COMPONENTE BIOLÓGICO DA AGRESSÃO
É habitual a
questão do crime envolver uma série de reflexões e comentários que ultrapassam
em muito o ato delituoso em si; são questões que resvalam na ética, na moral,
na psicologia e na psiquiatria simultaneamente. Sempre há alguém Latrelando ao
criminoso, traços e características psicopatológicas ou sociológicas: porque
Fulano cometeu esse crime?
Estaria perturbado
psiquicamente? Estaria encurralado socialmente? Seria essa a única alternativa?
Ou, ao contrário, seria ele simplesmente uma pessoa maldosa? Portadora de um
caráter delituoso, etc.
Atualmente, apesar
da ciência não ter ainda um consenso definitivo sobre a questão, sabe-se, no
mínimo, que qualquer abordagem isolada do ser humano corre enorme risco de
errar. Assim sendo, atualmente usamos o modelo bio-psico-social, na tentativa
de compreender as pessoas e os fatores que influenciam seus comportamentos
(Agra, 1986). Dentre esses três modelos (biológico, psicológico e social), sem
dúvida a abordagem biológica da pessoa é um dos aspectos mais criticados e
polêmicos.
A utilização do
modelo biológico (personalidade) como justificativa do comportamento criminoso
não é recente na história da medicina e da sociologia. A idéia parece ter vindo
de encontro à crença popular de que "o criminoso já nasce assim",
tendência pela qual se procura identificar traços de personalidade que o
caracterizam como psicopata, sociopata ou criminoso, enfim, traços que o tornam
diferente dos outros seres humanos (Mannheim, 1984). Veja Personalidade
Criminosa.
Mas, modernamente
considerando que qualquer tentativa de explicação biológica para o crime,
geralmente desencadeia um juízo prévio de que seria difícil alterar o que é
determinado biologicamente, foram sendo progressivamente realçadas as
investigações sobre fatores psicológicos e/ou sociais.
Além da
natureza tumoral de lesões produtoras de comportamento violento, o tipo mais
comum de doença cerebral associada à agressão e violência tem sido a Epilepsia
do Lobo Temporal. Mark e Ervin documentaram muito bem o caso de Jennie, uma
adolescente considerada como criança modelo.
Um dia, ao ser
criticada por ouvir alto demais seus discos, teve um acesso destrutivo e
quebrou tudo que estava em seu quarto. Seus estados de ânimo variavam entre o
angelical e o demoníaco e, finalmente, depois de estrangular um bebê de meses
por não suportar seu choro. Jennie foi institucionalizada. Como seu irmão tinha
epilepsia, aventou-se a possibilidade de sua extrema agressividade ser
ocasionada por uma doença cerebral orgânica.
Posteriormente
constatou-se um foco irritativo temporal esquerdo, o qual entrava em atividade
quando a paciente era estimulada a sentir raiva. O eletroencefalograma
conseguido durante a estimulação por choro de bebê mostrou claramente a
alteração desencadeada pela irritação da paciente.
Esta rejeição ao
modelo biológico se mantém muito enfático ainda atualmente. É sempre importante
cultivar um bom senso suficiente para evitar que o politicamente correto
interfira no cientificamente constatado. As modernas pesquisas sobre alterações
genéticas associadas ao comportamento violento (Bader, 1994), ainda são capazes
de estimular debates inflamados sobre a validade e o interesse das abordagens
biológicas.
Mesmo correndo o
risco de suscitar críticas sócio-psicológicas inflamadas, cientificamente
podemos agrupar a causalidade criminosa em quatro grandes categorias de
fatores: genéticos, bioquímicos, neurológicos e psicofisiológicos (Cristina
Queirós, A importância das abordagens biológicas no estudo do crime).
