Lesões por inalação de fumaça
Os pulmões e as vias aéreas são mais
vulneráveis a lesões decorrentes de incêndio que outras áreas do corpo, em
virtude de os sinistros, sejam ao ar livre ou confinados, apresentarem
atmosfera potencialmente tóxica. Por isso, somente bombeiros treinados e
protegidos, adequadamente, devem efetuar o combate ao fogo.
Segundo o artigo “Lesão por inalação
de fumaça”, do Jornal de Pneumologia (Souza, R. e outros), a lesão inalatória é
resultante do processo inflamatório das vias aéreas após a inalação de fumaça,
sendo a principal responsável pela mortalidade de vítimas de queimaduras.
A presença de lesão inalatória por si
só aumenta em 20% a mortalidade associada à extensão da queimadura.
Existem quatro mecanismos de lesão
inalatória associada a incêndio:
deficiência de oxigênio;
temperatura elevada;
partículas encontradas na fumaça;
gases tóxicos associados ao incêndio.
Em todos esses casos, a prevenção das
lesões reside no uso do EPI, equipamento de proteção respiratória descrito no
Módulo 3 deste manual.
Sem esse tipo de equipamento, os
bombeiros estarão se expondo à condição de muito perigo.
A utilização de oxímetro de pulso em
vítimas de intoxicação por fumaça será inútil, pois esse tipo de equipamento
não possui capacidade de diferir os comprimentos de onda gerados pela
oxihemoglobina ou pela carboxihemoglobina, fornecendo valores errôneos, ou
seja, altos valores da concentração de oxigênio na corrente sanguínea.
Deficiência de oxigênio
O processo de combustão consome
oxigênio enquanto produz gases tóxicos que ocupam o espaço do oxigênio ou
diminuem sua concentração. Quando a concentração de oxigênio é menor que 18% o
corpo começa a reagir, aumentando a freqüência respiratória.
São sinais e sintomas da deficiência
de oxigênio:
diminuição da coordenação motora;
tontura;
desorientação;
dor de cabeça;
exaustão;
inconsciência;
morte.
Além dos incêndios, a deficiência de
oxigênio pode ocorrer em ambientes confinados, como silos ou cômodos protegidos
por sistema de extinção de incêndio por gás carbônico (CO2), após o seu
acionamento.
Temperatura elevada
A ação decorrente da temperatura da
fumaça inalada raramente provoca lesões abaixo da laringe. Apesar de possuir
alta temperatura, a fumaça tende a ser seca, o que diminui muito o potencial de
troca de calor.
As lesões em vias aéreas superiores
(nariz e boca) são caracterizadas pela presença de vermelhidão, inchaço e
feridas, podendo haver sangramento local ou mesmo obstrução da área atingida.
Se a fumaça estiver misturada a vapor úmido, o dano é ainda maior.
A entrada repentina de ar quente nos
pulmões pode causar queda de pressão e falha do sistema circulatório. Também
pode ocorrer edema pulmonar, que é o inchaço por acúmulo de fluidos nos
pulmões, levando à morte por asfixia. O dano aos tecidos respiratórios causado
pelo ar quente não é revertido, imediatamente, pela inalação de ar fresco.
Partículas encontradas na fumaça
A fumaça produzida pelo incêndio é
uma suspensão de partículas de carbono, alcatrão e poeira, flutuando numa
combinação de gases aquecidos. As partículas fornecem uma área para condensação
de alguns dos gases da combustão, especialmente ácidos orgânicos e aldeídos.
Algumas dessas partículas suspensas
na fumaça são apenas irritantes, mas outras podem ser letais. O tamanho das
partículas determina o quanto elas irão penetrar no sistema respiratório
desprotegido.
Gases tóxicos associados ao
incêndio
Como dito anteriormente, o incêndio
propicia a exposição doorganismo a combinações de gases irritantes e tóxicos.
A inalação de gases tóxicos pode
ocasionar vários efeitosdanosos ao organismo humano. Alguns dos gases causam
danos diretosaos tecidos dos pulmões e às suas funções. Outros gases não
provocam efeitos danosos diretamente nos pulmões, mas entram na corrente
sanguínea e chegam a outras partes do corpo, diminuindo a capacidade das
hemácias de transportar oxigênio.
Os gases tóxicos liberados pelo
incêndio variam conforme quatro fatores:
natureza do combustível;
calor produzido;
temperatura dos gases liberados;
concentração de oxigênio.
Os principais gases produzidos são o
monóxido de carbono (CO), dióxido de nitrogênio (NO2), dióxido de carbono
(CO2), acroleína, dióxido de enxofre (SO2), ácido cianídrico (HCN), ácido
clorídrico (HCl), metano (CH4) e amônia (NH3).
