Introdução
O objetivo deste módulo é alertar os bombeiros para os
possíveis efeitos do incêndio tanto no organismo humano quanto na estrutura da edificação,
enfatizando a necessidade do uso adequado dos equipamentos de proteção
individual e da observação constante como forma de prevenção de danos.
Não é objetivo deste manual o aprofundamento na matéria de primeiros
socorros, mas, sim, chamar a atenção dos bombeiros para as conseqüências da
exposição ao fogo e ao calor durante o combate aos incêndios, bem como para as
ações que devem ser tomadas durante e após o combate.
Vale ressaltar a importância da presença de viatura de emergência
médica nas ocorrências, para atender às vítimas e aos bombeiros envolvidos no
combate que, eventualmente, possam se lesionar.
Os incêndios, independentemente de onde ocorrem, tornam os ambientes
em locais adversos, em virtude da presença de gases tóxicos e asfixiantes
provenientes da combustão e do calor. Estes são produzidos em quantidade
suficiente para causar danos graves ao organismo humano, dentre os quais estão
incluídos os perigos respiratórios, os efeitos sistêmicos, as explosões e as
queimaduras.
Da mesma forma, há necessidade de que os bombeiros saibam identificar
os sinais de um possível colapso estrutural para agirem em prol da segurança
individual e coletiva, bem como prevenir e agir nos casos de pânico.
Os combatentes devem cuidar de sua saúde e segurança com o mesmo
empenho com que arriscam suas vidas por outras pessoas.
Lesões por inalação de fumaça
Os pulmões e as vias aéreas são mais vulneráveis a lesões decorrentes de incêndio que outras áreas do corpo, em
virtude de os sinistros, sejam ao ar livre ou confinados, apresentarem
atmosfera potencialmente tóxica. Por isso, somente bombeiros treinados e protegidos,
adequadamente, devem efetuar o combate ao fogo.
Segundo o artigo “Lesão por inalação de fumaça”, do Jornal
de Pneumologia (Souza, R. e outros), a lesão inalatória é resultante do processo
inflamatório das vias aéreas após a inalação de fumaça, sendo a principal
responsável pela mortalidade de vítimas de queimaduras.
A presença de lesão inalatória por si só aumenta em 20% a mortalidade associada à extensão da queimadura.
Existem quatro mecanismos de lesão inalatória associada a incêndio:
deficiência de oxigênio;
temperatura elevada;
partículas encontradas na fumaça;
gases tóxicos associados ao incêndio.
Em todos esses casos, a prevenção das lesões reside no uso
do equipamento de proteção respiratória descrito no Módulo 3 deste manual.
Sem esse tipo de equipamento, os bombeiros estarão se
expondo à condição de muito perigo.
A utilização de oxímetro de pulso em vítimas de intoxicação
por fumaça será inútil, pois esse tipo de equipamento não possui capacidade de
diferir os comprimentos de onda gerados pela oxihemoglobina ou pela carboxihemoglobina,
fornecendo valores errôneos, ou seja, altos valores da concentração de oxigênio
na corrente sanguínea.
Deficiência de oxigênio
O processo de combustão consome oxigênio enquanto produz gases
tóxicos que ocupam o espaço do oxigênio ou diminuem sua concentração. Quando a
concentração de oxigênio é menor que 18% o corpo começa a reagir, aumentando a
freqüência respiratória.
São sinais e sintomas da deficiência de oxigênio:
diminuição da coordenação motora;
tontura;
desorientação;
dor de cabeça;
exaustão;
inconsciência;
morte.
Além dos incêndios, a deficiência de oxigênio pode ocorrer
em ambientes confinados, como silos ou cômodos protegidos por sistema de extinção
de incêndio por gás carbônico (CO2), após o seu acionamento.
Temperatura elevada
A ação decorrente da temperatura da fumaça inalada raramente
provoca lesões abaixo da laringe. Apesar de possuir alta temperatura, a fumaça
tende a ser seca, o que diminui muito o potencial de troca de calor.