1. Fatores
genéticos
Os estudos
incluídos nesta categoria utilizam como metodologia os estudos de gêmeos e de
adoção. Nos estudos em gêmeos (Cloninger & Gottesman, 1987; Mednick,
Gabrielli & Hutchings, 1987; Mednick & Kandel, 1988), foram encontrado
o dobro da correlação para o comportamento criminoso entre estes, em oposição à
menor concordância em irmãos não gêmeos.
Comparando a
concordância de comportamento entre gêmeos monozigóticos e dizigóticos, os
monozigóticos apresentam o dobro de correlações no comportamento criminoso,
sugerindo a existência de fatores genéticos atrelados ao crime.
Para resolver a
argumentação contrária de que os gêmeos geralmente teriam experiências
vivenciais semelhantes, na mesma família, escola e sociedade e, por isso,
tenderiam a ter o mesmo comportamento, foram estimulados os estudos de adoção.
Esses estudos de
adoção utilizaram pessoas que não conheceram seus pais biológicos, bem como
sujeitos que ignoravam serem adotivos, buscando separar melhor os efeitos
ambientais dos efeitos genéticos. Esses trabalhos (Mednick, Gabrielli &
Hutchings, 1984) demonstraram que existe uma elevada concordância entre
comportamento criminoso dos pais biológicos com comportamento criminoso de seus
filhos adotados por outras famílias.
Parece também
existir uma relação maior entre o comportamento criminoso da mãe biológica com
o comportamento criminoso de seu filho adotado (Baker e col., 1989), do que a
mesma comparação entre pai e filho. Alguns autores consideram esse fato
sugestivo de uma transmissão genética associada ao cromossomo X.
Apesar da evidência
dos dados apontarem para a existência de importantes fatores genéticos
associados à criminalidade, o papel do ambiente parece também ter importante
influência. Cadoret e col. (1990), num estudo com crianças adotadas e filhas de
pais biológicos com comportamentos criminosos, verificaram que quando os pais
adotivos pertenciam a meio sócio-economicamente desfavorecido, as crianças
apresentavam mais comportamentos criminosos do que aquelas cujos pais adotivos
pertenciam a classes de estatuto socioeconômico superior.
Diante disso, será
sensato acreditarmos que, apesar de existir um fator genético capaz de aumentar
a suscetibilidade da criança para comportamentos criminosos, esta
suscetibilidade estará sujeita às condições ambientais.
2. Fatores
bioquímicos
Os estudos neste
grupo causal procuram dosar algumas substância possivelmente envolvida com o
comportamento violento, como por exemplo, o colesterol, a glicose, hormônios e
alguns neurotransmissores.
Virkkunen, em 1987,
procurou demonstrar a diminuição nos níveis séricos de colesterol em pessoas
com comportamento criminoso, da mesma forma como também se associava os baixos
níveis de glicose.
Como o álcool é
freqüentemente relacionado com o comportamento violento, foi também estudada a
sua associação com glicose e colesterol. Fisiologicamente se demonstra que, de
fato, o álcool diminui o açúcar na corrente sanguínea por inibição da produção
de glucose hepática. Deste modo, o álcool ao fazer diminuir a quantidade de
açúcar no sangue pode ser apontado como um fator facilitador do crime.
Quanto ao
colesterol a situação é mais curiosa ainda. Virkkunen mostrou que a relação
entre o colesterol e o álcool pode ter até uma finalidade discriminante. Ele
conseguiu isolar dois grupos de pessoas envolvidas com o alcoolismo; um grupo
representado por pessoas que ficam agressivas quando bebem e outro, por pessoas
que bebem mas não ficam agressivos. Os primeiros mostraram menor nível de
colesterol do que os segundos. e, estes, menor nível ainda do que os sujeitos
não delinqüentes, verificando-se que a maior violência aparece associada a
menor quantidade de colesterol.
No que diz respeito
ao nível neuroendócrino, a hormônio mais relacionado à agressividade é a
testosterona. A pesquisa verifica os níveis desse hormônio tomando por base
três comparações; entre criminosos, entre criminosos e não criminosos (grupo
controle) e entre não criminosos relacionando-se com a agressividade e não
agressividade.
