22 maio 2020

TÍTULO V - MALÁRIA - CODAR - HB.VMA/CODAR 23.105 - Caracterização - A forma mais grave de malária humana é a chamada terçã maligna, provocada pelo Plasmodium falciparum - Dados Epidemiológicos - Agentes Infecciosos - Estudo do Ciclo Vital dos Parasitas - Desenvolvimento do Processo Imunitário - Estudo dos Transmissores - Anofelinos epidemiologicamente importantes na transmissão da malária humana: Anopheles (Nyssornhynchus) darlingi - A. (N) aquasalis - A. (N) albitarsis - A. (N) nuñestovari - A. Kertesia) cruzi - A. (K) bellator - Suscetibilidade e Resistência - Distribuição - Monitorização, Alerta e Alarme - Medidas de Prevenção e de Controle - Atuação da Defesa Civil


TÍTULO V

MALÁRIA

CODAR - HB.VMA/CODAR 23.105


1. Caracterização

Existem quatro formas de Malária humana, que apresentam sinais e sintomas semelhantes e cujos diagnósticos diferenciais são, obrigatoriamente, realizados com o apoio do laboratório.

Genericamente, os quadros clínicos de malária caracterizam-se pelos acessos febris, que se iniciam com calafrios intensos e terminam com sudorese profusa.

Os paroxismos febris caracterizam -se pela rápida elevação da temperatura corporal que, muitas vezes, ultrapassa 40 (quarenta) graus centígrados.

A fase de rápida elevação da temperatura acompanha-se de calafrios intensos e de tremores.

Atingido o pico febril, os tremores e calafrios são substituídos pela sensação de calor intenso e de desconforto, acompanhados por forte dor de cabeça (cefaléia) com náuseas e vômitos, podendo ocorrer fenômenos alucinatórios.

Passado o paroxismo febril, a temperatura corporal cai rapidamente, em lise, acompanhada de sudorese profusa e de muita sede, que compulsa o paciente a ingerir grandes quantidades de água, para corrigir a desidratação provocada pelo acesso febril.

Após o acesso febril, o paciente sente-se relativamente bem, e a única queixa é uma dor localizada na região do baço - esplenalgia - que corresponde ao processo de esplenocontração, que tem por objetivo repor o volume de glóbulos vermelhos circulantes. 

Com o decorrer do tempo, verifica-se um adensamento do baço, esplenomegalia, facilmente percebido pela palpação.

Como durante os acessos febris ocorre uma grande destruição dos glóbulos vermelhos (hemólise), os exames de sangue revelam anemia secundária e, em muitos casos, elevação da bilirrubina indireta, caracterizando uma síndrome de icterícia pré-hepática.

De acordo com a espécie de plasmódio infectante e com o número de gerações parasitantes, que estão evoluindo no organismo, os paroxismos febris podem ocorrer a intervalos de 72, 48 ou 24 horas.
A sucessão de acessos paroxísticos febris intercalados caracterizam um "ataque febril". 

Normalmente o primeiro ataque febril, na ausência de tratamento, dura no máximo 30 (trinta) dias, podendo ressurgir, sob a forma de recaídas, após um intervalo de tempo variável. 

As malárias humanas causadas por Plasmodium vivax e por P. ovale são as mais propensas a recaídas.


A forma mais grave de malária humana é a chamada terçã maligna, provocada pelo Plasmodium falciparum que, além dos paroxismos febris, pode apresentar as seguintes complicações:

¨  icterícia intensa, de padrão pré-hepático, caracterizada pelo amarelecimento das conjuntivas oculares e da pele, e pelo aumento da bilirrubina indireta, nos exames de sangue;

¨  insuficiência renal, com redução da quantidade de urina excretada (oligúria) e, em casos extremos, a diminuição ou supressão da urina (anúria);

¨  insuficiência hepática, que pode evoluir para o coma hepático e morte;

¨  alterações dos mecanismos de coagulação, com hemorragias e coagulação intravascular;

¨  quadros de choque, por redução do volume de sangue circulante (hipovolemia), o qual se caracteriza por queda da pressão arterial, aumento da freqüência cardíaca, pulso filiforme, suor frio e arrocheamento (cianose) das extremidades;

¨  são mais comuns os quadros de encefalite aguda, com hipertensão cerebral, que podem evoluir para o coma e para a morte, conhecido como malária cerebral.


Há que recordar que algumas cepas do P. falciparum são resistentes ao tratamento e que, nos casos não tratados ou tratados de forma ineficiente, a mortalidade provocada pelo P. falciparum pode ultrapassar 10%.

