9. Atividades Comunitárias
Desenvolvidas no Âmbito do Programa de Redução da Fome e da Hiponutrição
Numerosas atividades podem e devem ser
desenvolvidas no âmbito do Programa Comunitário de Redução da Fome e da
Hiponutrição, com destaque para as seguintes:
- instalação de centros comunitários de
alimentação;
- organização de hortas e pomares comunitários,
de viveiros de mudas e de centros de criação de animais de pequeno e de médio
porte;
- produção de misturas alimentícias e de
alimentos enriquecidos;
- organização de pequenas empresas comunitárias
de produção de alimentos;
- projeto Lavoisier;
- campanhas de arrecadação e de distribuição de
alimentos.
a) Instalação de Centros Comunitários
de Alimentação
Os
Centros Comunitários de Alimentação são edificações que têm por objetivo sediar
o Conselho Comunitário de Alimentação e prover as instalações necessárias ao
desenvolvimento dos projetos.
É
desejável que o Centro seja construído, em regime de mutirão, pela comunidade
local e que todos os cargos e funções previstos para o funcionamento do mesmo
sejam exercidos por voluntários não-remunerados.
Uma
das principais atribuições do Centro Comunitário de Alimentação é a de
organizar e manter, permanentemente atualizado, o cadastro das pessoas e
famílias assistidas pelos projetos de suplementação alimentar. É indispensável
que as pessoas assistidas se conscientizem de que os projetos funcionam como
“vias de duas mãos" e que o direito à assistência gera uma expectativa de
"deveres" por parte das pessoas assistidas, as quais devem se
considerar como parte da solução e não sujeitos passivos dos problemas.
O Centro deve ser planejado para
sediar as atividades:
- de aprovisionamento de alimentos, oferecendo
facilidades para a arrecadação, recepção, controle de qualidade, armazenamento
e distribuição de gêneros alimentícios;
- de preparação e distribuição de alimentos
convencionais e de misturas alimentícias para as populações carentes;
- educativas, relacionadas com projetos de
alimentação, de educação para a saúde, promoção do bem-estar social, prevenção
de acidentes domiciliares e de intoxicações exógenas, de combate às drogas, ao
fumo e ao alcoolismo, higiene social e planejamento familiar;
- relacionadas com a organização de hortas e
pomares comunitários, viveiros de plantas e centros de criação e de remonta de
animais de médio e de pequeno porte.
b) Organização de Hortas e Pomares
Comunitários, Viveiros de Plantas e de Centros de Criação e de Remonta de
Animais de Pequeno e Médio Porte
A organização dessas instalações
comunitárias deve ter por finalidades principais:
- embasar as atividades educativas, relacionadas
com o cultivo de hortas e de pomares e com a criação de animais de pequeno e de
médio porte e, quando possível, com a piscicultura e com a apicultura;
- promover a mudança cultural indispensável à
redução das vulnerabilidades sociais das comunidades assistidas;
- permitir a produção de hortigranjeiros
perecíveis, destinados ao fortalecimento de projetos de complementação
alimentar;
- difundir mudas e cultivares aperfeiçoados que
permitam aumentar a produtividade agrícola, nos municípios apoiados;
- difundir a produção de linhagens aperfeiçoadas
de animais de médio e de pequeno porte que permitam aumentar a produtividade do
setor pecuário.
Quem
visita os países europeus, especialmente a Alemanha, e contempla a paisagem de
grandes cidades, como Munique e Berlim, a partir de mirantes, observa áreas
verdes com aspecto de tabuleiros de xadrez, divididas em pequenos lotes
intensamente ocupados por hortas e pomares.
Esses
lotes são arrendados pela municipalidade a trabalhadores urbanos, operários,
executivos e empresários que, após a jornada habitual de trabalho, retomam
orgulhosamente a suas raízes rurais, produzindo alimentos sem agrotóxicos, para
consumo próprio.
É
um motivo de orgulho para um alto executivo alemão oferecer a seus visitantes
frutas e verduras cultivadas em sua horta particular, em seus horários de
lazer.
Um
projeto educativo que se inicie na infância pode, em poucas gerações,
transformar nossas cidades de médio e de grande porte em belíssimas localidades
dotadas de pequenos jardins, hortas, pomares e tanques de piscicultura que
contribuam para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes.
Ao
fundar o Jardim da Aclimação, atual Jardim Botânico do Rio de Janeiro, o
Príncipe D. João VI tinha por objetivo principal aclimatar árvores frutíferas
oriundas da Índia, da África e da Oceania às condições ecológicas do Brasil.
Graças ao processo de aclimatação numerosas árvores frutíferas, como
mangueiras, jaqueiras e outras, hoje estão completamente naturalizadas no País.
