V
Que teria levado Eugénio a escolher para sua noiva
Lisa Annensky? Não se encontra uma explicação, pois ninguém sabe o motivo
porque um homem escolhe esta ou aquela mulher.
Contudo nessa escolha havia uma série de prós e
contras a considerar. Em primeiro lugar, Lisa não era o rico partido que a mãe
sonhara para ele, nem embora fosse bonita, era uma dessas belezas que fascinam
qualquer rapaz. Mas aconteceu conhece-la precisamente na ocasião em que
principiava a amadurecer para o casamento. Lisa Annensky, de começo
agradara-lhe e nada mais. Porém, ao resolver fazer dela sua mulher,
experimentou um mais vivo sentimento e percebeu que estava apaixonado. Lisa era
alta, delgada e esbelta. Tinha a pele do rosto fina e branca com um leve e
permanente rubor; os cabelos loiros, sedosos, longos e encaracolados; os olhos
eram azuis, suaves e confiantes. Quanto às suas qualidades morais, nada delas
conhecia. Não via mais que os seus olhos, que pareciam-lhe dizer tudo quanto
ele precisava saber.
Desde os quinze anos, ainda colegial, que Lisa se
enamorava de quase todos os rapazes que conhecia. Só se sentia feliz quando
tinha algum namoro. Depois de sair do colégio, continuou a gostar de todos os
jovens que via e, muito naturalmente, apaixonou-se por Eugénio logo que o
conheceu. Era esse temperamento amoroso que lhe dava aos olhos aquela expressão
tão doce que seduziu Eugénio.
Naquele mesmo inverno andava ela enamorada por dois
rapazes, a um tempo, e corava, e ficava perturbada se acontecia algum deles
entrar onde ela já estivesse, ou até quando deles se falava. Mas, desde que a
mãe lhe dera a entender que Irtenieff parecia ter ideias de casar, o seu amor
por ele cresceu a tal ponto que, de súbito, se esqueceu dos outros dois. E
quando Eugénio começou a frequentar a casa, quando nos bailes dançava mais com
ela do que com as outras, quando procurava unicamente saber se ela correspondia
ao seu amor, então Lisa apaixonou-se por ele dum modo quase doentio. Via-o em
sonhos e acreditava vê-lo na realidade. Nenhum outro homem existia para ela.
Depois do pedido de casamento, quando se beijaram e
ficaram noivos, um só pensamento, um só desejo se sobrepunha a todos os
pensamentos, a todos os desejos, o de ficar com ele, o de ser amada.
Orgulhava-se dele, enternecia-se pensando nele e a ternura que ele lhe
demonstrava fazia-a enlouquecer. Do mesmo modo Eugénio, quanto mais a conhecia,
mais a adorava. Jamais esperara encontrar semelhante amor na vida.
Antes da primavera, Eugénio regressou a Semionovskoié,
a fim de ver a propriedade, dar ordens e preparar a casa onde devia instalar-se
após o casamento. Maria Pavlovna estava descontente com a escolha do filho, não
só por não fazer o casamento brilhante a que tinha direito, como por não lhe
agradar a mãe da sua futura nora. Se era boa ou má, ignorava-o; aliás não se
preocupava muito com isso. Verificara que não era uma mulher alta, uma
inglesa como dizia, e isto bastava para a impressionar
desagradavelmente. Mas era preciso resignar-se a amá-la, para não desgostar
Eugénio, e Maria Pavlovna estava sinceramente disposta a tal sacrifício.
Eugénio encontrou a mãe radiante de felicidade e
alegria; arranjara tudo em casa e preparava-se para partir, logo que o filho
trouxesse a sua jovem esposa. Ele, porém, pediulhe que se deixasse estar, e
essa questão ficou ainda para ser resolvida.
À noite, depois do chá, como de costume, Maria
Pavlovna, com um baralho de cartas pôsse a fazer uma paciência. Eugénio,
sentado a seu lado, ajudava-a. No fim, Maria Pavlovna fitou o filho e, um pouco
hesitante, disse-lhe:
- Ouve, Eugénio, quero dizer-te uma coisa. Apesar de
eu nada saber a esse respeito, penso que é preciso acabar inteiramente com
todas as tuas aventuras, para que nem tu nem tua futura mulher possam mais
tarde ter aborrecimentos. Compreendes onde quero chegar?
