05 agosto 2022

IV - Sermão dos Bons Anos - Antonio Vieira

 

IV

 

Mas ainda que concedamos que os Portugueses não souberam esperar, não lhes neguemos que souberam amar, e com muita ventura; que talvez buscando a um rei morto, se vêm a encontrar com um vivo. Morto buscava a Madalena a Cristo na sepultura, e a perseverança e amor com que insistiu em o buscar morto, foi causa de que o Senhor lhe enxugasse as lágrimas e se lhe mostrasse vivo. Grande exemplar temos entre mãos! Assim como a Madalena, cega de amor, chorava às portas da sepultura de

Cristo, assim Portugal, sempre amante de seus reis, insistia ao sepulcro de el-rei D. Sebastião, chorando e suspirando por ele; e assim como a Madalena no mesmo tempo tinha a Cristo presente e vivo, e o via com seus olhos e lhe falava e não o conhecia, porque estava encoberto e disfarçado, assim Portugal tinha presente e vivo a el-rei nosso senhor, e o via e lhe falava e não conhecia. Porquê? – Não só porque estava, senão porque ele era o encoberto. Ser o encoberto e estar presente, bem mostrou Cristo neste passo que não era impossível. E quando se descobriu Cristo? Quando se manifestou este Senhor encoberto? Até esta circunstância não faltou no texto. Disse a Madalena a Cristo: TuleruntDominummeum: «Levaram-me o meu Senhor»; e o Senhor não lhe deferiu. Nescioubiposuerunteum: queixou-se que .não sabia onde lho puseram; e dissimulou Cristo da mesma maneira. Si tu sustulistieum: «Se vós, Senhor, o levastes, dicitomihi, dizei-mo»; e ainda aqui se deixou o Senhor estar encoberto sem se manifestar. Finalmente, alentando-se a Madalena mais do que sua fraqueza permitia, e tirando forças do mesmo amor, acrescentou: – Et ego eumtollam: «E eu o levantarei.» E tanto que disse – eu o levantarei: Ego eumtollam, então se descobriu o Senhor, mostrando que ele era por quem chorava; e a Madalena o reconheceu e se lançou a seus pés.

 

Nem mais nem menos Portugal, depois da morte de seu último rei. Buscava-o por esse Mundo, perguntava por ele, não sabia onde estava, chorava, suspirava, gemia, e o rei vivo e verdadeiro deixava-se estar encoberto e não se manifestava, porque não era ainda chegada a ocasião; porém tanto que o Reino, animoso sobre suas forças, se deliberou a dizer resolutamente: Ego eumtollam: eu o levantarei e sustentarei com meus braços, então se descobriu o encoberto Senhor, porque então era chegado o tempo, dizendo-nos aos Portugueses o que diz S. Gregório que disse Cristo à Madalena manifestando-se: Recognosceeum, a quo recognosceris: «Reconhecei a quem vos reconhece»; reconhecei por rei, a quem vos reconhece por vassalo. Então sim, e não antes; então sim, e não depois; porque aquele e não outro era o tempo oportuno e determinado de dar princípio à nossa redenção.

 

Recebeu Cristo o golpe da circuncisão e deu princípio à Redenção do Mundo, não antes nem depois, senão pontualmente aos oito dias: Dies octo, ut circumcidereturpuer. Pois porque antes, ou porque não depois? Não se circuncidara ao dia sétimo? Não se circuncidara ao dia nono? Porque não antes nem depois, senão ao oitavo? – A razão foi porque as cousas que faz Deus e as que se hão-de fazer bem feitas, não se fazem antes, nem depois, senão a seu tempo. O tempo assinalado nas Escrituras para a circuncisão era o dia oitavo, como se lê no Génesis e no Levítico: Die octavocircumcidereturinfantulus . E por isso se circuncidou Cristo, sem se antecipar, nem dilatar aos oito dias: Postquamconsummati sunt dies octo; porque como o Senhor remiu o género humano por obediência aos decretos divinos, o tempo que estava assinalado na lei para a circuncisão era o que estava predestinado para dar princípio à redenção do Mundo. Da mesma maneira se deu princípio à redenção e restauração de Portugal em tais dias e em tal ano, no celebradíssimo de 40, porque esse era o tempo oportuno e decretado por Deus; e não antes nem depois, como os homens quiseram. Quiseram os homens que fosse antes, quando sucedeu o levantamento de Évora; quiseram os homens que fosse depois, quando assentaram que o dia da aclamação fosse o 1º de Janeiro, hoje faz um ano; mas a Providência Divina ordenou se antecipasse, para que pontualmente se desse princípio à restauração de Portugal a seu tempo: Postquamconsummati sunt dies octo.

 

Pe. Antonio Vieira

Nenhum comentário:

Postar um comentário