05 agosto 2022

VIII - Sermão dos Bons Anos - Antonio Vieira

 

VIII

 

Nos benefícios passa o mesmo. Muitos lugares pudera trazer; .um só digo, que pela propriedade do nome tem privilégio de se preferir a todos. Nasceu S. João Baptista, e assentaram consigo os vizinhos daquelas montanhas, que havia de ser o menino pessoa notável e que esperavam grandes venturas em seus maiores anos: Posuerunt in corde sua, dicentes: Quis, putas, pueristeerit? Pois de onde o tiraram estes homens?

 

Que fundamento tiveram para se resolverem tão assentadamente nas grandezas de João e em seus aumentos? – O fundamento que os moveu, eles mesmos o disseram ou o Evangelista por eles: Quis putas, pueristeerit? EtenimmanusDomini erat cum illo.

 

Viam os milagres, viam as maravilhas, viam as mercês extraordinárias que Deus com mão tão liberal fazia a João logo em seus princípios, e do erat, tiraram o erit; das experiências do que era, inferiam evidências do que havia de ser; porque aqueles benefícios de Deus presentes, eram prognósticos das felicidades futuras: EtenimmanusDomini erat cum illo. Assim como a quiromância humana, quando quer dizer a boaventura, olha para as mãos dos homens, assim a quiromância divina, a arte de adivinhar ao celeste, olha para as mãos de Deus, e como a mão de Deus estava tão liberal com João: EtenimmanusDomini erat cum illo, na disposição destas primeiras liberalidades, como em caracteres expressos, estavam lendo a sucessão das futuras; e das grandezas maravilhosas que já eram, julgavam as que, correndo os anos, haviam de ser: Quis, putas, pueristeerit? EtenimmanusDomini erat cum illo.

 

Ora grande simpatia tem a mão de Deus com o nome de João. Bem o mostrou o Senhor na feliz aclamação de Sua Majestade, que Deus nos guarde, como há-de guardar muitos anos, pois aos ecos do nome de João, despregou da cruz o braço o mesmo Cristo, assegurando-nos que, assim como a mão de Deus estivera com o primeiro João da Judeia, assim estava e havia de estar sempre com o quarto de Portugal: EtenimmanusDominis erat cum illo . Bem experimentámos esta assistência nos sucessos que referi, e

em todos os felicíssimos do ano passado, que em todas as cousas que Sua Majestade pôs a mão, pôs também a Divina a sua. E se estes ou semelhantes efeitos da mão de Deus foram bastantes prognósticos para uns montanheses rústicos, assaz claro foi o modo de prognosticar que segui, falando entre cortesãos tão entendidos. Nem aqui também nos faltou o Evangelho; porque, se nos confirmou a primeira razão com o mistério do nome de Jesus, agora nos prova a segunda com o da circuncisão, da qual dizem comummente os Doutores, que aquele pouco sangue que o Senhor derramou hoje no presépio, foi sinal e como penhor de haver de derramar todo na cruz; que, como Deus é liberal com omnipotência e bom sem arrependimento, o mesmo é fazer um benefício menor, que penhorar-se a outros maiores. E se estes benefícios que da divina mão temos recebido, se podem chamar menores, os maiores quão grandes serão!

 

Nem nos desconfiem estas esperanças os temores que propusemos ao princípio da variedade dos sucessos da guerra, da inconstância das felicidades do Mundo; porque só as felicidades que vêm por mão dos homens, são inconstantes; mas as que vêm por mão de Deus, são firmes, são permanentes. Quando Josué, à entrada da Terra de Promissão, venceu aquelas primeiras e milagrosas batalhas, mostrando os inimigos mortos aos soldados, lhes disse o que eu também digo a todos os Portugueses: – Confortaminietestoterobusti, sic enimfaciet Dominus cunctishostibusvestris, adversumquosdimicatis: Grande ânimo, valentes soldados, grande confiança, valorosos Portugueses, que assim como vencestes felizmente estes inimigos, assim haveis de vencer todos os demais; que, como são vitórias dadas por Deus, este pouco sangue que derramastes em fé de seu poderoso braço, é prognóstico certíssimo do muito que haveis que derramar vencedores; não digo sangue de católicos, que espero em Deus que se hão-de desapaixonar muito cedo nossos competidores e que em vosso valor e em seu desengano hão-de estudar a verdade de nossa justiça; mas sangue de hereges na Europa, sangue de mouros na África, sangue de gentios na Ásia e na América. vencendo e sujeitando todas as partes do Mundo a um só império, para todas em uma coroa as meterem gloriosamente debaixo dos pés do sucessor de S. Pedro. Assim o contam as profecias, assim o prometem as esperanças, assim o confirmam estes felizes princípios, que a divina bondade se sirva de prosperar até os fins felicíssimos que desejamos, que são os com que remata um sermão deste dia S. Bernardo, cujas palavras tantas vezes têm sido profecias a Portugal: Multiplicabitur sane ejusimperium, ut meritoSalvatordicatur pro multitudineetiamsalvandorum, et pacis non erit finis.

 

Para que nossas orações comecem a obrigar a Deus, não peço três avemarias, senão três petições do Padre nosso: Sanctificetur nomen tuum; Adveniatregnumtuum; Fiat voluntas tua. Santificado e glorificado seja, Senhor, vosso nome; porque ao nome santíssimo de Jesus, como o primeiro e principal Libertador, reconhecemos dever a liberdade que gozamos. Adveniatregnumtuum: «Venha a nós, Senhor, o vosso Reino»; vosso, porque vosso é o Reino de Portugal, que assim nos fizestes mercê de o dizer a seu primeiro fundador el-rei D. Afonso Henriques: Volo in te et in seminetuoimperiummihistabilire: E por isso mesmo adveniat, venha; porque como há-de ser Portugal um tão grande Império posto que tem já vindo todo o Reino que era, ainda o Reino que háde ser não tem vindo todo. E para que nossas más correspondências não desmereçam tanto bem, Fiat voluntas tua: Fazei, Senhor, que façamos inteiramente vossa santa vontade; porque assim como, nos prognósticos humanos; para advertir sua contingência; se diz: Deus sobre tudo, assim eu neste divino, para assegurar sua certeza, digo também: Deus sobre tudo; porque se sobre tudo amarmos a Deus, cumprindo perfeitamente sua vontade, sem dúvida se inclinará o Senhor a ouvir e satisfazer os afectos da nossa, perpetuando a sucessão de nossas felicidades na perseverança de sua graça: Quammihi et vobis, etc....

 

Pe. Antonio Vieira

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