05 agosto 2022

AOS VÍCIOS

 

AOS VÍCIOS

 

Eu sou aquele que os passados anos

Cantei na minha lira maldizente

Torpezas do Brasil, vícios e enganos.

E bem que os descantei bastantemente,

Canto segunda vez na mesma lira

O mesmo assunto em plectro diferente.

Já sinto que me inflama e que me inspira

Talia, que anjo é da minha guarda

Dês que Apolo mandou que me assistira.

Arda Baiona e todo o mundo arda

Que a quem de profissão falta à verdade

Nunca a dominga das verdades tarda.

Nenhum tempo excetua a cristandade

Ao pobre pegureiro do Parnaso

Para falar em sua liherdade.

A narração há de igualar ao caso

E se talvez acaso o não iguala

Não tenho por poeta o que é Pegaso.

De que pode servir calar quem cala?

Nunca se há de falar o que se sente

 

Sempre se há de sentir o que se fa1a.

Qual homem pode haver tão paciente,

Que, vendo o triste estado da Bahia

Não chore, não suspire e não lamente?

Isto faz a discreta fantasia:

Discorre em um e outro desconcerto

Condena o roubo, increpa a hipocrisia.

O néscio, o ignorante, o inexperto

Que não elege o bom, nem mau reprova

Por tudo passa deslumbrado e incerto.

E quando vê talvez na doce trova

Louvado o bem e o mal vituperado

A tudo faz focinho, e nada aprova.

Diz logo prudentaço e repousado:

-Fulano é um satírico, é um louco,

De língua má, de coração danado.

Néscio, se disso entendes nada ou pouco,

Como mofas com riso e algazaras

Musas, que estimo ter, quando as invoco.

Se souberas falar, também falaras

Também satirizaras, se souberas

E se foras poeta, poetizaras.

A ignorancia dos homens destas eras

Sisudos faz ser uns, outros prudentes,

Que a mudez canoniza bestas feras.

Há bons, por não poder ser insolentes,

 

Outros há comedidos de medrosos,

Não mordem outros não ---por não ter dentes.

Quantos há que os telhados têm vidrosos,

E deixam de atirar sua pedrada,

De sua mesma telha receosos?

Uma só natureza nos foi dada

Não criou Deus os naturais diversos;

Um só Adão criou e esse de nada.

Todos somos ruins, todos perversos,

Só nos distingue o vício e a virtude,

De que uns são comensais, outros adversos

Quem maior a tiver do que eu ter pude,

Esse só me censure, esse me note,

Calem-se os mais chitom, e haja saúde.

********************

 

Gregório de Matos

Nenhum comentário:

Postar um comentário