III
Contudo, uma coisa é tomar uma decisão e outra é
efectivá-la. Dirigir-se pessoalmente a uma mulher, não era possível. E qual? E
onde? Era precisa a intervenção no caso de uma terceira pessoa. Mas quem?
Uma vez sucedeu-lhe ter de entrar em casa do guarda
florestal, um antigo caçador, ao serviço da casa, no tempo de seu pai. Eugénio
Irtenieff pôs-se a conversar com ele. O
guarda contou-lhe velhas histórias de orgias e caçadas
e Eugénio pensou, logo, que talvez fosse possível conseguir alguma coisa
naquela cabana, em plena floresta. O que não sabia era como o velho Danilo
receberia a proposta. «É capaz de ficar indignado», disse de si para si. «Mas
também pode ser que não se importe...» Tais eram os pensamentos de Eugénio
enquanto o velho falava. A certa altura, este contou como uma vez conseguira
uma mulher para Prianitchnikoff. Vou tentar, decidiu-se por fim.
- Seu pai, que Deus tenha em descanso a sua alma, não
se metia nessas coisas...
Para apalpar o terreno, Eugénio perguntou:
- E tu prestavas-te a esses papéis?
- Ora! Que mal tem isso? Ela gostava e FédorZakaritch
também. E como ele me dava sempre um rublo, por que não havia de auxiliá-lo?
Afinal, um homem é um homem...
Parece-me que posso falar, pensou Eugénio. E começou:
- Pois, amigo Danilo, tu bem sabes que, e - sentiu-se
corar até às orelhas -, afinal de contas, não sou nenhum frade, estou
acostumado...
Percebeu que as suas palavras eram estúpidas, mas
verificou que Danilo esboçava um sorriso de aprovação.
- Por que o não disse há mais tempo? Sim, tudo se pode
arranjar. Diga qual delas prefere.
- É-me indiferente. O que é preciso é que tenha saúde
e não seja muito feia.
- Está bem - disse Danilo. - Tenho uma, muito bonita,
que casou no outono, debaixo de olho.
E segredou qualquer coisa a Eugénio, que o deixou
espantado.
- Mas, não - disse ele. - Não é propriamente isso o
que eu pretendo. Pelo contrário: quero uma mulher sem compromissos, mas que
seja saudável.
- Muito bem! Stepanida serve-lhe. O marido trabalha na
cidade. É como se fosse uma mulher solteira. Além disso, é uma bela rapariga,
muito desenxovalhada. O senhor vai ficar satisfeitíssimo. Amanhã já lho direi.
Venha cá, e ela...
- Quando?
- Amanhã, se quiser. Vou comprar tabaco e passarei por
sua casa. Esteja ao meio-dia no bosque, perto da clareira. Ninguém os verá a
essa hora, porque depois do almoço, todos dormem a sesta.
- Está bem.
Uma comoção extraordinária se apoderou de Eugénio ao
voltar para casa. Que irá acontecer? Como será essa camponesa? Feia? Nojenta?
Não, algumas até são bem lindas, murmurou recordando-se das que já lhe tinham
atraído a atenção. No dia seguinte, à hora combinada, foi à choupana do guarda.
Danilo estava à porta e, com ar de importante, fez-lhe um sinal apontando na
direção do bosque. O coração bateu-lhe com força. Dirigiu-se para o sítio
indicado e não viu ninguém. Inspecionou as imediações e já ia a retirar-se quando
ouviu o súbito estalar dum ramo seco. Voltou-se. A mulher estava atrás duma
árvore, separada dele por uma vala apenas. Foi ao seu encontro. Picou-se numa
urtiga em que não tinha reparado e caíram-lhe os óculos quando saltou para o
outro lado do talude. Ei-lo junto duma linda mulher, fresca, de saia branca,
com uma bata vermelha, e um lenço da mesma cor na cabeça, os pés descalços,
sorrindo timidamente...
- É melhor o senhor passar por esse atalho - disse-lhe
a rapariga.
Aproximou-se dela e, depois de certificar-se que não
era visto, abraçou-a. Dali a um quarto de hora separaram-se. Passou pela cabana
de Danilo e, como este lhe perguntasse se estava satisfeito, atirou-lhe um
rublo para as mãos, retomando em seguida o caminho interrompido.
Ia contente. A princípio tivera vergonha, mas agora
sentia-se calmo, tranquilo e corajoso.