A
distribuição de mudas de fruta-pão (Artocarpus incisa), estimulada desde a
época do Vice-Reinado, tem surpreendentes características de modernidade nos
dias atuais.
A
fruta-pão é uma árvore da família das Moráceas, que produz um fruto composto,
grande, globoso, de cor verde, com casca ligeiramente áspera e rugosa e polpa
suculenta e de cor branco-pérola ou amarelada. O fruto pode ser comido cozido
ou assado; seu aroma e sabor são deliciosos, e a família que tem dois pés de
fruta-pão, em seu quintal, só compra pão e bolacha, se assim desejar.
c) Produção de Misturas Alimentares e
de Alimentos Enriquecidos
O
conjunto mais sóbrio de misturas alimentares semiprocessadas é o padronizado
pelas agências da Organização das Nações Unidas e pelas organizações
não-governamentais, com a finalidade de suplementar a alimentação de populações
africanas e asiáticas assoladas pela fome.
Este conjunto, normalmente, é
constituído por:
- uma mistura pré-cozida de farinha de soja,
enriquecida com leite em pó desnatado;
- uma mistura pré-cozida de farinha de cereais,
como milho, sorgo e/ou milheto;
- uma porção (litro) de azeite de palma (copra
ou dendê) refinado.
Neste conjunto, faltam alimentos
constantes dos grupos:
- 1, constituído por vegetais amarelos e folhas
verdes;
- 2, constituído por frutas cítricas e outros
vegetais ricos em vitamina "C";
- 3, constituído por tubérculos, raízes,
verduras e legumes cozidos, açúcar, rapadura, frutas diversas e mel.
Dentre
as misturas alimentícias constantes da alimentação básica diária, uma das mais
importantes, por seu valor nutritivo, é a constituída pelo
"feijão-com-arroz".
Por
sua importância na história do Brasil, cumpre destacar a paçoca, mistura
précozida de farinha de mandioca e/ou de milho, com banha de porco, sal e carne
de charque fritada, picada e pilada. Esta mistura alimentícia, juntamente com a
rapadura e a cachaça, permitiu o apoio logístico à expansão geográfica do País,
muito além dos acanhados limites do Tratado de Tordesilhas, durante a epopéia
dos Bandeirantes.
Outra
mistura alimentícia de importância histórica é a famosa “sopa negra de
Esparta", constituída pela mistura de sangue de bovino, suíno ou caprino,
com carne, vísceras (fígado e tripas), azeite de oliva e sal e engrossada com
farinha de cevada. Certamente os soldados espartanos não tinham problemas
relacionados com anemias ferroprivas.
Modernamente,
numerosas misturas alimentares vêm sendo aperfeiçoadas por nutrólogos e
nutricionistas e difundidas em programas de suplementação alimentar.
Dentre
essas misturas, destacam-se as constituídas por misturas de torradas de farelos
de cereais, como o trigo e o arroz, associadas com misturas de farelos de
vegetais de folhas verdes e casca de ovo.
No
combate à anemia, vêm sendo utilizadas, com muito sucesso, misturas alimentares
com farinhas de cereais, leite em Pó e hemácias (glóbulos vermelhos) de bovinos
ou caprinos.
Na
culinária brasileira, são inúmeras as misturas alimentares extremamente ricas
em princípios nutritivos e que fazem parte da alimentação básica diária.
Dentre essas, há que destacar:
- a feijoada sulina, rica em feijão preto e
carnes conservadas e couve;
- a feijoada nordestina, rica em feijão
(mulatinho), carne de charque, jerimum e verduras, como maxixe, couve, quiabo,
batata-doce e outras;
- o cozido, com lombo, carnes conservadas,
banana cozida e numerosos legumes e verduras;
- o arroz de carreteiro, com arroz, banha de
porco e carne de charque;
- a galinhada, com arroz, galinha, pequi e
guariroba;
- o sarapatel, preparado com sangue e miúdos de
porco ou de bode, e a famosa buchada de bode ou de carneiro;
- a galinha de cabidela e numerosas outras
misturas alimentares.
Dentre
os alimentos protetores, há que destacar as leveduras utilizadas na fermentação
do álcool, do vinho e da cerveja, após dessecadas e purificadas.
Caso
se estabelecesse o critério de sangrar 10% do levedo produzido, ao término de
cada tachada, o Brasil se transformaria rapidamente no maior produtor mundial
deste maravilhoso alimento protetor, rico em proteínas de alta qualidade, com
todos os aminoácidos essenciais e com todas as vitaminas do complexo B.