Deste modo, Eugénio compreendeu logo que Maria
Pavlovna se referia às suas relações com Stepanida, acabadas desde o outono, e
lhes dava uma importância exagerada. Corou ao ver a bondosa Maria Pavlovna
imiscuir-se num assunto que não poderia compreender.
Garantiu-lhe que nada havia a recear, pois sempre se
conduzira de modo a que nenhum obstáculo viesse entravar o casamento.
- Está bem, meu filho, não te zangues - disse-lhe a
mãe, um tanto confundida.
Mas Eugénio notou que ela não dissera tudo o que
pretendia. Com efeito, dali a pouco a mãe pôs-se a contar-lhe que durante a sua
ausência lhe pediram que fosse madrinha duma criança nascida em casa dos
Petchnikoff. Eugénio corou de novo. Maria Pavlovna continuou a conversar e,
embora sem intenções reservadas, a certa altura disse que naquele ano somente
tinham nascido meninos, o que provavelmente, era sinal de guerra. Em casa dos
Vassine e em casa dos Petchnikoff os primogénitos eram rapazes. Maria Pavlovna
queria contar isto sem parecer que o fazia premeditadamente, mas ficou
arrependida de ter abordado o assunto ao notar o rubor do filho, os seus
movimentos nervosos, o modo precipitado de acender o cigarro. Calou-se então.
Ele não sabia como reatar a conversa, mas ambos se compreenderam mutuamente.
- Sim, é preciso que haja justiça, para que não
existam favoritos como na casa de teu tio.
- Mamã - respondeu Eugénio a seguir - eu sei porque
fala assim. Afianço-lhe, porém, que a minha futura vida doméstica será para mim
uma coisa sagrada. Tudo quanto a esse respeito se passou comigo, enquanto fui
solteiro, está acabado e bem acabado, tanto mais que nunca tive ligações
duradouras e ninguém tem portanto alguns direitos sobre mim.
- Está bem! Sinto-me muito feliz por me poderes falar
assim - concluiu a mãe - isso, não vem senão confirmar os teus nobres
sentimentos.
No dia seguinte pela manhã, Eugénio dirigiu-se à
cidade. Pensava na noiva... e tinha esquecido Stepanida. Mas, dir-se-ia que
propositadamente para relembrar-lha, ao aproximar-se da Igreja, encontrou um
grupo de pessoas: era o velho Mateus, algumas crianças, raparigas, duas
mulheres, uma delas já idosa, a outra, elegante, que lhe pareceu conhecer, de
lenço vermelho-escarlate. Ao encarar com ele, a velha saudou-o à moda antiga,
parando; a outra, que levava o recém-nascido, inclinou apenas a cabeça e cravou
nele os seus dois olhos alegres, risonhos e muito conhecidos. «Sim, é
Stepanida, mas, como tudo acabou, não vale a pena olhar mais para ela. A
criança? Talvez seja seu pai. Não! Mas que pensamento tão estúpido! O pai é
certamente o marido».
Estava perfeitamente convencido de que, para ele, não
houvera em toda aquela aventura mais do que uma necessidade fisiológica e que
como tinha dado dinheiro a Stepanida o caso estava arrumado, que entre ele e
Stepanida não existia agora qualquer ligação. E, ao pensar assim, Eugénio não procurava
sufocar a voz da consciência, tanto mais que, após a conversa que tivera com a
mãe sobre o assunto, nunca mais pensou nela nem a encontrara.
Depois da Páscoa celebrou-se o casamento e Eugénio
trouxe a noiva para o campo. A casa estava preparada para condignamente receber
os recém-casados. Maria Pavlovna quis retirar-se. Contudo, Eugénio e
principalmente Lisa, pediram-lhe que ficasse. Ela acedeu, mas passou a ocupar
uma outra parte da casa.
E, assim, começava para Eugénio uma vida nova.
Barros Vital
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