Quase não encarara a mulher. Lembrava-se de que não
lhe parecera feia nem fizera cerimónia.
Quem será ela?, perguntou a si mesmo. Chamava-se
Petchnikoff, mas existiam duas famílias com esse nome. Talvez seja a nora do
velho Mikhail. É com certeza. O filho
trabalha em Moscovo. Hei-de perguntar isto a Danilo.
Dessa altura em diante a vida de Eugénio, passou a ter
encantos até ai desconhecidos.
Sentia-se com mais coragem para tratar dos seus
negócios. A tarefa assumida era bem difícil. Às vezes parecia-lhe que as forças
iam faltar-lhe, antes de levar tudo a bom termo,
que se seria obrigado a vender as terras, e que seria
em vão todo o seu esforço. E isso entristecia-o, pois mal pagava uma conta,
outra aparecia em seu lugar.
Além disso, quase todos os dias surgiam dívidas
ignoradas contraídas pelo pai. Sabia que, nos últimos tempos, ele pedira
dinheiro emprestado a toda a gente. Por ocasião das
partilhas, Eugénio convenceu-se de que ficava a ter
conhecimento de todos esses empréstimos mas, em certa altura, avisaram-no de
que havia ainda um de doze mil rublos, de que era credora a viúva Essipoff. Não
existia qualquer documento considerado legal mas um recibo, que segundo a
opinião do advogado oferecia dúvidas. Eugénio, porém, nem sequer podia conceber
a ideia de se negar ao pagamento duma dívida contraída pelo pai.
Quis apenas saber se efetivamente a dívida existia.
- Mamã, quem é essa Essipoff, essa
CalériaVladimirovnaEssipoff? - perguntou à mãe, enquanto jantava.
- Essipoff? Ah! foi pupila do teu avô. Por que fazes
essa pergunta?
E, como Eugénio lhe dissesse do que se tratava, a mãe
acrescentou:
- Essa mulher devia ter vergonha... Tanto dinheiro que
o teu pai lhe deu...
- Mas, não lhe deveria nada?
- Quer dizer... Dívida não. Teu pai, cuja bondade era
infinita...
- Mas ele considerava ou não isso uma dívida?
- Que dizer-te? O que sei é que todas essas coisas te
causam muitas dores de cabeça.
Eugênio percebia que Maria Pavlovna não tinha lá multo
bem a consciência do que estava a dizer.
- O que deduzo de tudo isso é que é preciso pagar -
disse o filho. - Amanha irei a casa dessa senhora perguntar-lhe se é possível
um adiamento.
- Tenho pena de ti, meu filho, por te teres metido
nesses trabalhos, mas realmente será melhor lá ir. Pede-lhe para esperar algum
tempo - aconselhou a mãe.
Havia outra coisa que apoquentava Eugénio, era o facto
de sua mãe o não compreender.
Habituada a gastar às mãos cheias durante toda a sua
vida, não podia compreender a situação do filho, que dispunha somente dum
rendimento de dois mil rublos e que, para refazer a casa, se via na necessidade
de diminuir todos os gastos, fazer cortes nos salários do jardineiro, dos
cocheiros e mesmo até nas despesas com a alimentação.
Como a maior parte das viúvas, sua mãe sentia pela
memória do marido uma admiração que ultrapassava toda a afeição que por ele
tivera em vida, e não admitia que nada do que por ele fora feito, se modificasse.
Eugénio, com grande dificuldade, conseguia o arranjo do jardim e da estufa e
das cavalariças com dois jardineiros e dois coveiros. Mas Maria Pavlovna, só
porque não se queixava do pouco pessoal da cozinha, a cargo da antiga
cozinheira, nem das áleas do jardim por não andarem rigorosamente amanhadas,
nem de só terem um criado de mesa em vez de muitos, pensava ingenuamente que
fazia tudo quanto uma mãe extremosa deve fazer por um filho.
Naquela nova dívida, em que Eugénio via um golpe que
lhe podia arrasar a vida, Maria Pavlovna descobria apenas um ensejo para o
filho mostrar a sua generosidade. Havia, ainda, uma circunstância que em muito
concorria para Maria Pavlovna se não inquietar com a situação material da casa:
tinha a certeza de que Eugénio havia de fazer um casamento brilhante. Conhecia
até uma dezena de famílias que se julgariam felizes concedendo-lhe a mão de
suas filhas.
Barros Vital
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