Reunião Científica GRAU São Paulo 26/04
Amputação de Membro no Pré Hospitalar.
Apresentadores:
Dra.
Fabiana Maria Ajjar - Capitão Médica da Polícia Militar do Estado de São Paulo
Dr.
Raphael Caggiano - Médico GRAU Resgate
Enf.
Rangel Biscaro Valera - Enfermeiro GRAU Resgate
A
Reunião teve como pauta principal a ocorrência atendida pela equipe do GRAU
composta pelo médico Raphael Caggiano e o enfermeiro Rangel Biscaro, na região
de Mairiporã, na noite do dia 10 de março de 2016. Os relatos são narrados
pelos três apresentadores em questão.
“Por
volta das 20h o Posto de Bombeiros da Casa Verde recebeu um chamado de
ocorrência de um desmoronamento no Parque Náutico, em Mairiporã. O local
distava cerca de 40km da base do Corpo de Bombeiros, e a chuva era torrencial.
Fomos
na viatura USA (Unidade de Suporte Avançado, uma Pajero Sport que o GRAU
utiliza em ocorrências). O deslocamento foi complicado desde a saída da base,
pois com a chuva o trânsito já era caótico, o rio Tietê ameaçava transbordar a
qualquer momento e a pista estava com pontos de alagamento. O trajeto todo foi
marcado pela forte chuva, porém na estrada local já em Mairiporã que levava ao
destino o quadro se agravou,os pontos de alagamento ficaram maiores, e para
garantir que a viatura passaria pelas partes alagadas nós desciamos da viatura
e tateávamos com uma vara para sentir a profundidade, se a água estivesse até a
altura da cintura, a USA passava, além de precisarmos tirar pedras, árvores e
até mesmo carros do caminho. Assim que chegamos, nos informaram que haviam 8 óbitos
no local, porém havia um casal de idosos que ainda estavam vivos, porém
soterrados.
Estavam
conscientes, e faltava pouco para retirá-los da terra. Foi então que o apito do
bombeiro que cuida da segurança da cena foi soado, e fomos obrigados a evacuar
o local imediatamente, um novo deslizamento do barranco era iminente, segundos
depois o deslizamento acabou por levar o barraco que o casal estava preso.
Infelizmente dois óbitos adicionais à conta.
Neste
dia foram mais de 150 ocorrências simultâneas causadas pelas fortes chuvas, não
haviam equipes suficientes para atender todas, a central dos bombeiros 193
estava totalmente abarrotada de ligações, por isso assim que foi constatado o
óbito dos idosos que estávamos resgatando, o sistema ja constava que nossa
equipe estava disponível e operacional para atender mais ocorrências.
A
meia-noite recebemos um segundo chamado, também um deslizamento de terra, na
região de Franco da Rocha, uma criança estava presa embaixo de uma casa. A
distância era pequena, mas demoramos mais de uma hora para chegarmos ao local.
Faltando cerca de 1,5km para chegar ao local, a água estava muito profunda,
então decidimos pegar as bolsas com equipamentos e medicação e ir andando até o
local. No caminho encontramos um ASE (Auto Salvamento e Extinção) dos
Bombeiros, que estava se deslocando para a mesma ocorrência, subimos nele e
prosseguimos vencendo as zonas alagadas. No ponto mais crítico a agua batia na
altura da janela do caminhão que estávamos, por sorte a viatura conseguiu vencer
as águas.
O
caminhão parou o mais próximo possível da região da ocorrência, que era um
cenário de caos absoluto, o percurso final fomos obrigados a seguir apé pois
haviam muitos obstáculos para o ASE transpor.
A
cidade estava literalmente submersa, a rua próximo ao local do deslizamento
estava muito alagada, seguimos apé novamente, com a agua na altura do peito.
