26 maio 2020

MANUAL DE DESASTRES HUMANOS - VOLUME II - VENDA DE SEGURANÇA E MATADORES A SOLDO CODAR – HS.CVS/CODAR – 22.213 - Caracterização - Discussão sobre as Deformações Psicológicas dos Matadores a Soldo - Existem dois padrões definidos de matadores a soldo - Ocorrência - Principais Efeitos Adversos - Monitorização, Alerta e Alarme - Medidas Preventivas - Para solucionar cabalmente o problema é necessárioA máquina responsável pelo funcionamento do poder paralelo deve ser desmontada


VENDA DE SEGURANÇA E MATADORES A SOLDO

CODAR – HS.CVS/CODAR – 22.213


1. Caracterização

A organização dos chamados “esquadrões da morte”, a proliferação de justiceiros e de matadores a soldo, a venda de segurança e de proteção e o ressurgimento do coronelismo, caracterizado pelo apadrinhamento e proteção de matadores, são sintomas de grave enfermidade social.

Este fenômeno traduz a falência das instituições regulares, responsáveis pela garantia da segurança pública, associa-se a um quadro social de desvalorização da vida e demonstra um profundo descrédito, relacionado com a funcionalidade e com a eficácia do poder judiciário.

É sabido que, em muitos casos, o rito processual muito lento, o acúmulo de trabalho e as excessivas preocupações com a garantia dos direitos civis dos delinqüentes acabam retardando a ação da justiça.

Como os tribunais julgam em função das provas inseridas nos processos, inquéritos policiais mal conduzidos e crivados de erros facilitam a ação obstrutiva dos advogados de defesa dos réus, e contribuem para reduzir as possibilidades de apenação dos mesmos, por parte dos tribunais.

O descrédito na Polícia e na eficácia do Poder Judiciário pode levar muitas pessoas a apoiarem um ”poder paralelo”, representado por organizações clandestinas de matadores, que passam a acumular, de forma absolutamente ilegal e antiética, as funções de polícia e de justiça.

Os menores delinqüentes costumam ser as maiores vítimas destas organizações clandestinas.


2. Discussão sobre as Deformações Psicológicas dos Matadores a Soldo

Se a Terra fosse reduzida a uma esfera com um metro de diâmetro, elevações, como as montanhas do Himalaia, seriam representadas com menos de um milímetro de altura.

O verniz ético e moral, desenvolvido em pouco menos de 2 milênios de evolução social e cultural da “besta humana, que vêm sobrevivendo a prováveis 5 (cinco) milhões de anos sobre a superfície da terra, é provavelmente menos espesso que o relevo representado no modelado hipotético.

Um animal carnívoro domesticado, que ao longo de toda a sua vida só recebeu rações pré-fabricadas, após provar o sangue de uma presa acidentalmente abatida por ele, e sentir a euforia do “poder de matar”, restabelece imediatamente seus arcanos mentais de animal predador, aparentemente sepultado nos recônditos de seu cérebro.

Da mesma forma, toda a hiperagressividade latente, que caracteriza o animal predador existente na “besta humana” retorna de forma avassaladora, nos matadores a soldo.

Só que, diferente dos demais animais predadores, o matador degenerado passa a sentir prazer ao predar sua própria espécie.

Em muito pouco tempo, a deformação mental que ocorre nestes indivíduos, essencialmente maus, transforma o ritual de eliminação de seres humanos numa fonte de prazer e numa forma absolutamente degenerada e absurda de expressar o seu poder.


Existem dois padrões definidos de matadores a soldo:

-  Os “tocaieiros” profissionais, que estudam os hábitos da presa, e agem solitariamente em “tocaias ou “esperas” armadas para caçá-las de surpresa.

-  Os matadores de esquadrões que se reúnem em bandos e executam suas presas, avisando-as sobre sua morte eminente e descarregando simultaneamente as armas sobre as vítimas.

Neste último caso, prevalece o instinto gregário, típico dos canídeos e as culpas são divididas pelo grupo, na incerteza do projétil mortal que acabou com a vida da vítima.


3. Ocorrência

A venda de segurança e os matadores a soldo ocorrem em praticamente todos os países do mundo.

Nos países mais desenvolvidos, o fenômeno ocorre com maior freqüência nas áreas de “guetos sociais ou raciais”, onde as quadrilhas se organizam para “vender segurança” aos pequenos comerciantes. Em muitos casos, parte dos pequenos comerciantes tem a iniciativa de contratar seguranças e justiceiros, para dizimarem as gangues de assaltantes, que se habituam a depredar seus negócios.

Em qualquer país do mundo, mesmo nos mais desenvolvidos, é possível se contratar um matador profissional e encomendar a eliminação de um desafeto.

Na realidade, ninguém está absolutamente seguro e qualquer pessoa pode ser eliminada por um matador profissional. O culto da fraternidade e da bondade ainda é muito recente e pouco arraigado na humanidade e a insegurança é uma realidade sociocultural, no início deste terceiro milênio da vinda de Jesus Cristo.

No Brasil, esta doença social está profundamente arraigada na sociedade brasileira, desde os primórdios da colonização, associada ao poder ilimitado dos “Donatários das Capitanias Hereditárias” e dos donos das grandes “Sesmarias”, que assumiram poderes de “vida e de morte” sobre todos os seus “dependentes”.

No Nordeste, o Coronelismo, no Sul o Caudilhismo, são fenômenos relacionados com o problema e os “coronéis“ e os “caudilhos” atuavam como senhores de exércitos particulares, protegendo e apadrinhando matadores, que atuavam sobre suas ordens. O cangaço e as inúmeras revoltas que pontilharam a História deste país caracterizam a reação desorganizada, contra os excessos do poder local.

