Ouçam-me
Uma mulher padecia este mesmo mal; já tinha sofrido
trinta sangrias; haviam-lhe mandado aplicar mais de trezentas bichas, purgantes
sem conta, vomitórios às dúzias e tisanas aos milheiros; quis o seu bom gênio
que ela recorresse a um homeopata, que, com três doses, das quais cada uma
continha apenas a trimilionésima parte de um quarto de grão de
nihilitasnihilitatis, a pôs completamente restabelecida; e quem quiser pode ir
vê-la na rua... É certo que não me lembro agora onde, mas posso afirmar que ela
mora em uma casa e que hoje está nédia, gorda, com boas cores e até remoçou e
ficou bonita... Outro fato.
- Basta! basta!...
- Pois bem, basta; e propondo a aplicação da
nihilitasnihilitatis na dose da trimilionésima parte de um quarto de grão, dou
por terminado o meu discurso.
- O Sr. Leopoldo tem a palavra.
- Senhores, eu devo confessar que restam-me muitas
dúvidas a respeito do diagnóstico e, portanto, julgo útil recorrermos ao
magnetismo animal, para vermos se a enferma, levada ao sonambulismo, nos aclara
sua enfermidade. Além disto, eu tenho fé de que não há moléstia alguma que
possa resistir à maravilhosa aplicação dos passes, que tanto abismaram
Paracelso e Kisker. Ainda mais: se o diagnóstico do colega que falou em
primeiro lugar é exato, dobrada razão acho para sustentar o meu parecer porque,
enfim, se similia similibuscurantur, necessariamente o magnetismo tem de curar
a baquites. Voto, pois, para que comecemos já a aplicar-lhe os passes.
Seguiu-se o discurso de Augusto que, por longo demais,
parece prudente omitir. Em resumo basta dizer que ele combateu as raras teorias
de Filipe, mas concordou com o tratamento por ele proposto e falou com arte tal
que D. Carolina o escolheu para assistente de sua ama.
Augusto determinou as aplicações convenientes ao caso,
mas, não tendo entrado no número delas a essencial lembrança de um escalda-pés,
caiu a tropa das mezinheiras sobre o desgraçado estudante, que se viu quase
doido com a balbúrdia de novo alevantada no quarto.
- Menos ruído, minhas senhoras, dizia o rapaz; isto
pode ser fatal à doente!
- Ora... eu nunca vi negar-se um escalda-pés!
- Ainda em cima de não lhe mandar aplicar uma ajuda, esquece-se
também do escalda-pés!...
- Se não lhe derem um escalda-pés, eu não respondo
pelo resultado!...
- Olhem como a doente está risonha, só por ouvir falar
em escalda-pés!...
- Aquilo é pressentimento!
- Sr. Doutor, um escalda-pés!...
- Pois bem, minhas senhoras, disse Augusto para se ver
livre delas, dêem-lhe o preconizado escalda-pés!
E fugindo logo do quarto, foi pensando consigo mesmo
que as coisas que mais contrariam o médico são: primeiro, a saúde alheia,
segundo, um mau enfermeiro e, por último, enfim, as senhoras mezinheiras.
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