As lesões em vias aéreas superiores (nariz e boca) são caracterizadas
pela presença de vermelhidão, inchaço e feridas, podendo haver sangramento
local ou mesmo obstrução da área atingida. Se a fumaça estiver misturada a
vapor úmido, o dano é ainda maior.
A entrada repentina de ar quente nos pulmões pode causar queda de pressão e falha do sistema circulatório. Também
pode ocorrer edema pulmonar, que é o inchaço por acúmulo de fluidos nos
pulmões, levando à morte por asfixia.
O tratamento de vítimas de incêndio é sempre intra-hospitalar. Em
todos os casos, haverá necessidade de transporte ao hospital com urgência.
O dano aos tecidos respiratórios causado pelo ar quente não
é revertido, imediatamente, pela inalação de ar fresco.
Partículas encontradas na fumaça
A fumaça produzida pelo incêndio é uma suspensão de partículas
de carbono, alcatrão e poeira, flutuando numa combinação de gases aquecidos. As
partículas fornecem uma área para condensação de alguns dos gases da combustão,
especialmente ácidos orgânicos e aldeídos.
Algumas dessas partículas suspensas na fumaça são apenas irritantes,
mas outras podem ser letais. O tamanho das partículas determina o quanto elas
irão penetrar no sistema respiratório desprotegido.
Gases tóxicos associados ao incêndio
Como dito anteriormente, o incêndio propicia a exposição do organismo
a combinações de gases irritantes e tóxicos.
A inalação de gases tóxicos pode ocasionar vários efeitos danosos
ao organismo humano. Alguns dos gases causam danos diretos aos tecidos dos
pulmões e às suas funções.
Outros gases não provocam efeitos danosos diretamente nos
pulmões, mas entram na corrente sanguínea e chegam a outras partes do corpo,
diminuindo a capacidade das hemácias de transportar oxigênio.
Os gases tóxicos liberados pelo incêndio variam conforme
quatro fatores:
natureza do combustível;
calor produzido;
temperatura dos gases liberados;
concentração de oxigênio.
Os principais gases produzidos são o monóxido de carbono (CO), dióxido de nitrogênio (NO2), dióxido de carbono (CO2),
acroleína, dióxido de enxofre (SO2), ácido cianídrico (HCN), ácido clorídrico
(HCl), metano (CH4) e amônia (NH3).
Monóxido de Carbono (CO)
O monóxido de carbono (CO) é o produto da combustão que causa
mais mortes em incêndios. É um gás incolor e inodoro presente em todo incêndio,
mas principalmente naqueles pouco ventilados.
Nos incêndios, em geral, quanto mais escura a fumaça, mais monóxido
de carbono está sendo produzido por causa da combustão incompleta.
A fumaça escura é rica em partículas de carbono e monóxido de
carbono, devido à combustão incompleta do material.
O perigo do monóxido de carbono reside na sua forte combinação
com a hemoglobina, cuja função é levar oxigênio às células do corpo. O ferro da
hemoglobina do sangue junta-se com o oxigênio numa combinação química fraca,
chamada de oxihemoglobina.
A principal característica do monóxido de carbono é de combinar-se
com o ferro da hemoglobina tão rapidamente que o oxigênio disponível não
consegue ser transportado.
Essa combinação molecular é denominada carboxihemoglobina
(COHb). A afinidade do monóxido de carbono com a hemoglobina é aproximadamente
na ordem de 200 a 300 vezes maior que a do oxigênio com ela.
O monóxido de carbono não age sobre o corpo, mas
impede que o oxigênio seja transportado pelo sangue
ao cérebro e tecidos. Por isso, a exposição ao gás deve ser
imediatamente interrompida.