As outras formas de malária humana, provocadas pelos P. malariae, P. vivax e P.

ovale são mais benignas e, normalmente, não ameaçam a vida, exceto em pacientes muito idosos, muito jovens ou no caso de pessoas debilitadas por enfermidades associadas.

Nas áreas endêmicas, podem ocorrer quadros febris atípicos, que só são diagnosticados por intermédio de exame laboratorial e que ocorrem em função da variação do nível de imunidade ou da realização de tratamentos incompletos e insuficientes.

A confirmação do diagnóstico e a caracterização da espécie de plasmódio infectante são feitas por identificação microscópica do parasita causador da malária, por intermédio do método da gota espessa que, sem dúvida, é mais efetivo que o do esfregaço.

A partir da segunda semana, surgem os anticorpos que podem ser caracterizados por técnicas de imunofluorescência e se mantêm na circulação por prazos prolongados.


2. Dados Epidemiológicos

a. Agentes Infecciosos

Os agentes infecciosos causadores da malária são protozoários do gênero Plamodium pertencentes à classe Sporozoa, cujos esporos se formam ao fim do período de multiplicação sexuada, que ocorre no organismo do mosquito (telosporídeos) e cuja forma adulta é unicelular, amebóide e parasita o sangue do animal vertebrado (hemosporídeos).

As quatro espécies que parasitam seres humanos são os Plamodium malariae, P. falciparum, P. vivax e P. ovale, sendo que este último ocorre apenas na África Oriental.

As seis espécies que infectam macacos são os P. brasilianum, P. simium, P. inui, P. cynomolgi, P. kno-elsi e P. sch-etzi. Outras espécies infectam aves e répteis.

Embora existam registros de homens infectados, experimentalmente e em ambiente de laboratório por plasmódios que só parasitam macacos, e na África existam registros de macacos superiores , como os gorilas e os chipanzés, infectados P. malariae, para fins práticos, é bom considerar o homem como o reservatório exclusivo da malária humana e a malária dos macacos como específica daquelas espécies.


b. Estudo do Ciclo Vital dos Parasitas


O parasita da malária evolui em dois ciclos distintos:

¨  esporogônico ou sexuado, que ocorre no interior do mosquito;

¨  esquizogônico ou assexuado, que ocorre no fígado e no sangue do homem.


Depois de introduzido no organismo humano, durante a picada da fêmea do mosquito, sob a forma de esporozoítos, os parasitas circulam por, aproximadamente, 30 (trinta) minutos e se fixam nas células hepáticas (hepatócitos), onde dão início ao ciclo esquizogônico, na fase exaeritrocitaria (fora do sangue).

Na medida em que se multiplicam no interior dos hepatócitos, evoluem de merozoítos, para trofozoítos e esquizontes e aumentam gradualmente o número de hepatócitos infectados.

Os esquizontes hepáticos maduros se rompem e liberam os trofozoítos na corrente sangüínea.

Com a continuidade da esquizogonia, o número de parasitas no sangue se eleva e se inicia a multiplicação no interior dos glóbulos vermelhos e, ao fim de 12 a 15 dias, os parasitos já podem ser encontrados nos exames de sangue, surgem os primeiros sintomas da enfermidade e ocorrem os paroxismos febris.

No prosseguimento do processo de multiplicação, começam a surgir, no sangue, elementos diferenciados - os gametócitos, os quais só atingem a plena maturidade, quando são sugados pelas fêmeas dos mosquitos.

A fecundação dos macrogametócitos pelos microgametócitos ocorre no estomâgo da fêmea e os trofozoítos resultantes do processo fixam-se nas paredes do órgão e daí migram para as glândulas salivares, sob a forma de esporozoítos, onde ficam em condições de provocar uma nova infecção humana, ao serem introduzidos pela picada.

No caso específico do P. vivax, algumas formas de trofozoítos podem permanecer inativadas, por muito tempo, no interior das células hepáticas e, ao serem reativadas, podem provocar recaídas.


c. Desenvolvimento do Processo Imunitário

A duração do "ataque febril" é regulada pelo desenvolvimento do estado de imunidade do organismo infectado.

Durante a fase eritrocitária do ciclo esquizogônico, gera-se um estado de equilíbrio relativo, que gira em torno de 100.000 parasitos por milímetro cúbico de sangue e, durante esta fase, ocorrem as crises intercaladas de paroxismos febris.

