando quadro doloroso no local da
picada. Sua ação sobre o sistema nervoso autônomo, leva à liberação de
neurotransmissores adrenérgicos e colinérgicos e, na junção neuromuscular
pré-sináptica, altera a permeabilidade aos íons sódio e potássio.
3. Quadro clínico
3.1. Manifestações locais
Geralmente, o quadro se inicia com dor local em cerca
de 60% dos casos, de pequena intensidade, evoluindo para sensação de queimadura
15 a 60 minutos após a picada. Pápula eritematosa e sudorese localizada são
observadas em 20% dos pacientes. Podem ser visualizadas lesões puntiformes,
distando de 1 mm a 2 mm entre si. Na área da picada há referência de
hiperestesia e pode ser observada a presença de placa urticariforme acompanhada
de infartamento ganglionar regional.
3.2. Manifestações sistêmicas
a) Gerais: aparecem
nas primeiras horas após o acidente, sendo referidas: tremores (26%), ansiedade
(12%), excitabilidade (11%), insônia, cefaléia, prurido, eritema de face e
pescoço. Há relatos de distúrbios de comportamento e choque nos casos graves.
b) Motoras: dor
irradiada para os membros inferiores aparecem em 32%, acompanhada de
contraturas musculares periódicas (26%), movimentação incessante, atitude de
flexão no leito; hiperreflexia ósteo-músculo-tendinosa constante. É freqüente o
aparecimento de tremores e contrações espasmódicas dos membros (26%). Dor abdominal
intensa (18%), acompanhada de rigidez e desaparecimento do reflexo
cutâneo-abdominal, pode simular um quadro de abdome agudo.
Contratura facial, trismo dos masseteres caracteriza o fácies latrodectísmica observado em 5% dos casos.
c) Cardiovasculares: opressão
precordial, com sensação de morte iminente, taquicardia inicial e hipertensão
seguidas de bradicardia;
d) Digestivas:
náuseas e vômitos, sialorréia, anorexia e obstipação;
e) Geniturinárias:
retenção urinária, dor testicular, priapismo e ejaculação;
f) Oculares:
ptose e edema bipalpebral, hiperemia conjuntival, midríase (fig. 47).
4. Complicações
As complicações graves como edema pulmonar agudo e
choque relatadas na literatura internacional não têm sido observadas.
5. Exames complementares
As alterações laboratoriais são inespecíficas, sendo
descritas alterações hematológicas (leucocitose, linfopenia, eosinopenia), bioquímicas (hiperglicemia,
hiperfosfatemia), do sedimento urinário (albuminúria, hematúria, leucocitúria e cilindrúria) e eletrocardiográficas (arritmias
cardíacas como fibrilação atrial e bloqueios, diminuição de amplitude do QRS e
da onda T, inversão da onda T, alterações do segmento ST e prolongamento do
intervalo QT).
Essas alterações podem persistir até por dez dias.
6. Tratamento
6.1. Específico
0 soro antilatrodectus (SALatr) é indicado nos casos
graves, na dose de uma a duas ampolas por via intramuscular.
A melhora do paciente ocorre de 30 minutos a três horas
após a soroterapia.
6.2. Sintomático
Além de analgésicos, têm sido utilizados:
Há relatos de utilização de Prostigmine, Fenitoína, Fenobarbital e Morfina.
Deve-se garantir suporte cardiorespiratório e os pacientes devem permanecer hospitalizados por, no mínimo, 24 horas.
7. Prognóstico
Não há registro de óbitos.
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