1. Introdução
Os acidentes escorpiônicos são importantes em virtude
da grande freqüência com que ocorrem e da sua potencial gravidade,
principalmente em crianças picadas pelo Tityus
serrulatus.
2. Epidemiologia
A partir da implantação da notificação dos acidentes
escorpiônicos no país, em 1988, vem se verificando um aumento significativo no
número de casos. Dados do Ministério da Saúde indicam a ocorrência de cerca de
8.000 acidentes/ano, com um coeficiente de incidência de aproximadamente
três casos/100.000 habitantes.
0 maior número de notificações é proveniente dos
estados de Minas
Gerais e São Paulo, responsáveis por 50% do total. Tem sido
registrado aumento significativo de dados provenientes dos estados da Bahia,
Rio Grande do Norte, Alagoas e Ceará.
Os principais agentes de importância médica são: T. serrulatus,
responsável por acidentes de maior gravidade, T.
bahiensis e T. stigmurus.
Na região Sudeste, a sazonalidade é semelhante à dos
acidentes ofídicos. ocorrendo a maioria dos casos nos meses quentes e chuvosos.
As picadas atingem predominantemente os membros
superiores, 65% das quais acometendo mão e antebraço.
A maioria dos casos tem curso benigno, situando-se a
letalidade em 0,58%. Os óbitos têm sido associados, com maior freqüência, a
acidentes causados por T.
serrulatus, ocorrendo mais comumente em
crianças menores de 14 anos (tabela 4).
3. Escorpiões de importância médica
Os escorpiões ou lacraus apresentam o corpo formado
pelo tronco (prosoma e mesosoma) e pela cauda (metasoma). O prosoma dorsalmente
é coberto por uma carapaça indivisa, o cefalotórax, e nele se articulam os
quatro pares de pernas, um par de quelíceras e um par de pedipalpos. O mesosoma
apresenta sete segmentos dorsais, os tergitos, e cinco ventrais, os esternitos.
A cauda é formada por cinco segmentos e no final da mesma situa-se o telso, composto
de vesícula e ferrão (aguilhão) (fig. 28). A vesícula contém duas glândulas de
veneno. Estas glândulas produzem o veneno que é inoculado pelo ferrão.
Os escorpiões são animais carnívoros, alimentando-se
principalmente de insetos, como grilos ou baratas. Apresentam hábitos noturnos, escondendo-se durante o dia
sob pedras, troncos, dormentes de linha de trem, em entulhos, telhas ou tijolos.
Muitas espécies vivem em áreas urbanas, onde encontram abrigo dentro e próximo
das casas, bem como alimentação farta. Os escorpiões podem sobreviver vários
meses sem alimento e mesmo sem água, o que torna seu combate muito difícil.
Os escorpiões de importância médica no Brasil pertencem
ao gênero Tityus (fig. 29), que é o mais rico em espécies, representando
cerca de 60% da fauna escorpiônica neotropical (figs. 30, 31, 32, 33 e 34).
Do ponto de vista de saúde pública, tem sido
preocupante o aumento da dispersão do Tityus
serrulatus. Esta espécie tem sido encontrada
no Recôncavo Baiano, Distrito Federal, Minas Gerais, na periferia da cidade de
São Paulo, no interior do estado de São Paulo e norte do Paraná. Esta dispersão
tem sido explicada em parte pelo fato de a espécie Tityus serrulatus se reproduzir por partenogênese.
No estado de Pernambuco (Recife), há relatos de óbitos
provocados por T. stigmurus, espécie que também tem sido capturada em Alagoas. O T. cambridgei (escorpião
preto) é a espécie mais freqüente na Amazônia Ocidental (Pará e Marajó), embora
quase não haja registro de acidentes.
4. Ações do veneno
Estudos bioquímicos experimentais demonstraram que a
inoculação do veneno bruto ou de algumas frações purificadas ocasiona dor local
e efeitos complexos nos canais de sódio, produzindo despolarização das
terminações nervosas pós-ganglionares, com liberação de catecolaminas
e acetilcolina. Estes mediadores determinam o aparecimento de manifestações
orgânicas decorrentes da predominância dos efeitos simpáticos ou
parassimpáticos.
5. Quadro clínico
Os acidentes por Tityus
serrulatus são mais graves que os produzidos
por outras espécies de Tityus
no Brasil. A dor local, uma
constante no escorpionismo, pode ser acompanhada por parestesias. Nos acidentes
moderados e graves, observados principalmente em crianças, após intervalo de
minutos até poucas horas (duas, três horas), podem surgir manifestações
sistêmicas. As principais são:
a) Gerais: hipo
ou hipertermia e sudorese profusa.
b) Digestivas: náuseas,
vômitos, sialorréia e, mais raramente, dor abdominal e diarréia.
c) Cardiovasculares: arritmias
cardíacas, hipertensão ou hipotensão arterial, insuficiência cardíaca
congestiva e choque.
d) Respiratórias: taquipnéia,
dispnéia e edema pulmonar agudo.
e) Neurológicas: agitação,
sonolência, confusão mental, hipertonia e tremores.
O encontro de sinais e sintomas mencionados impõe a
suspeita diagnóstica de escorpionismo, mesmo na ausência de história de picada e independente do encontro do
escorpião.