A partir da segunda semana, o organismo começa a desenvolver um estado de imunidade relativa, contra a cepa do plasmódio infectante e, em conseqüência do aumento dos anticorpos circulantes, ocorre uma progressiva redução da parasitemia e aumenta o intervalo entre os episódios febris, até que o ataque febril seja controlado.


d. Estudo dos Transmissores

Os vetores biológicos da malária são as fêmeas dos mosquitos do gênero Anopheles, que se alimentam ao entardecer e durante as primeiras horas da noite.

Estes insetos dípteros da família dos Culicídeos depositam seus ovos em coleções de água corrente. As larvas respiram por intermédio de sifões, enquanto mantêm o corpo em sentido paralelo à superfície da água. 

Os mosquitos adultos têm as asas cobertas de escamas e pousam com o corpo inclinado, com relação à superfície da parede. Por este motivo, são conhecidos como "mosquitos-pregos".


Para que uma determinada espécie de anofelino seja considerada como um bom vetor da malária humana, é necessário que a mesma:

¨  seja infectável pelos plasmódios da malária humana;

¨  possua hábitos de domesticidade que facilitem o contato com seres humanos.


Das mais de 50 (cinqüenta) espécies de anofelinos existentes no Brasil, apenas 6 (seis) são consideradas epidemiologicamente importantes na transmissão da malária humana:

Anopheles (Nyssornhynchus) darlingi, A. (N) aquasalis, A. (N) albitarsis, A. (N) nuñestovari, A. Kertesia) cruzi e A. (K) bellator.


e. Períodos de Incubação e de Transmissibilidade

O intervalo entre a picada do mosquito e o aparecimento dos primeiros sinais e sintomas é, em média, de 12 dias para o P. falciparum , de 14 dias para o P. vivax e P. ovale e de 30 dias para o P. malariae. Nas regiões de clima temperado, o ataque do P. vivax pode ser protelado por um período de latência de 8 a 10 meses.

Quando a infecção é causada por transfusão ou por compartilhamento de seringas por dependentes de drogas, o período de incubação pode ser mais curto e depende da dose inoculada de microorganismos.

O período de transmissibilidade do homem para o mosquito varia em função da espécie do parasita e da efetividade do tratamento.

Nos casos não tratados ou submetidos a tratamentos ineficientes, a transmissibilidade pode ser de: 3 anos, para o P. malariae; de 1 a 3 anos, para o P. vivax e de menos de 1 ano, para o P. falciparum.

O mosquito permanece infectante por toda a vida e a transmissão, por transfusão, ocorre enquanto formas assexuadas permanecem no sangue e, no caso do P. malariae, há registro de transmissão após 40 anos.

O sangue armazenado permanece infectante por 16 dias.


f. Suscetibilidade e Resistência

Adultos em comunidades endêmicas, com contínua exposição a anofelinos infectantes, acabam por desenvolver resistência relativa às cepas prevalentes na região.

A maior parte dos negros africanos apresenta resistência natural ao P. vivax.

Pessoas com hemácias (glóbulos vermelhos) falciformes apresentam baixas parasitemias, quando infectadas por P. falciparum. Nos demais casos a suscetibilidade é geral.


g. Distribuição

Dentre todas as doenças febris transmissíveis, a malária humana é a que apresenta a maior dispersão geográfica, ocorrendo com maior prelavência nas áreas quentes e úmidas dos cinco continentes.

Nestas condições, a malária continua ocorrendo na África, na Ásia Sul-Ocidental, nas áreas quentes e úmidas do Continente Americano e da Europa Sul-Oriental e em Ilhas da Oceania.

A malária por Plasmodium ovale é encontrada apenas na África Ocidental. As malárias causadas por P. vivax e P. falciparum são encontradas na maioria das áreas endêmicas e, em muitas destas áreas, são encontradas cepas de P. falciparum resistentes ao tratamento. Por isso, toda e qualquer infecção por P. falciparum deve ser motivo de tratamento especial.

No Brasil, a malária se comporta como um imenso desastre humano de natureza biológica, tanto que, em 1999, foram confirmados 630.747 casos, dos quais 93,6% ocorreram na Região Amazônica. Os garimpeiros são, dentre os estratos sociais, os mais vulneráveis à malária.


3. Monitorização, Alerta e Alarme

A monitorização das áreas endêmicas, desencadeada pela vigilância epidemiológica, permite estudar as características do cenário, com relação às espécies de plasmódios infectantes, aos vetores e aos estratos sociais mais vulneráveis à doença.

Os inquéritos hemoscópicos permitem estabelecer os índices de parasitemia de uma determinada população, localizada em uma área endêmica.

Os levantamentos epidemiológicos dos casos de malária diagnosticados permitem caracterizar a intensidade do desastre.

Os estudos dos anofelinos presentes na área e dos anofelinos infectados permitem caracterizar a magnitude dos riscos de transmissão.