Nas investigações
entre pessoas não criminosas os resultados são muito variáveis e até
contraditórios, concluindo-se por vezes que não há correlações entre
testosterona e potencial para agressividade (Rubin, 1987). Entre criminosos e
não criminosos (Olweus, 1987; Rubin, 1987; Schalling, 1987) os resultados são
mais consistentes, mas nem sempre são significativos. Alguns desses resultados
mostram criminosos apresentando maior nível de testosterona do que os não
criminosos.
Sobre as
influências neuroquímicas no comportamento agressivo, algumas das substâncias
mais estudadas (Rubin, 1987; Magnusson, 1988; Bader, 1994) são a serotonina,
que existiria em menor quantidade, o ácido fenilacético e a norepinefrina, que
existiriam em maior quantidade nos criminosos.
Esses estudos
procuram estabelecer uma correlação entre alterações bioquímicas capazes de
desencadear comportamentos criminosos, bem como as associações entre tais
alterações, ingestão de álcool e criminalidade.
3. Fatores
neurológicos
Esses estudos
(Buikhuisen, 1987; Hare & Connolly, 1987; Nachshon & Denno, 1987;
Pincus, 1993) associam desordens do comportamento com eventuais alterações
cerebrais, essencialmente no hemisfério esquerdo.
Os estudos parecem
apontar na identificação das disfunções neuropsicológicas relacionadas ao
comportamento violento estar presente no lobo frontal e nos lobos temporais. O
Lobo Frontal se relaciona à regulação e inibição de comportamentos, a formação
de planos e intenções, e a verificação do comportamento complexo, suas
alterações teriam como conseqüência dificuldades de atenção, concentração e
motivação, aumento da impulsividade e da desinibição, perda do autocontrole,
dificuldades em reconhecer a culpa, desinibição sexual, dificuldade de
avaliação das conseqüências das ações praticadas, aumento do comportamento
agressivo e aumento da sensibilidade ao álcool (sintomas positivamente correlacionados
com o comportamento criminoso), bem como incapacidade de aprendizagem com a
experiência (sintoma correlacionado positivamente com a alta incidência de
recidivas entre alguns tipos de criminosos).
Os Lobos Temporais
regulam a vida emocional, sentimentos, instintos, comandam as respostas
viscerais às alterações ambientais. Alterações nesses lobos resultam em
inúmeras conseqüências comportamentais, das quais se destacam a dificuldade de
experimentar algumas emoções, tais como o medo e outras emoções negativas e,
conseqüentemente, uma incapacidade em desenvolver sentimentos de medo das
sanções, postura esta freqüente em criminosos. Esses estudos procuram associar
o crime com alterações cerebrais específicas. (Cristina Queirós, A importância
das abordagens biológicas no estudo do crime)
4. Fatores
psicofisiológicos
O enfoque
psicofisiológico se baseia essencialmente na avaliação da função cerebral
(fisiopatologia), como por exemplo a Atividade Elétrica da Pele, o
Eletroencefalograma e o Eletrocardiograma, trabalhando sobretudo em contexto
laboratorial. Falta, no momento, uma metanálise de outros tipos de investigação
da função cerebral, como por exemplo, os estudos com PET e SPECT (Veja Exames
Neurológicos).
Os estudos
demonstraram que, tanto a ativação tônica (reação global do sujeito na ausência
de estimulação específica) quanto a ativação fásica (reação a estimulação
específica), é menor nos criminosos.
Também apresentam, os criminosos, uma
média menor do ritmo cardíaco, menor nível de condutância da pele e maior tempo
de resposta na atividade elétrica da pele, bem como registros
eletroencefalográficos com maior incidência de anormalidades (Fowles, 1980;
Hemming, 1981; Satterfield, 1987; Volavka, 1987; Hodgins & Grunau, 1988;
Milstein, 1988; Venables, 1988; Buikhuisen, Eurelings-Bontekoe & Host,
1989; Patrick, Cuthbert & Lang, 1994).