A gravidade depende de fatores, como a espécie e
tamanho do escorpião, a quantidade de veneno inoculado, a massa corporal do
acidentado e a sensibilidade do paciente ao veneno. Influem na evolução o
diagnóstico precoce, o tempo decorrido entre a picada e a administração do soro
e a manutenção das funções vitais.
Com base nas manifestações clínicas, os acidentes podem
ser inicialmente classificados como:
a) Leves: apresentam
apenas dor no local da picada e, às vezes, parestesias.
b) Moderados: caracterizam-se
por dor intensa no local da picada e manifestações sistêmicas do tipo sudorese discreta,
náuseas, vômitos ocasionais, taquicardia, taquipnéia e hipertensão leve.
c) Graves: além
dos sinais e sintomas já mencionados, apresentam uma ou mais manifestações como
sudorese profusa, vômitos incoercíveis, salivação excessiva, alternância de
agitação com prostração, bradicardia, insuficiência cardíaca, edema pulmonar,
choque, convulsões e coma.
Os óbitos estão relacionados a complicações como edema
pulmonar agudo e choque.
6. Exames complementares
O eletrocardiograma é de grande utilidade no
acompanhamento dos pacientes. Pode mostrar taquicardia ou bradicardia sinusal,
extra-sístoles ventriculares, distúrbios da repolarização ventricular como
inversão da onda T em várias derivações, presença de ondas U proeminentes,
alterações semelhantes às observadas no infarto agudo do miocárdio (presença de
ondas Q e supra ou infradesnivelamento do segmento ST) e bloqueio da condução
atrioventricular ou intraventricular do estímulo (fig. 35). Estas alterações
desaparecem em três dias na grande maioria dos casos, mas podem persistir por
sete ou mais dias.
A radiografia de tórax pode evidenciar aumento da área cardíaca e sinais de edema pulmonar agudo, eventualmente unilateral (fig. 36). A ecocardiografia tem demonstrado, nas formas graves, hipocinesia transitória do septo interventricular e da parede posterior do ventrículo esquerdo, às vezes associada à regurgitação mitral.
A glicemia geralmente apresenta-se elevada nas formas
moderadas e graves nas primeiras horas após a picada. A amilasemia é elevada em
metade dos casos moderados e em cerca de 80% dos casos graves. A leucocitose
com neutrofilia está presente nas formas graves e em cerca de 50% das
moderadas. Usualmente há hipopotassemia e hiponatremia. A creatinofosfoquinase
e sua fração MB são elevadas em porcentagem significativa dos casos graves.
O emprego de técnicas de imunodiagnóstico (ELISA) para
detecção de veneno do escorpião Tityus
serrulatus tem demonstrado a presença de
veneno circulante nos pacientes com formas moderadas e graves de escorpionismo.
Nos raros casos de pacientes com hemiplegia, a
tomografia cerebral computadorizada pode mostrar alterações compatíveis com
infarto cerebral.
7. Tratamento
7.1. Sintomático
Consiste no alívio da dor por infiltração de lidocaína
a 2% sem vasoconstritor (1 ml a 2 ml para crianças; 3 ml a 4 ml para adultos)
no local da picada ou uso de dipirona na dose de 10 mg/kg de peso a cada seis
horas. Os distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos devem ser tratados de
acordo com as medidas apropriadas a cada caso.
7.2. Específico
Consiste na administração de soro antiescorpiônico (SAEEs) ou
antiaracnídico (SAAr) aos pacientes com formas moderadas e graves de
escorpionismo, que são mais freqüentes nas crianças picadas pelo Tityus serrulatus (8% a 10 % dos casos). Deve ser realizada, o mais
precocemente possível, por via intravenosa e em dose adequada, de acordo com a
gravidade estimada do acidente (quadro V). O objetivo da soroterapia específica
é neutralizar o veneno circulante. A dor local e os vômitos melhoram
rapidamente após a administração da soroterapia específica. A sintomatologia
cardiovascular não regride prontamente após a administração do antiveneno
específico. Entretanto, teoricamente, a
administração do antiveneno específico pode impedir o agravamento das
manifestações clínicas pela presença de títulos elevados de anticorpos
circulantes capazes de neutralizar a toxina que está sendo absorvida a partir do local da picada.
A administração do SAEEs é segura, sendo pequena a freqüência e a gravidade das reações de hipersensibilidade precoce. A liberação de adrenalina pelo veneno escorpiônico parece proteger os pacientes com manifestações adrenérgicas contra o aparecimento destas reações.
7.3. Manutenção das funções vitais
Os pacientes com manifestações sistêmicas,
especialmente crianças (casos moderados e graves), devem ser mantidos em regime de observação continuada das funções vitais,
objetivando o diagnóstico e tratamento precoces das complicações.
A bradicardia sinusal associada a baixo débito cardíaco e o bloqueio AV total devem ser tratados com injeção venosa de atropina na dose de 0,01 a 0,02 mg/kg de peso. A hipertensão arterial mantida associada ou não a edema pulmonar agudo é tratada com o emprego de nifedipina sublingual, na dose de 0,5 mg/kg de peso.
Nos pacientes com edema pulmonar agudo, além das medidas convencionais de tratamento, deve ser considerada a necessidade de ventilação artificial mecânica, dependendo da evolução clínica.
O tratamento da insuficiência cardíaca e do choque é complexo e geralmente necessita do emprego de infusão venosa contínua de dopamina e/ou dobutamina (2,5 a 20 mg/kg de peso/min), além das rotinas usuais para estas complicações.
Fonte: FUNASA.
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