05 agosto 2022

XII - A Tortura da Carne

 

XII

 

Lisa melhorava pouco a pouco; já dava pequenos passeios mas inquietava-se com a mudança do marido, cuja causa ela não compreendia. Bárbara Alexievna retirou-se por algum tempo e em casa apenas ficaram o tio e Maria Pavlovna. Eugénio encontrava-se nesse estado de angústia, quando chegaram as grandes chuvas que se prolongam por alguns dias, como sucede sempre depois das tempestades de Junho. As chuvas fizeram suspender todos os trabalhos: não se podia juntar o estrume por causa da humidade e da lama e os camponeses esperavam em casa; os pastores dificilmente conseguiam meter os rebanhos nos redis, as vacas e os carneiros invadiam os pátios, e as mulheres descalças e de xale, patinhando na lama, procuravam os animais tresmalhados. Os caminhos estavam transformados em ribeiros, as folhas e a erva estavam ensopados, os riachos e as lagoas transbordavam. Eugénio ficara em casa com a mulher, que começara a sentir-se um pouco agoniada. Lisa várias vezes interrogara o marido sobre a causa daquela mudança de disposição, mas ele respondia-lhe com enfado dizendo que não tinha nada. Lisa desistira por fim de o interrogar e ficara triste.

Uma tarde, depois do almoço, estavam todos reunidos no salão e pela milésima vez o tio contava as suas aventuras mundanas. Lisa trabalhava num casaquinho de bebé e suspirava, queixando-se do mau tempo e de dores nos rins. O tio pediu vinho e aconselhou-a a que se deitasse. Eugénio aborrecia-se muito em casa; tudo ali lhe era desagradável. Fumava e lia, mas sem compreender o que lia. «Tenho que sair para ver o que se passa», disse, e levantou-se para sair.

- Leva o guarda-chuva.

- Não, tenho o casaco de couro, e não vou ao bosque.

Calçou as botas, vestiu o casaco de couro e foi até à refinaria. Mas ainda não tinha dado vinte passos quando encontrou Stepanida com a saia arregaçada até ao joelho, mostrando a perna branca. Caminhava segurando, com as mãos o xale que lhe cobria a cabeça e os ombros.

- Que procuras? - perguntou sem saber com quem falava.

Quando a reconheceu já era tarde. Ela parou, sorriu, fitou-o demoradamente.

- Procuro um bezerrinho. Onde vai o senhor com este tempo? - perguntou como se se vissem todos os dias.

- Vamos à cabana - disse Eugénio sem mesmo dar pelas palavras que pronunciara.

Ela fez, com os olhos, um sinal de assentimento e dirigiu-se para o jardim direita à cabana; ele seguiu o seu caminho com intenção de contornar o massiço de lilazes e ir juntar-se-lhe.

- Senhor! - gritaram-lhe atrás - a senhora pede-lhe que vá a casa depressa.

Era o criado Miguel. Meu Deus! salvaste-me pela segunda vez!, pensou Eugénio; e voltou logo para casa. Lisa queria lembrar-lhe que ele prometera uma poção a certa doente e

pedia-lhe que não se esqueceria de a arranjar.

Decorreram quinze minutos enquanto preparava a poção e, quando saiu, não se atreveu a ir directamente à cabana receando que alguém o visse. Mal percebeu que o não viam, deu uma volta e dirigiu-se para a cabana. Sonhava vê-la ali sorrindo alegremente, mas não a encontrou, e não havia indício de lá ter estado. Pensou que não tivesse ido, que não compreendesse ou não ouvisse as suas palavras murmuradas entre dentes, ou que talvez não o quisesse. «E porque razão havia de lançar-se-me ao pescoço?» interrogara. «Tem o marido. Eu é que sou um miserável; tenho uma linda mulher e ando atrás de outra».

Sentado na cabana onde a água escorria a um canto, Eugénio pensava. Que felicidade se ela tivesse vindo! Sozinhos ali, com aquela chuva! Possuí-la ao menos uma vez, quaisquer que fossem as consequências! «Ah, sim - lembrou-se - se ela veio deve ter deixado rasto». Olhou para o chão, para um carreirinho sem relva e notou as pegadas de um pé descalço.

Sim, ela tinha vindo. Já não hesitaria. Onde quer que a visse, iria ter com ela. Iria a sua casa, de noite. Esteve muito tempo na cabana acabando por se afastar ansioso e cansado.

Levou a poção, regressou a casa e deitou-se à espera da hora do jantar.

 

Barros Vital

Nenhum comentário:

Postar um comentário