IV
Eugénio pensava também no casamento, mas não da mesma
forma de sua mãe. A ideia de casar-se para pagar as dividas repugnava-lhe.
Queria fazê-lo mas por amor. Olhava as raparigas que encontrava, examinava-as
minuciosamente, comparava-as, mas não se decidia.
Entretanto, as suas relações com Stepanida continuavam
e nada indicava que pensasse acabar com elas. Depois do primeiro encontro,
Eugénio julgou que não a procuraria mais.
Todavia, passado algum tempo voltou a sentir-se
inquieto, e na sua inquietação evocava aqueles mesmos olhos negros e
brilhantes, aquela mesma voz grave, aquele mesmo aroma de mulher fresca e sádia,
aquele mesmo peito vigoroso que tufava a blusa. Tudo isto lhe passava pela
mente associado à ideia dum bosque de nogueiras e plátanos, inundado de luz.
Apesar de envergonhado, apelou outra vez para Danilo.
E novamente a entrevista foi marcada para o meio-dia. Desta vez, Eugénio
examinou-a demoradamente a rapariga e tudo
nela lhe pareceu atraente. Procurou conversar,
falou-lhe do marido. Era, com efeito, o filho de Mikhail e trabalhava em
Moscovo como cocheiro.
- Bem... e que é que faz ele para o enganares?
- Ah! - exclamou ela rindo. - Penso que ele, lá onde
está, também se não priva de nada.
Então, porque não hei-de eu fazer outro tanto?
Via-se que se esforçava por mostrar arrogância e isto
pareceu a Eugénio encantador. Apesar disso não lhe marcou nova entrevista.
Quando ela propôs que voltassem a encontrar-se sem a intervenção de Danilo, com
quem não parecia simpatizar, Eugénio recusou-se. Esperava que fosse aquela a
última vez. Apesar disso Stepanida agradava-lhe; de resto, entendia que uma
ligação destas lhe era necessária e que daí não lhe viria nenhum mal.
No entanto, no íntimo, um juiz mais severo
repreendia-o, e por isso Eugénio contava que fosse aquele o último encontro.
Porém passou-se o verão e durante esse tempo encontraram-se uma dezena de vezes
mas sempre com a interferência de Danilo. Certa ocasião, ela não apareceu,
porque o marido chegara. Depois, ele regressou a Moscovo e as entrevistas
recomeçaram, a princípio com a cumplicidade de Danilo, mas, por fim, Eugénio
marcava o dia e ela vinha acompanhada duma outra mulher.
Um dia, precisamente à hora em que se devia realizar o
encontro, Maria Pavlovna recebeu a visita duma rapariga com quem muito desejava
casar o filho, o que tornou impossível a saída de Eugénio. Logo que pôde
escapar-se, fingiu ir à granja e, por uma vereda, correu para o bosque, para o
lugar da entrevista. Ela não estava, e tudo quanto havia no sítio fora destruído:
nogueiras, cerejeiras e até os plátanos pequenos. Stepanida, como Eugénio a
fizesse esperar, enervou-se e devastou tudo o que encontrou pela frente.
Eugénio ainda ali se demorou uns momentos, mas em
seguida correu à choupana de Danilo e pediu-lhe que a convencesse a voltar no
dia seguinte.
Assim se passou todo o verão. Estes encontros deram-se
sempre no bosque, à exceção duma vez, já perto do outono, em que se encontraram
na granja. A Eugénio nem lhe passava pela cabeça que aquelas relações viessem a
ter, para si, qualquer complicação futura. Quanto ao caso de Stepanida, nem
pensava nisso: dava-lhe dinheiro e tudo ficaria arrumado. Não sabia nem podia
imaginar que toda a aldeia estava ao corrente das suas ligações, que todos
invejavam Stepanida, lhe extorquiam dinheiro, a encorajavam, e que, sob a
influência e os conselhos dos parentes, desaparecia completamente, para a
rapariga, a noção do seu irregular comportamento. Parecia-lhe até que, pelo
facto de os outros a invejarem, ela só procedia bem.
Muitas vezes Eugénio punha-se a discorrer: Admitamos
que não está certo... e, embora ninguém diga nada, toda a gente deve saber... A
mulher que a acompanha com certeza dá à língua... Parece-me que ando por mau
caminho, mas como deve ser por pouco tempo.
O que mais aborrecia Eugénio era saber que ela tinha
marido. A princípio, até sem saber porquê, imaginava-o feio e, se assim fosse,
estava justificado em parte o procedimento da mulher. Mas quando uma vez o viu,
ficou espantado; era um rapaz elegante, em nada inferior a ele, tinha até mesmo
melhor apresentação. No primeiro encontro que tiveram depois disso, ele pô-la
ao facto da impressão com que ficou a respeito do marido.
- Não há melhor em toda a aldeia! - exclamou ela com
orgulho.
Isto mais espantou Eugénio. Uma vez, em casa de
Danilo, no decorrer de uma conversa, este disse-lhe:
- Mikhail perguntou-me há dias se era verdade o senhor
andar a namorar-lhe a mulher.
Respondi-lhe que de nada sabia.
- Ora! - disse ele - afinal de contas, antes com um
fidalgo, do que com um camponês.
- E que mais disse ele?
- Nada, nada mais do que isto: - Vou saber a verdade e
depois lhe farei ver.
- Se ele voltar da cidade deixá-la-ei.
Mas o marido lá ia ficando e as suas relações
mantinham-se inalteráveis. Chegado o momento próprio, acabarei com isto duma
vez para sempre, pensava. A questão parecia-lhe
de fácil solução, tanto mais que nessa época andava
muito ocupado com os seus trabalhos, a construção duma nova casa, a colheita, o
pagamento de dívidas e a venda de uma parte das terras. Essas coisas
absorviam-no inteiramente. E tudo isso era a vida, a verdadeira vida, enquanto
as suas relações com Stepanida, que vendo bem não tomava muito a sério, não
tinham o mínimo interesse. É certo que, quando lhe vinha o desejo de a ver, em
nada mais pensava. Isto, porém, não durava muito: depois duma entrevista, a
esquecia de novo durante semanas e, às vezes, até mais.
Entretanto, começou a frequentar a cidade onde vivia a
família Annensky e onde conheceu uma menina que acabava de sair do colégio. Com
grande tristeza de Maria Pavlovna, Eugénio enamorou-se de Lisa e pediu-a em
casamento. Assim terminaram as suas relações com Stepanida.
Barros Vital
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