05 agosto 2022

I - Sermão dos Bons Anos - Antonio Vieira

 

 

Sermão dos Bons Anos - Antonio Vieira

 

Sete cousas profetizou o Anjo embaixador à Virgem Maria: Ecce concipies in utero, etpariesFilium, et vocabis nomen ejusJesum. Hic eritmagnus, etFiliusAltissimivocabitur, et dabitilli Dominus Deus sedem David Patrisejus et regnabit in domo Jacob in aeternum, et regniejus non erit finis

 

I

 

Em um Mundo tão avarento de bens, onde apenas se encontra com um bom dia, ter obrigação de dar bons-anos, dificultoso empenho! Deus, que é autor de todos os bens, os dê a Vossas Reais Majestades felicíssimos (mui altos e mui poderosos Reis e Senhores nossos) com a vida, com a prosperidade, com a conservação e aumento de estados que as esperanças do Mundo publicam, que o bem da Fé Católica deseja, que a Monarquia de Portugal há mister e que eu hoje quisera prometer e ainda assegurar.

 

Em um Mundo, digo, tão avarento de bens, onde apenas se encontra com um bom-dia, ter obrigação de dar bons-anos, dificultoso empenho! E na minha opinião cresce ainda mais esta dificuldade, porque isto de dar bons-anos, entendo-o de diferente maneira do que comumente se pratica no Mundo. Os bons-anos não os dá quem os deseja, senão quem os assegura. A quantos se desejaram nesta vida, a quantos se deram os bons-anos, que os não lograram bons, senão mui infelizes? Segue-se logo, própria e rigorosamente falando, que não dá os bons-anos quem só os deseja, senão quem os faz seguros. Esta é a dificuldade a que me vejo empenhado hoje, que o tempo e o Evangelho fazem ainda maior. Em todo o tempo é dificultoso cousa segurar anos felizes; mas muito mais em tempo de guerras e em tempo de felicidades. Se o dia dos bens é véspera dos males; se para merecer uma desgraça, basta ter sido ditoso, quem fará confiança em glórias presentes, para esperar prosperidades futuras? Se a campanha é uma mesa de jogo onde se ganha e se perde; se as bandeiras vitoriosas mais firmes seguem o vento vário que as meneia, quem se prometerá firmeza na guerra, que derruba muralhas de mármore? E como a guerra e a felicidade são dois acidentes tão vários; como a Fortuna e Marte são dois árbitros do Mundo tão inconstantes, como poderei eu seguramente prometer bons-anos a Portugal, em tempo que o vejo por uma parte com as armas nas mãos, por outra com as mãos cheias de felicidade? Se apelo para o Evangelho, também parece que promete ameaças, mais que esperanças; porque nos aparece nele um cometa abrasado e sanguinolento, ut circumcidereturpuer, e os cometas desta cor sempre foram fatais aos reinos e formidáveis às monarquias.

 

Terret fera regna cometes sanguineumspargensignem – disse lá Sílio. A matéria dos cometas são os vapores, ou exalações da terra subidas ao céu; e como no mistério da Encarnação subiu ao Céu a terra de nossa humanidade, que outra cousa parece Cristo hoje com o sangue da circuncisão, senão um cometa abrasado e sanguinolento, e por isso funesto e temeroso? Ora com isto se representar assim, com o Evangelho e o tempo parecer que nos prometem poucas esperanças de felizes anos, do mesmo tempo e do mesmo Evangelho hei-de tirar hoje a prova e segurança deles Será pois a matéria e empresa do sermão esta: Felicidades de Portugal, juízo dos anos que vêm. Digo dos anos, e não do ano, porque quem tem obrigação de dar bons-anos, não satisfaz com um só, senão com muitos. Funda-me o pensamento o mesmo Evangelho, que parece o

desfavorecia; porque toda a matéria e sentido dele é um prognóstico de felicidades futuras.

 

Toda a matéria do brevíssimo Evangelho que hoje canta a Igreja vem a ser a circuncisão de Cristo e o nome santíssimo de Jesus. E destes dois grandes mistérios se compôs uma constelação benigníssima, que tomada no horizonte oriental de Cristo, foi figura de todo o bem e remédio do Mundo. que o Senhor havia de obrar em seus maiores anos. S. Cirilo: Vocatum est nomen ejus !esus, quod interp,etaturSalvator; editusenimfuit ad toIiusmundisalutem, quam sua circumcisionepraefiguravit. Grande palavra! De sorte que circuncidar-se Cristo e chamar-se Jesus no dia de hoje, foi levantar figura – praefiguravit – aos sucessos dos anos seguintes, à salvação e felicidades futuras de todo o género humano: Totiusmundi, salutem, quum sua circumcisionepraefiguravit. Nem desfaz esta verdade a representação do sanguinolento, com que parece nos atemorizava Cristo nos efeitos da circuncisão; porque aquele belo infante não é cometa, é planeta; não é terra subida ao céu, é céu descido à terra. E o céu, quando se põe de vermelho, que prognostica? – O mesmo Cristo o disse, que não é menos que sua esta matemática: Serenumerit, rubicundum est enimcaelum. Quando o céu se veste de vermelho, prognostica serenidade. Sempre a serenidade foi título natural das púrpuras. E como aquele Céu animado, como aquele Rei celestial se veste da púrpura de seu sangue, serenidades e felicidades grandes nos prognostica. que nas acções do tempo e nas palavras do Evangelho iremos discorrendo por partes.

 

Pe. Antonio Vieira

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