O
local da ocorrência era um cenário de guerra, a casa estava completamente
soterrada, e existia um risco constante de ocorrer um segundo deslizamento e
matar a todos nós. Estávamos completamente ilhados, sem recursos e sem
comunicação, as viaturas com rádios estavam distantes e nenhum celular tinha
sinal la, por se tratar de um vale, os poucos celulares com sinal eram dos
moradores, os quais pegávamos emprestado para tentar ligar para os bombeiros,
informando as outras equipes, e os médicos reguladores do COBOM sobre a
situação da ocorrência.
Mesmo
assim prosseguimos com o salvamento. Subimos o morro até a parte em que a casa
se encontrava, e começamos a cavar com as próprias mãos e assim encontramos Ana
Clara, uma menininha
de
5 anos que estava com seu pé preso entre duas colunas. Estava consciente, sem
dores, apenas dizia que queria ir para a escola e que estávamos sujando seu
cabelo de terra.
Após
algum tempo cavando com as mãos, chegaram outras equipes dos bombeiros para
auxiliar, usamos todas as ferramentas e métodos disponíveis para liberar eu pé,
aríetes hidráulicos, almofadas pneumáticas, marteletes, alargadores, alavancas,
tudo que podíamos pensar, usamos. E ainda assim não conseguiamos liberar um
milímetro sequer. O acesso ao pé dela era bem limitado, era um buraco de cerca
de 25 cm de diâmetro e não podíamos usar ferramentas grandes pelo risco de
desabar de novo.
Por
cerca de dez horas, nós do GRAU e os bombeiros, tentamos exaustivamente
encontrar alguma maneira de tirar a Ana de lá. Nesse tempo mantinhamos ela
aquecida e hidratada com soro aquecido que injetávamos nela. Mesmo assim no
começo da manhã, ela começou a entrar em processo de hipotermia, apresentando
baixa nos níveis de consciência, letargia e baixa na pressão arterial.
Nessa
hora, após esgotarmos as possibilidades de técnicas para retirar o pé dela
debaixo das colunas, conversamos com os médicos reguladores da central dos
bombeiros (COBOM), com outras equipes do GRAU e com a médica do Grupamento de
Radiopatrulha Aérea do Águia, e a decisão foi tomada. Era preciso amputar a
perna dela, ou ela iria morrer e ainda estávamos sob o risco de um segundo
deslizamento. Mesmo após termos decidido amputar, ainda tentamos por mais 15
minutos retirá-la, 15 minutos que se transformaram em 1 hora. Não queríamos
amputar, por mais que fosse a última opção e já não haviam outras
possibilidades, relutávamos em aceitar.
O
helicóptero Águia chegou pela manhã com a Dra. Fabiana Ajjar, que chegou decida
a realizar o procedimento, ela teve uma visão aérea da área que nós sequer
imaginávamos.
Toda
a cena estava sob um grande risco, não havia mais tempo a perder. Sedamos Ana
Clara, e aplicamos um garrote em sua perna, como o acesso era muito apertado,
usamos uma serra Gigli, que quebrou na primeira tentativa, causando um corte em
sua perna.
Na
segunda tentativa conseguimos amputar sua perna um palmo abaixo do joelho, e a
retiramos daquele buraco. O procedimento todo levou cerca de 2 minutos. Neste
momento ela já apresentava sintomas moderados de hipotermia, com 34,3°C.
Estávamos
absolutamente exaustos e sujos, mas a única coisa que focamos era em tirar Ana
Clara de lá. O helicóptero estava pousado a cerca de 1,5km de lá, em um campo
de futebol, e o único jeito de chegar até lá era andando. Colocamos Ana na
prancha, imobilizamos e iniciamos o transporte, no caminho um dos bombeiros foi
eletrocutado por um cabo da rede elétrica que havia caído na água, mas não
sofreu danos maiores. De lá, o Águia levou a garota para o Hospital das
Clínicas onde foi para a UTI.
Embora
ela tenha saído do buraco viva e estável, nosso sentimento foi de frustração,
ficamos encarando a missão como fracasada. Mas nossa missão é salvar vidas, a
qualquer custo, e foi o que fizemos.
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