Se apenas um décimo do potencial de
produção de leveduras de todas as destilarias de álcool e cervejarias do Brasil
fosse utilizado para produzir este importante suplemento dietético:
- a mortalidade infantil seria drasticamente
reduzida;
- a criança brasileira seria muito mais bonita e
saudável;
- a mulher brasileira seria ainda mais bonita e
se destacaria mundialmente pela textura suave e delicada de sua pele.
Com
isso, sobraria levedura de cerveja para alimentar nossas vacas de alta linhagem
e melhorar a qualidade do leite e dos laticínios produzidos no Brasil.
d) Organização de Pequenas Empresas
Processadoras de Alimentos
Aproximadamente,
a metade dos abates de bovinos ocorridos no Brasil é clandestina. O quadro é
ainda pior quando relacionado com o abate de caprinos, ovinos e suínos.
As
dificuldades burocráticas relacionadas com o controle da qualidade e com a
certificação do leite pasteurizado transformaram a grande maioria dos
produtores de leite do País em reféns de uns poucos oligopólios multinacionais,
que controlam a comercialização do leite e a produção de laticínios, ditando
preços e quotas que desencorajam a produção.
É importante registrar que a
manutenção da situação atual beneficia os grandes oligopólios produtores de
alimentos, mas, em compensação:
- coloca à margem do mercado oficial mais da
metade da produção de carne bovina, um volume não dimensionado da produção de
carnes de suínos, ovinos, caprinos
e bubalinos e de leite de vaca e a quase totalidade da produção de leite de
cabra e de ovelha;
- diminui a arrecadação de impostos;
- aumenta os riscos de intoxicações alimentares
e de outros agravos à saúde, para a grande maioria dos consumidores
brasileiros;
- dificulta as ações que têm por objetivo
melhorar a produtividade pecuária e o nível de salubridade de seus produtos;
- dificulta a certificação e, em conseqüência, a
exportação de carnes, laticínios e outros produtos da pecuária.
Apesar
de todas as dificuldades burocráticas atuais, as pequenas empresas e a economia
informal são as maiores fontes de empregos remunerados e garantem remuneração
para mais de 60% da mão-de-obra do País.
Na
Europa, todos os animais são abatidos em absolutas condições de higiene; em
abatedouros privados ou pertencentes às pequenas municipalidades, e toda a
produção é controlada e certificada.
No
Continente Europeu, são as pequenas empresas artesanais produtoras de alimentos
as principais responsáveis pela produção das iguarias gastronômicas, disputadas
pelos restaurantes de maior renome. No Brasil, essas empresas produtoras de
iguarias ainda são incipientes e ainda não existe uma verdadeira cultura
gastronômica, como ocorre nos países europeus, como a França a Itália e a
Alemanha.
Compete
ao Estado flexibilizar, simplificar, universalizar e democratizar as ações
relacionadas com o controle da qualidade e com a certificação de alimentos,
sem, no entanto, descurar de suas graves responsabilidades relacionadas com a
proteção dos consumidores.
As
atividades de controle de qualidade e de certificação podem ser terceirizadas
com o apoio do Governo, do Serviço de Apoio à Pequena e Média Empresa - SEBRAE,
e das Confederações Nacionais da Agricultura, da Indústria e do Comércio.
As
empresas mistas de auditoria assumiram a responsabilidade de inspecionar as
pequenas empresas produtoras de alimentos e de certificar a boa procedência dos
mesmos, mediante delegação de competência do Estado.
É
muito importante que se incentive o desenvolvimento de pequenas empresas
artesanais produtoras de alimentos, em todo o Brasil, em conjunto com a
descentralização das atividades de controle da qualidade e de certificação da
boa procedência.
Para
embasar esse subprograma, é necessário que se instalem, inicialmente, pequenos
abatedouros e micro-usinas comunitárias processadoras de leite, os quais devem
ser construídos e operacionalizados, de acordo com regras estritas de higiene
de produção de alimentos.
Competirá ao subprograma incentivar o
desenvolvimento de pequenas empresas comunitárias destinadas à produção
artesanal de alimentos, dentro de um amplo leque de opções que:
- comece com as tradicionais casas de farinha,
engenhos de produção de rapadura, alambiques
de cachaça e fábricas de licores, de doces e de passas de frutas;
- evolua para as indústrias de queijos e outros
laticínios, carnes conservadas, defumados, embutidos, patês e outras iguarias.
A
difusão ampla dessas pequenas empresas, além de permitir uma rápida evolução da
cultura alimentar do País, dinamiza a economia rural, reduz o desperdício e
aumenta o número de empregos permanentes, contribuindo para o crescimento do
mercado interno.
e) Projeto Lavoisier
Lavoisier tornou-se célebre ao
enunciar uma das mais importantes leis que regem a natureza:
“Na
natureza nada de se perde, nada se cria, tudo se transforma”.