Monóxido de Carbono (CO)
O monóxido de carbono (CO) é o produto
da combustão que causa mais mortes em incêndios. É um gás incolor e inodoro
presente em todo incêndio, mas principalmente naqueles pouco ventilados.
Nos incêndios, em geral, quanto mais
escura a fumaça, mais monóxido de carbono está sendo produzido por causa da
combustão incompleta.
O perigo do monóxido de carbono
reside na sua forte combinação com a hemoglobina, cuja função é levar oxigênio
às células do corpo. O ferro da hemoglobina do sangue junta-se com o oxigênio
numa combinação química fraca, chamada de oxihemoglobina.
A principal característica do
monóxido de carbono é de combinar-se com o ferro da hemoglobina tão rapidamente
que o oxigênio disponível não consegue ser transportado. Essa combinação
molecular é denominada carboxihemoglobina (COHb). A afinidade do monóxido de
carbono com a hemoglobina é aproximadamente na ordem de 200 a 300 vezes maior
que a do oxigênio com ela.
A concentração de monóxido de carbono
no ar acima de 0,05% (500 partes por milhão) pode ser perigosa. Quando a
porcentagem passa de 1% (10.000 partes por milhão) pode acontecer perda de
consciência, sem que ocorram sintomas anteriores perceptíveis, podendo provocar
convulsões e a morte.
Mesmo em baixas concentrações, o
bombeiro não deve utilizar sinais e sintomas como indicadores de segurança. Dor
de cabeça, tontura, náusea, vômito e pele avermelhada podem ocorrer em
concentrações variadas, de acordo com fatores individuais.
Dióxido de Carbono (CO2)
É um gás incolor e inodoro. Não é tão
tóxico como o CO, mas também é muito produzido em incêndios e a sua inalação,
associada ao esforço físico, provoca um aumento da frequência e da intensidade
da respiração.
Concentrações de até 2% do gás
aumentam em 50% o ritmo respiratório do indivíduo. Se a concentração do gás na
corrente sanguínea chegar a 10%, pode provocar a morte.
O gás carbônico também forma com a
hemoglobina a carboxihemoglobina, contudo, com uma combinação mais fraca que a
produzida pelo monóxido de carbono. Os efeitos danosos ao organismo,
predominantemente, decorrem da concentração de carboxihemoglobina no sangue.
A alta concentração de
carboxihemoglobina produz privação de oxigênio, a qual afeta, principalmente, o
coração e o cérebro.
Ácido Cianídrico (HCN)
É produzido a partir da queima de
combustíveis que contenham nitrogênio, como os materiais sintéticos (lã, seda,
nylon, poliuretanos, plásticos e resinas).
É aproximadamente vinte vezes mais
tóxico que o monóxido de carbono. Assim como o CO, também age sobre o ferro da
hemoglobina do sangue, além de impedir a produção de enzimas que atuam no
processo da respiração, sendo, portanto, definido como o produto mais tóxico
presente na fumaça.
Da mesma forma que o CO, pode
produzir intoxicações graves, caracterizadas por distúrbios neurológicos e
depressão respiratória, até intoxicações fulminantes, que provocam
inconsciência, convulsões e óbitos em poucos segundos de exposição.
Ácido Clorídrico (HCl)
Forma-se a partir de materiais que
contenham cloro em sua composição, como o PVC. É um gás que causa irritação nos
olhos e nas vias aéreas superiores, podendo produzir distúrbios de
comportamento, disfunções respiratórias e infecções.
Acroleína
É um irritante pulmonar que se forma
a partir da combustão de polietilenos encontrados em tecidos. Pode causar a
morte por complicações pulmonares horas depois da exposição.
Amônia
É um gás irritante e corrosivo,
podendo produzir queimaduras graves e necrose na pele. Os sintomas à exposição
incluem desde náusea e vômitos até danos aos lábios, boca e esôfago.
Bombeiros contaminados por amônia
devem receber tratamento intensivo, ser transportados com urgência para um
hospital, sem utilizar água nem oxigênio no pré-atendimento.
A tabela a seguir apresenta os
efeitos de outros gases, que também podem estar presentes na fumaça.
Ingestão de leite em casos de
intoxicação profissional
Entre pessoas que trabalham com
tintas, vernizes, solventes,
poeiras e fumaças é comum a crença de
que o consumo de leite protege o organismo de elementos nocivos.
Como alimento, o leite possui muitas
qualidades necessárias ao organismo humano. Entretanto, em condição de
incêndio, pode provocar dores abdominais, diarréia, vômitos e coceiras pelo
corpo.
Não há, até o momento, nenhum estudo
científico que comprove o poder antitóxico do leite. Portanto, sua utilização
pelos bombeiros afetados por incêndio não deve ser admitida, a menos que sob
prescrição médica, após atendimento intra-hospitalar.
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