XV
E a antiga luta recomeçou, mas com redobrado ímpeto. À
noite, Eugénio imaginava coisas terríveis. Pensava que o seu viver era
monótono, cheio de tédio, que a autêntica vida estava lá fora, em contacto com
aquela mulher robusta, forte, sempre alegre. O seu desejo era arrancá-la de
casa, metê-la numa carruagem ou sentá-la na garupa dum cavalo, e desaparecer na
estepe ou ir para a América. E muitas ideias iguais lhe assaltavam o cérebro.
Ao entrar no salão tudo lhe pareceu desconhecido,
absolutamente estranho e sem significado Levantou-se tarde mas cheio de
coragem, decidido a esquecer aquela mulher, disposto a não pensar mais nela.
Quase sem dar por isso passou toda a manhã alheio ao trabalho, fazendo esforços
para fugir às preocupações. Aquilo que até ali lhe parecera de grande
importância passava de repente a não ter qualquer valor. Inconscientemente,
procurava enfronhar-se no seu trabalho. Julgava ser-lhe indispensável ver-se
livre dos cuidados, das preocupações para devidamente refletir em tudo.
Afastava os que estavam junto de si, ficava sozinho. Mas, logo que se sentia
isolado, começava a passear pelo jardim ou pelo bosque. Todos aqueles lugares
tinham sido testemunhas de cenas que o empolgavam arrebatadamente. Passeava
pelo jardim e pensava que era preciso resolver qualquer coisa, mas não
descobria o quê e, doida e inconscientemente, esperava. Esperava que um milagre
a fizesse saber quanto a desejava e aparecesse ali, ou noutro sítio qualquer,
onde ninguém os visse, ou que, numa noite escura, ela o procurasse para que
todo o seu corpo lhe pertencesse, só a ele pertencesse.
Ora aqui está - dizia - aqui está: para me sentir
feliz arranjei uma mulher saudável mas está demonstrado que se não pode brincar
com as mulheres... Julgava tê-la atraído e foi ela, afinal, quem me prendeu nas
malhas dos seus encantos, e agora não consigo libertar-me dela. Julguei-me
senhor absoluto dos meus atos, mas isto não passava duma ilusão. Enganei-me a
mim próprio quando resolvi casar. Tudo o que eu sentia era estupidez, era mentira.
Desde a altura em que a possuí, experimentei um sentimento novo... O verdadeiro
sentimento do homem adulto. Sim, não posso passar sem ela. Mas o que estou a
pensar não passa duma tolice! Isto não pode ser! exclamou subitamente... - O
que é preciso é refletir, ver claramente o que tenho a fazer.
Deu uma volta pelos campos e continuou a pensar: Sim,
para o meu caso só há dois caminhos a seguir: Aquele por onde enveredei desde
que conheci Lisa, as minhas funções
políticas, a lavoura, a minha filha, o respeito pelos
outros. A fim de prosseguir nesse caminho é indispensável que Stepanida seja
afastada definitivamente. O outro caminho será arrebatá-la ao marido dar-lhe
dinheiro, fazer calar as bocas do mundo e viver com ela. Mas para isso é
necessário que Lisa e a minha filha desapareçam. Não, porque... A criança podia
ficar... Mas o que é indispensável é que Lisa se vá embora e saiba de tudo. Que
me amaldiçoe, mas que desapareça. É preciso que saiba que eu a troquei por uma
camponesa, que sou um miserável, um homem sem vontade própria. Não, é horrível!
Isto não pode ser!
Talvez se arranje tudo doutra maneira... Lisa pode
ficar doente, morrer... Ah, se ela morresse tudo se remediaria, tudo correria
às maravilhas! E viveríamos felizes.
Em todo o caso, não passo de um miserável. Não, se uma
delas tem de morrer, que morra antes a outra. Se Stepanida morresse, seria
melhor. Agora compreendo como é possível matar, como se pode envenenar,
estrangular as amantes. Pegar num revólver, fazê-la vir aqui e, em lugar de
beijos dar-lhe um tiro no peito. Pronto, estava tudo acabado. É horrível.
Foi contra minha vontade que ela se apoderou de mim.
Matá-la, a ela, ou matar minha mulher. Continuar nesta vida, é-me impossível,
totalmente impossível! É preciso refletir e encarar tudo a sangue-frio. Mas
deixar as coisas continuarem como até aqui, daria mau resultado. Juraria ainda
muitas vezes não tornar a vê-la, renunciar a ela, mas não passaria das
promessas vis, porque no dia seguinte esperá-la-ia. Ela sabe-lo-ia e lá estaria
eu na mesma alternativa. Ou a minha mulher o saberá, pois não falta quem lho vá
dizer, ou eu próprio lho direi, porque não posso continuar a viver desta forma.
Não posso. Tudo se saberá. Todos o sabem já. Bem! Mas será possível que se
possa viver assim? Não, não se pode. Só há duas saídas: matá-la ou matar a
minha mulher. Mas existe ainda uma terceira:
«Matar-me», murmurou sofrendo e seguidamente um
arrepio lhe percorreu o corpo.
- Sim, mato-me! Assim, já não será preciso que
qualquer delas morra. É o que devo fazer.
Tremia violentamente, sentindo que era esse o único
caminho possível. Tenho em casa um revólver. Terei de acabar desta forma? Eis o
que até hoje ainda não tinha pensado... Mas agora...
Entrou em casa, dirigiu-se ao seu quarto e abriu a
gaveta onde se encontrava o revólver mas antes que tivesse tempo de o tirar,
Lisa entrou.
Barros Vital
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