Todas
as donas de casa, realmente dignas deste título, conhecem e aplicam a lei de
Lavoisier em suas atividades diárias. Nas famílias bem administradas, o dia do
"enterro dos ossos” é muito especial para todos os que se deleitam com
iguarias.
No
dia do “enterro dos ossos", todas as sobras, guardadas em potinhos na
geladeira, são reprocessadas e degustadas sob novas formas.
Ao
reprocessar os alimentos, as boas donas de casa reduzem o desperdício e evitam
o crescimento do lixo orgânico. Compete à mudança cultural difundir o dia do
"enterro dos ossos" entre as classes menos favorecidas e valorizar a
geladeira, como o mais importante dentre todos os eletrodomésticos.
O
projeto Lavoisier não interessa apenas às donas de casa, mas também às
comunidades, prefeituras municipais, indústrias produtoras de alimentos,
supermercados, centrais de abastecimento de gêneros e feiras-livres.
Todos
os supermercados centrais de abastecimento e feira-livres têm problemas
relacionados com as sobras de gêneros perecíveis.
A triagem dessas sobras permite a
separação em dois grandes lotes:
- um deles é constituído por gêneros íntegros,
que foram rejeitados pelos consumidores por não apresentarem um aspecto visual
atraente;
- o outro é constituído por gêneros amassados ou
no início do processo de fermentação.
Após
devidamente processados, o primeiro lote pode ser utilizado no reparo da
alimentação humana, enquanto que o segundo é utilizado na alimentação de
animais.
De um modo geral, o processamento
desses alimentos é relativamente simples:
- inicialmente, os gêneros são triturados,
misturados e homogeneizados;
- numa segunda fase, a mistura é temperada e
submetida à cocção, em grandes panelas de pressão, em temperaturas superiores a
120º C;
- a seguir, a pasta resultante é concentrada,
envasada e refrigerada.
Todas
as vezes que se fala em terrines e patês, as pessoas imaginam que se trata de
iguarias muito caras. Na realidade, essas iguarias foram criadas para preservar
alimentos concentrados e ricos em calorias e para combater o desperdício. O que
as encarece são alguns insumos supervalorizados pelo mercado consumidor.
Caso
sejam utilizados insumos de baixo custo, que poderiam ser desperdiçados como
sobras, essas preparações tornar-se-ão muito baratas, sem perderem suas
características de sabor requintado e de elevado valor nutritivo.
De
um modo geral, os patês e terrines resultam da mistura homogeneizada de pastas
de alimentos ricos em proteínas de alta qualidade, com gorduras vegetais ou
animais, gemas de ovos, farinhas de cereais e condimentos.
No
caso das terrines, as misturas são preparadas com produtos pré-cozidos e a
ligação é feita com farinha de pão, enquanto que os patês são feitos com
produtos crus e a cocção é feita em banho-maria.
Tanto no caso dos patês, como nas
terrines ou pastas:
- a base protéica é constituída por uma pasta de
fígado de ave ou de mamífero, de presuntos, carnes e pescados diversos, nada
impedindo a mistura de dois ou mais ingredientes;
- a base gordurosa, originalmente constituída
por gordura de origem animal, tende a ser produzida com gordura de origem
vegetal, que é mais salubre, em associação com gema de ovos;
- a farinha de cereal pode ser de trigo, no caso
dos patês, e de farinha de pão, no caso das terrines;
- os condimentos variam em função da imaginação
e do bom gosto dos artesãos.
Numerosas
indústrias de pescados devolvem ao mar os peixes capturados, quando os mesmos
são de espécie e tamanho diferentes do que foi padronizado para o processo
industrial.
Esses e outros insumos podem ser transformados em deliciosos e
nutritivos patês e contribuir para melhorar as condições de nutrição da
população brasileira.
f) Campanhas de Arrecadação e de
Distribuição de Alimentos
Essas
campanhas são estruturadas com grande facilidade e, desde que fiscalizadas pela
própria comunidade, para evitar riscos de corrupção e de favorecimento
político, têm todas as condições para servirem aos propósitos do subprograma e
atuarem como alavancas, nos movimentos de opinião pública, permitindo o
desenvolvimento de outros projetos que promovam mudanças de maior repercussão e
duração.
Dentre as campanhas de arrecadação e
de distribuição de alimentos,- merecem ser destacadas as seguintes:
- o sopão dos pobres;
- as campanhas do quilo de alimentos não
perecíveis;
- a distribuição de tíquetes de refeição e/ou de
alimentação;
- as campanhas de distribuição de leite e pão;
- a distribuição de alimentos em restaurantes
governamentais, a preços muitos baixos.
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