A concentração de monóxido de carbono no ar acima de 0,05% (500
partes por milhão) pode ser perigosa. Quando a porcentagem passa de 1% (10.000
partes por milhão) pode acontecer perda de consciência, sem que ocorram
sintomas anteriores perceptíveis, podendo provocar convulsões e a morte.
Mesmo em baixas concentrações, o bombeiro não deve utilizar sinais
e sintomas como indicadores de segurança.
Dor de cabeça, tontura, náusea, vômito e pele avermelhada
podem ocorrer em concentrações variadas, de acordo com fatores individuais.
Dióxido de Carbono (CO2)
É um gás incolor e inodoro. Não é tão tóxico como o CO, mas também
é muito produzido em incêndios e a sua inalação, associada ao esforço físico,
provoca um aumento da frequência e da intensidade da respiração.
Concentrações de até 2% do gás aumentam em 50% o ritmo respiratório
do indivíduo. Se a concentração do gás na corrente sanguínea chegar a 10%, pode
provocar a morte.
O gás carbônico também forma com a hemoglobina a carboxihemoglobina,
contudo, com uma combinação mais fraca que a produzida pelo monóxido de
carbono. Os efeitos danosos ao organismo, predominantemente, decorrem da
concentração de carboxihemoglobina no sangue.
A alta concentração de carboxihemoglobina produz privação de
oxigênio, a qual afeta, principalmente, o coração e o cérebro.
Ácido Cianídrico (HCN)
É produzido a partir da queima de combustíveis que contenham
nitrogênio, como os materiais sintéticos (lã, seda, nylon, poliuretanos,
plásticos e resinas).
É aproximadamente vinte vezes mais tóxico que o monóxido de carbono.
Assim como o CO, também age sobre o ferro da hemoglobina do sangue, além de
impedir a produção de enzimas que atuam no processo da respiração, sendo,
portanto, definido como o produto mais tóxico presente na fumaça.
Da mesma forma que o CO, pode produzir intoxicações graves, caracterizadas
por distúrbios neurológicos e depressão respiratória, até intoxicações
fulminantes, que provocam inconsciência, convulsões e óbitos em poucos segundos
de exposição.
O ácido cianídrico é o produto mais tóxico presente na fumaça.
Ácido Clorídrico (HCl)
Forma-se a partir de materiais que contenham cloro em sua composição, como o PVC. É um gás que causa irritação nos
olhos e nas vias aéreas superiores, podendo produzir distúrbios de
comportamento, disfunções respiratórias e infecções.
Acroleína
É um irritante pulmonar que se forma a partir da combustão
de polietilenos encontrados em tecidos. Pode causar a morte por complicações
pulmonares horas depois da exposição.
Amônia
É um gás irritante e corrosivo, podendo produzir queimaduras
graves e necrose na pele. Os sintomas à exposição incluem desde náusea e vômitos
até danos aos lábios, boca e esôfago.
Bombeiros contaminados por amônia devem receber tratamento intensivo,
ser transportados com urgência para um hospital, sem utilizar água nem oxigênio
no pré-atendimento.
A tabela a seguir apresenta os efeitos de outros gases, que
também podem estar presentes na fumaça.
Tabela 1 - Efeitos de alguns gases sobre o organismo Gás Origem Efeitos toxicológicos
Ingestão de leite em casos de intoxicação profissional
Entre pessoas que trabalham com tintas, vernizes, solventes,
poeiras e fumaças é comum a crença de que o consumo de leite protege o organismo
de elementos nocivos.
Como alimento, o leite possui muitas qualidades necessárias
ao organismo humano. Entretanto, em condição de incêndio, pode provocar dores
abdominais, diarréia, vômitos e coceiras pelo corpo.
Não há, até o momento, nenhum estudo científico que comprove
o poder antitóxico do leite. Portanto, sua utilização pelos bombeiros afetados
por incêndio não deve ser admitida, a menos que sob prescrição médica, após
atendimento intra-hospitalar.