IV
Mas ainda que concedamos que os Portugueses não
souberam esperar, não lhes neguemos que souberam amar, e com muita ventura; que
talvez buscando a um rei morto, se vêm a encontrar com um vivo. Morto buscava a
Madalena a Cristo na sepultura, e a perseverança e amor com que insistiu em o
buscar morto, foi causa de que o Senhor lhe enxugasse as lágrimas e se lhe
mostrasse vivo. Grande exemplar temos entre mãos! Assim como a Madalena, cega
de amor, chorava às portas da sepultura de
Cristo, assim Portugal, sempre amante de seus reis,
insistia ao sepulcro de el-rei D. Sebastião, chorando e suspirando por ele; e
assim como a Madalena no mesmo tempo tinha a Cristo presente e vivo, e o via
com seus olhos e lhe falava e não o conhecia, porque estava encoberto e
disfarçado, assim Portugal tinha presente e vivo a el-rei nosso senhor, e o via
e lhe falava e não conhecia. Porquê? – Não só porque estava, senão porque ele
era o encoberto. Ser o encoberto e estar presente, bem mostrou Cristo neste
passo que não era impossível. E quando se descobriu Cristo? Quando se
manifestou este Senhor encoberto? Até esta circunstância não faltou no texto.
Disse a Madalena a Cristo: TuleruntDominummeum: «Levaram-me o meu Senhor»; e o
Senhor não lhe deferiu. Nescioubiposuerunteum: queixou-se que .não sabia onde
lho puseram; e dissimulou Cristo da mesma maneira. Si tu sustulistieum: «Se
vós, Senhor, o levastes, dicitomihi, dizei-mo»; e ainda aqui se deixou o Senhor
estar encoberto sem se manifestar. Finalmente, alentando-se a Madalena mais do
que sua fraqueza permitia, e tirando forças do mesmo amor, acrescentou: – Et
ego eumtollam: «E eu o levantarei.» E tanto que disse – eu o levantarei: Ego
eumtollam, então se descobriu o Senhor, mostrando que ele era por quem chorava;
e a Madalena o reconheceu e se lançou a seus pés.
Nem mais nem menos Portugal, depois da morte de seu
último rei. Buscava-o por esse Mundo, perguntava por ele, não sabia onde
estava, chorava, suspirava, gemia, e o rei vivo e verdadeiro deixava-se estar
encoberto e não se manifestava, porque não era ainda chegada a ocasião; porém
tanto que o Reino, animoso sobre suas forças, se deliberou a dizer
resolutamente: Ego eumtollam: eu o levantarei e sustentarei com meus braços,
então se descobriu o encoberto Senhor, porque então era chegado o tempo,
dizendo-nos aos Portugueses o que diz S. Gregório que disse Cristo à Madalena
manifestando-se: Recognosceeum, a quo recognosceris: «Reconhecei a quem vos
reconhece»; reconhecei por rei, a quem vos reconhece por vassalo. Então sim, e
não antes; então sim, e não depois; porque aquele e não outro era o tempo
oportuno e determinado de dar princípio à nossa redenção.
Recebeu Cristo o golpe da circuncisão e deu princípio
à Redenção do Mundo, não antes nem depois, senão pontualmente aos oito dias:
Dies octo, ut circumcidereturpuer. Pois porque antes, ou porque não depois? Não
se circuncidara ao dia sétimo? Não se circuncidara ao dia nono? Porque não
antes nem depois, senão ao oitavo? – A razão foi porque as cousas que faz Deus
e as que se hão-de fazer bem feitas, não se fazem antes, nem depois, senão a
seu tempo. O tempo assinalado nas Escrituras para a circuncisão era o dia
oitavo, como se lê no Génesis e no Levítico: Die
octavocircumcidereturinfantulus . E por isso se circuncidou Cristo, sem se
antecipar, nem dilatar aos oito dias: Postquamconsummati sunt dies octo; porque
como o Senhor remiu o género humano por obediência aos decretos divinos, o
tempo que estava assinalado na lei para a circuncisão era o que estava predestinado
para dar princípio à redenção do Mundo. Da mesma maneira se deu princípio à
redenção e restauração de Portugal em tais dias e em tal ano, no celebradíssimo
de 40, porque esse era o tempo oportuno e decretado por Deus; e não antes nem
depois, como os homens quiseram. Quiseram os homens que fosse antes, quando
sucedeu o levantamento de Évora; quiseram os homens que fosse depois, quando
assentaram que o dia da aclamação fosse o 1º de Janeiro, hoje faz um ano; mas a
Providência Divina ordenou se antecipasse, para que pontualmente se desse
princípio à restauração de Portugal a seu tempo: Postquamconsummati sunt dies
octo.
Pe. Antonio Vieira
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