Alguns estudos
trabalharam também com crianças e adolescentes (Magnusson, 1988), e
demonstraram que as crianças com comportamentos considerados desviantes
apresentam maior ativação do sistema nervoso. No entanto estudos longitudinais
(Raine, Venables & Williams, 1990 e 1995) demonstraram que adolescentes com
comportamentos anti-sociais e que posteriormente vieram a cometer crimes
apresentavam significativamente menor ativação cardiovascular e eletrodérmica,
do que os que não cometeram crimes.
Através da
apresentação das quatro categorias citadas é possível constatar que foram
realizados diferentes estudos, e apesar das metodologias utilizadas e dos
resultados poderem ser por vezes questionados, nem todos poderão ser apontados
como científica e metodologicamente incorretos, demonstrando que de fato
existem fatores biológicos implicados no crime, sejam estes identificados como
genes, hormônios, neurotransmissores, etc.
Constata-se também
que, apesar de alguns estudos não referirem apenas as variáveis biológicas, mas
também as variáveis psicológicas e contextuais, a divulgação dos seus dados é
efetuada segundo uma lógica reducionista e determinista, tentando estabelecer
uma causalidade linear entre fatores biológicos e o crime, e contribuindo deste
modo para a rejeição das abordagens biológicas no estudo do crime.
Funcionando de
acordo com esta perspectiva linear, se um sujeito cometeu um crime porque as
suas características biológicas assim o determinam, e se estas são fáceis de
identificar (ex.: medir a quantidade de glicose e colesterol), porque não
prevenir o crime, alimentando adequadamente os sujeitos que apesar de não terem
ainda cometido crimes possam apresentar estas características? Avançando um
pouco mais, porque não efetuar terapias genéticas no embrião para os sujeitos
que apresentam a este nível alterações identificadas como características do
criminoso?
Perante estas
questões levanta-se uma outra, que é da liberdade individual, remetendo esta
para a certeza do comportamento ser determinado unicamente por fatores
biológicos. Essas questões são de primordial importância na Psiquiatria Forense
porque dizem respeito à imputabilidade, culpabilidade e responsabilidade. De qualquer
forma, parece que a idéia da biologia ser a única e principal determinante do
comportamento é universalmente rejeitada.
Assim sendo, tentar
explicar o comportamento e as atitudes humanas, apenas a partir de fatores
biológicos não parece ser um bom método, pois qualquer comportamento, incluindo
o comportamento criminoso, é considerado como um conjunto de inúmeros processos
em complexa interação. Em nosso caso, essa interação se dá através do vocábulo
tríplice; bio-psico-social.
Segundo Cristina
Queirós, a perspectiva biológica utilizada pelos vários estudos descritos pode
ser considerada como uma "biologia das causas". A alternativa a esta
perspectiva mecanicista seria a "biologia dos processos", que começa
a ser utilizada atualmente, através da abordagem bio-psico-social, a qual tenta
articular os fatores biológicos com os restantes níveis do comportamento
humano.
Na avaliação da
biologia do crime, mesmo reconhecendo ser necessário perscrutar as bases
biológicas do crime, esta deverá considerar, obrigatoriamente, a interação com
outros fatores envolvidos (Farrington, 1987; Raine & Dunkin, 1990;
Farrington, 1991), não esquecendo que o todo o indivíduo é um ser biológico em
interação com o meio (Karli, 1990).
Em suma, pode-se
concluir que as abordagens biológicas, apesar de serem geralmente vistas como
polêmicas e discricionárias, também são importantes no estudo e na compreensão
do crime, não devendo nem ser negadas nem supervalorizadas.
Interpretando os
fatores biológicos como representantes da personalidade da pessoa, será
possível articular este aspecto constitucional com outros níveis da
personalidade, bem como com os níveis do ato transgressivo e com o significado
deste.
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