Humanos são fascinados por cobras
Desde
os primórdios da história, em muitos povos ao redor do mundo, as cobras têm
causado sentimentos contraditórios em humanos, como medo e repulsa, respeito e
adoração.
O
medo e a repulsa podem ter diversas origens.
O
veneno produzido por algumas espécies possivelmente é a principal causa das
cobras serem consideradas criaturas perversas. Mas, no Brasil, menos de 14% das
espécies têm potencial para causar envenenamento grave em humanos.
E
essa porcentagem pode ser ainda mais baixa, se considerarmos que Cobras-corais
verdadeiras, embora peçonhentas, raramente mordem.
O
medo do veneno possivelmente tem origem no fato de que a maioria das pessoas
nunca teve contato direto com uma cobra e nunca recebeu orientação correta
sobre como diferenciar espécies perigosas de inofensivas.
Muitos
animais instintivamente temem cobras, mas em humanos, o medo possivelmente tem
origem cultural ou religiosa.
No
Brasil, atualmente a principal religião é o cristianismo, onde uma imagem
negativa de uma cobra está retratada nos jardins do Éden, como responsável pela
tentação que levou Eva a desobedecer a uma ordem de Deus.
A
cobra é associada a ações negativas que podem levar a humanidade à sua própria
ruína, como enganação, traição e a culpa pelo pecado original.
Na Amazônia brasileira, muitos caboclos ribeirinhos sustentam lendas, como a da cobra grande, com mais de 30 metros de comprimento, que engole canoas e pessoas.
Figura 27 - Para muitos povos nativos na Amazônia, as cobras não são consideradas malignas, mas símbolos de força e coragem. Índio Borari manuseando uma Periquitamboia Corallus batesii.
No
entanto, índios amazônicos que mantêm seus costumes tradicionais, podem não ver
cobras como criaturas malignas, mas sim como símbolos de força e coragem
(Figura 27), reproduzidos em artesanatos e pinturas corporais.
Nas
crenças de alguns grupos indígenas, uma grande cobra passeou por sobre a floresta,
abrindo caminhos por onde correriam as águas, e dessa forma seriam criados os
rios e igarapés.
É
fácil entender a importância da cobra grande para esses índios, se
considerarmos que eles dependem dos rios e igarapés para sua sobrevivência.
Uma
crença muito semelhante é encontrada entre povos nativos da Austrália, como a
lenda da Serpente Arco-íris.
Em
algumas culturas e religiões, as cobras são admiradas e cultuadas como deusas
ou criaturas místicas.
Os
antigos alquimistas em sua simbologia utilizavam uma cobra mordendo a própria
cauda, o Ouroboro (Figura 28), para representar a eternidade, cuja definição
pode estar relacionada à criação do universo.
Figura 28 - Uma cobra mordendo a própria cauda é um símbolo alquimista, denominado Ouroboro, que representa a eternidade ou a própria criação do universo.
Segundo
as lendas, o Ouroboro se enrola em torno do mundo, e assim mantém seus pedaços
unidos.
Outras
religiões, como Hinduísmo e Xamanismo, consideravam cobras como representantes
da cura e regeneração, onde a troca de pele simbolizava renovação não apenas
física, mas também espiritual.
Os
gregos antigos desenvolveram as primeiras formas científicas de medicina, que
ainda continham elementos religiosos.
As
primeiras práticas científicas da medicina eram realizadas em santuários
construídos para o culto de Esculápio, o Deus da cura. Segundo a religião
grega, Esculápio, filho de Apolo e Coronis, nasceu de um ovo, na forma de uma
serpente.
Esculápio
é representado por um ancião com uma serpente enrolada em seu cajado, chamado
Caduceu, posteriormente, consagrado como símbolo universal da medicina.
Por
influência da mitologia grega, as cobras também estão presentes nos símbolos de
diversas áreas da saúde, como a veterinária, odontologia, psicologia e farmácia
(Figura 29).
Outra
sociedade humana que teve uma relação fascinante e intrigante com cobras foram
os egípcios.
Eles
eram politeístas (cultuavam vários deuses) e suas entidades divinas tinham
origem principalmente em fenômenos naturais e animais, como cachorros, falcões,
escaravelhos e cobras.
Provavelmente
um resquício comportamental dos nossos ancestrais hominídeos, que não
compreendiam fenômenos naturais como raios, trovões, movimentação do sol e da
lua, e por isso os cultuavam como entidades mágicas, superiores ou
sobrenaturais, o que talvez tenha sido a primeira forma de religião.
Na
religiosidade egípcia, Apófis (ou Apópis) era uma serpente gigante maligna.
De
acordo com as lendas, o grande Deus Rá, juntamente com outros deuses, como Seth
e Kepri, vagavam todas as noites pelo submundo, lutando contra Apófis.
A
grande serpente Apófis era considerada uma cobra maligna, mas a luta diária a
qual era submetida pelos Deuses mantinha o equilíbrio do mundo terreno.
A
deusa uadite também era representada pelos egípcios com a figura de uma cobra.
Segundo
as lendas, os faraós eram protegidos contra agressores por símbolos de uadite
presentes em suas coroas, que emitiam fogo e expulsavam qualquer um que
tentasse atacá-los.
Figura 29 - Os gregos antigos consideravam as cobras como símbolos de sabedoria, e por isso as representavam como símbolos universais para áreas da saúde, como a medicina (A), psicologia (B) e farmácia (C).