O fenômeno vem recrudescendo, nos tempos atuais, especialmente nos bolsões periféricos de pobreza das grandes megalópoles, como uma reação à proliferação de “gangues de assaltantes”.

Em alguns estados e cidades do Brasil, é muito fácil comprovar que estes “esquadrões de justiceiros” estão interrelacionados com policiais, descontentes com a dinâmica social e com o “retardo da justiça”. Está comprovado que os menores de rua e os delinqüentes jovens são as maiores vítimas destes esquadrões de matadores.


4. Principais Efeitos Adversos

Os danos causados pelos “esquadrões de justiceiros” às comunidades “protegidas” são tão grandes ou maiores que os causados pelas quadrilhas de bandidos.

Nestas condições, as pessoas que financiam ou comandam os “esquadrões de justiceiros” assumem poderes de vida e de morte sobre todos os membros da comunidade e não apenas sobre possíveis delinqüentes.

Cresce o clima de prepotência e a população inerme e submetida à “lei do silêncio” e a um estado de cumplicidade com os matadores, semelhante ao existente nos campos de concentração nazistas, dedicados ao extermínio de judeus.

Nestes casos, o ritual que define aqueles que devem morrer funciona como um imenso jogo de azar, que rompe a coesão social da comunidade agredida, para a qual a sobrevivência passa a depender da capacidade de adaptação às “regras do jogo”, que são altamente cambiantes.

Com o tempo, o instinto de sobrevivência e o egoísmo promovem uma estranha cumplicidade entre as vítimas sobreviventes e seus algozes.

Os danos psicológicos e sociais gerados pela convivência diária entre uma população de presas potenciais, com seus predadores, são extremamente graves e difíceis de serem sanados e o direito à vida começa a perder sua prioridade.


5. Monitorização, Alerta e Alarme

É importante que o sistema de monitorização social detecte rapidamente o fenômeno e estude as vulnerabilidades do aparelho social local, que estão contribuindo para exacerbá-lo.

A infiltração de policiais nestas organizações clandestinas só pode ser detectada e combatida por uma atividade constante de auditoria, que busque identificar rapidamente as áreas policiais mais prepotentes e propensas a aderir a estas organizações clandestinas.


6. Medidas Preventivas

O vácuo de poder é o ponto focal do fenômeno, que promove o surgimento de organizações paralelas de justiceiros e de vendedores de segurança.

Muitas vezes, o incremento do fenômeno relaciona-se com o funcionamento desarmônico e não interativo entre as forças policiais e o “Poder Judiciário”.

Esta situação pré-caótica e desarranjadora é a causa do surgimento de um “poder paralelo”, que se propõe a acumular as funções de polícia e de justiça.


Para solucionar cabalmente o problema é necessário:

-  Assegurar a presença do Estado e reduzir os vácuos de poder, em toda a extensão geográfica do país.

-  Incrementar o poder de polícia, elevar substancialmente a qualidade de seus recursos humanos e incrementar as atividades de auditoria interna, no sentido de reduzir possíveis focos de corrupção.

-  Incrementar as atividades de “polícia comunitária”, com o objetivo de obter uma sadia interação entre a polícia e as lideranças comunitárias positivas.

-  Fortalecer, incrementar e modernizar o Poder Judiciário.

-  Fortalecer e modernizar a atuação dos “Promotores de Justiça”.

-  Desenvolver um forte programa de mudança cultural, com o objetivo de “valorizar a vida humana”.


É muito importante que uma elite de jovens advogados, que concluem nossas universidades, seja atraída para o processo de seleção e de pós-graduação de “promotores públicos”.

É saudável que os promotores sejam designados para os casos, ainda nas fases de “inquérito policial”, com o objetivo de sanar as freqüentes falhas que ocorrem nesta fase. É desejável que os promotores de justiça, da mesma forma que os delegados de polícia, sejam submetidos a cursos de pós-graduação e a freqüentes reciclagens de conhecimentos, com o objetivo de otimizar os conhecimentos e de incrementar as virtudes relacionadas com o idealismo, buscando promover grupos profissionais de escol e absolutamente imunes à corrupção e a falsos conceitos corporativistas.

Certamente, o idealismo e o espírito de coesão destes grupos de escol concorrerão para a modernização e para a moralização dos quadros da promotoria e da polícia judiciária e para facilitar o desenvolvimento de ações coordenadas e interativas entre a polícia judiciária e o Poder Judiciário.

Para que os jovens advogados mais promissores sejam atraídos para o Ministério Público e para a Polícia Judiciária é necessário que o nível de remuneração seja compatível com os objetivos colimados.


A máquina responsável pelo funcionamento do poder paralelo deve ser desmontada:

-  Todos os policiais suspeitos de envolvimento com matadores a soldo devem ser investigados, afastados sumariamente e submetidos a inquéritos rigorosos.

-  Os financiadores das organizações paralelas de “justiceiros a soldo” devem ser identificados, investigados e punidos.


Uma estrutura policial local, inteiramente renovada e não relacionada com a estrutura anterior, deve intervir no processo, devidamente apoiada pelo Ministério Público.

O espírito comunitário deve ser fortalecido. A dívida social contraída em séculos de desenvolvimento histórico deve ser reduzida. 

Programas de mudança cultural, com o objetivo de valorizar a vida, promover a saúde e incrementar a cidadania, devem ser desencadeados, com o apoio do Sistema Nacional de Defesa Civil.

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