Os levantamentos dos níveis de suscetibilidade dos mosquitos aos diferentes inseticidas de ação residual facilitam o planejamento das campanhas.

A definição das cepas de plasmódios refratários ao tratamento, por determinadas drogas, facilita o planejamento do tratamento das pessoas infectadas.


4. Medidas de Prevenção e de Controle

a. Medidas Preventivas

1) Aplicação de inseticidas de ação residual, comprovadamente eficazes, nas paredes internas de todas as unidades habitacionais da área endêmica e em outras superfícies onde os anofelinos costumam pousar. Essa aplicação é repetida, no mínimo, duas vezes por ano e durante alguns anos, até ser comprovada a erradicação da doença.

2) No caso dos garimpeiros, que habitam em telheiros sem paredes, compensa instalar “paredes com tecidos resistentes”, para permitir a impregnação com inseticidas.

3) A proteção das casas e dos alojamentos das áreas endêmicas, com telas metálicas nas portas e janelas, a proteção das pessoas com mosquiteiros e o uso de “redes de selva” dotadas de telheiro e de cortinas de malha fina, pelas pessoas que são obrigadas a pernoitar no relento, permitem reduzir os riscos de picaduras pelos mosquitos.

4) O espargimento, todas as noites, de inseticidas à base de piretro, sob a forma atomizada, nas áreas de dormitórios e nos demais aposentos da habitação, é útil para reduzir os riscos de infecção.

5) O uso de repelentes só é útil quando os mesmos são constantemente renovados.

6) Nas áreas endêmicas, os doadores de sangue devem ser submetidos à triagem clínica e laboratorial, que comprove que os mesmos não estão infectados por plasmódios.

7) Nos treinamentos de militares nas selvas, os banhos de rio, nos horários vespertinos e noturnos, devem ser proibidos, nas áreas endêmicas.

8) O tratamento preventivo, mediante a ingestão de doses periódicas de antimaláricos, de comprovada eficácia para os plasmódios prevalentes nas áreas endêmicas, reduz a ocorrência da doença entre viajantes e nas unidades de selva, que são obrigadas a manobrar em áreas de malária endêmica.

9) O tratamento supressivo, desde que precoce, radical e eficaz dos casos de malária agudos e crônicos, suspeitados e confirmados, permite o controle da malária, pela não infecção das fêmeas de mosquitos.

10) As medidas de saneamento desencadeadas com o objetivo de eliminar os focos larvários de anofelinos devem ser estimuladas. Estas medidas variam entre aterros, drenagem de águas represadas, emprego de larvicidas e controle biológico com peixes larvófagos e com bactérias patogênicas.

11) O controle das larvas dos mosquitos vetores, por intermédio de bioinseticidas bacterianos, como o Bacillus thuringensis var. israelensis e Bacillus sphaericus está crescendo de importância e se firmando como um método de muito futuro, não só para os mosquitos do gênero Anopheles, como também dos gêneros Aedes e Culex.

Já existe tecnologia disponível no Brasil para a aplicação deste método, que apresenta como principais vantagens a total inocuidade para outras formas de vida como peixes, aves e mamíferos e a ausência total de riscos de poluição da natureza.


b. Medidas de Controle do Paciente, dos Contatos e do Meio Ambiente

1) A notificação do caso à autoridade sanitária local é obrigatória.

2) A investigação dos contatos é extremamente útil, especialmente nas etapas avançadas de erradicação. Deve-se investigar a fonte de infecção de cada caso descoberto, através de exames de sangue de todas as pessoas da vizinhança e iniciar o tratamento dos casos febris, mesmo antes de conhecer o resultado do exame laboratorial. No caso de dependentes de droga, todo o grupo deve ser investigado e, no caso de contaminados por transfusões, há que investigar e tratar os doadores.

3) O tratamento específico para a espécie de plasmódio infectante deve ser completo e eficaz, e os pacientes devem ser alertados para que completem o tratamento, antes de retornarem às suas atividades.


c. Atuação da Defesa Civil

Compete à Defesa Civil apoiar os órgãos de saúde pública e mobilizar voluntários da comunidade para que participem das campanhas de prevenção e de combate à malária.

A promoção de campanhas educativas, a partir do envolvimento dos NUDEC e das COMDEC é de capital importância para a solução definitiva do problema.

É importante caracterizar que, no momento atual, os estratos sociais mais vulneráveis à malária são constituídos pelos garimpeiros, os quais precisam ser convencidos a se protegerem e a completar o tratamento supressivo antes de retornar aos garimpos.

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