05 agosto 2022

VII - Sermão dos Bons Anos - Antonio Vieira

 

VII

 

Acabou-se o Evangelho, e eu tenho acabado o sermão. Mas vejo que me estão caluniando e arguindo, porque não provei o que prometi. Prometi fazer neste sermão um juízo dos anos que vêm, e eu não fiz mais que referir os sucessos dos anos passados.

 

Mostrei a razão das profecias, as dilações da esperança, e oportunidade do tempo o acerto dos decretos, a propriedade e merecimento do nome, e tudo isto é história do que foi, e não prognóstico do que há-de ser. Ora, ainda que o não pareça, eu me tenho desempenhado do que prometi, e todo este discurso foi um prognóstico certo e um juízo infalível dos anos que vêm Tudo o que disse, ou foram profecias cumpridas, ou benefícios manifestos da mão de Deus: e em profecias e benefícios começados, o mesmo é referir o passado, que prognosticar e segurar o futuro.

 

Partiu Cristo desterrado a Egipto, e diz o Evangelista S. Mateus: Ut impleretur, quod dictum est per prophetam: exAegyptovocaviFiliummeum: que aqui «se cumpriu a profecia do profeta Oseas, em que dizia Deus, que havia de chamar e tirar do Egipto a seu Filho».

 

Dificultoso lugar! Argumento assim: as profecias não se cumprem, senão quando sucedem as cousas profetizadas: Cristo não voltou do Egipto senão daí a sete anos; logo, não se cumpriu então, nem se podia cumprir esta profecia de Oseas. Se dissera o Evangelista, que se cumpria a profecia de Isaías: Ecce Dominus ascendetsupernubem levem et ingredieturAegyptum, claro estava; mas dizer, quando entrou no Egipto, que então se cumpriu a profecia de quando saiu, que não foi senão daí a tantos anos, como

pode ser? Reparo foi este de Ruperto Abade, o qual satisfaz à dú vida com uma razão mística; mas a literal, e que nos serve é esta: Como as profecias, quanto à evidência, se qualificam pelos efeitos, e na execução do que prometem têm a canonização de sua verdade; é consequência tão infalível cumpridas as primeiras profecias haverem-se de cumprir as segundas, que quando se mostra o cumprimento de umas, logo se podem dar por cumpridas as outras. Por isso o Evangelista, ainda discursando humanamente, quando viu que se cumpria a profecia de Cristo entrar no Egipto, deu logo por cumprida também a profecia de haver de voltar para a pátria; e assim disse: Ut impleretur quod dictum est per prophetam: que então se cumpriu o que tinha profetizado Oseas, não quanto à execução, senão quanto à evidência; porque o cumprimento da profecia passada, era nova e certa profecia de se cumprir a futura; que se numa parte não faltou o efeito, como poderia faltar na outra? Muitas felicidades tem logo que ver Portugal nos anos seguintes e muitas lhe tenho eu prognosticado neste sermão; porque, como as mesmas profecias que prometeram o que vemos cumprido, prometem ainda outros maiores aumentos a este Reino ou a este Império, como elas dizem, o mesmo foi referir o desempenho felicíssimo das profecias passadas, que prognosticar, antes segurar com firmeza o cumprimento infalível das que estão por vir. Se as nossas profecias na parte mais dificultosa foram profecias, na parte mais fácil, que resta, porque o não serão?

 

Sete cousas profetizou o Anjo embaixador à Virgem Maria: Ecce concipies in utero, etpariesFilium, et vocabis nomen ejusJesum. Hic eritmagnus, etFiliusAltissimivocabitur, et dabitilli Dominus Deus sedem David Patrisejus et regnabit in domo Jacob in aeternum, et regniejus non erit finis:

-que «conceberia; que pariria um filho;

- que lhe poria por nome Jesus;

- que seria grande;

- que se chamaria Filho de Deus;

- que Deus lhe daria o trono de David seu Pai;

- que reinaria na casa de Jacob para sempre;

- que seu Reino não teria .fim .

 

E destas sete profecias, vendo cumprida Santa Isabel só a primeira, pelos efeitos dela julgou que se haviam de cumprir todas as mais: Quoniampreficienturea, quaedicta sunt tibi a Domino. O mesmo discurso fiz eu, e o devemos fazer todos os Portugueses, se não queremos ser hereges da boa razão e de uma fé mais que humana, dando todos c parabém a Portugal e chamando-lhe mil vezes feliz: Quoniamperficientur et, quaedicta sunt tibi a Domino. Por que como se começaram a cumprir as profecias em sua restauração, assim ás levará Deus por diante e lhes dará o

cumprimento gloriosíssimo que elas prometam. Até agora era necessária pia afeição para dar fé às nossa; profecias mas já hoje basta o discurso e boa razão, por que os efeitos presentes das passadas são nova profecia dos futuros; bem assim como (para que até aqui nos não falte o Evangelho) a imposição do nome de Jesus que hoje chamaram a Cristo – Vocatum est nomen ejus Jesus – foi cumprimento do que estava profetizado e profecia do que estava por cumprir. Foi cumprimento do que estava profetizado, porque profetizado estava que se chamaria Jesus o Filho da Virgem: PariesFiliumetvocabis nomen ejusJesum. Foi profecia do que estava por cumprir, porque o nome de Jesus, que quer dizer Salvador, era profecia que havia de salvar Cristo e remir o género humano: Vocabitur nomen ejus Jesus: ipse enimsalvumfacietpopulumsuum a peccatiseorum.

 

Pe. Antonio Vieira

Nenhum comentário:

Postar um comentário